Falta mais fiscalização

Uso de vant por escola de samba no Carnaval 2015 do Rio de Janeiro precipita o debate sobre a regulamentação e as licenças para operação de veículos aéreos não tripulados

Por André Vargas Publicado em 25/03/2015, às 00h00

O emprego cada vez mais rotineiro de veículos aéreos não tripulados, os vants, por parte de operadores civis das mais variadas naturezas é a constatação inegável de que esta tecnologia aeronáutica entrou para o cotidiano dos céus das grandes cidades brasileiras. Porém, assim como para as aeronaves tripuladas, o emprego de drones (do inglês, zangão, zumbido) exige licença dos órgãos reguladores, o Departamento de Controle de Espaço Aéreo (Decea) e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), além de treinamento adequado por parte dos operadores, o que não vem ocorrendo da forma esperada e necessária. As versões de menor porte dos vants costumam entrar no país na bagagem de turistas internacionais. Durante o segundo semestre de 2014, a Receita Federal apreendeu, em média, cerca de dez aparelhos desse tipo a cada semana só no Aeroporto de Guarulhos, a maioria pesando menos de 25 kg. Para complicar, tais modelos precisariam de autorização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para voar, pois utilizam frequências de rádio que podem interferir nas telecomunicações, a exemplo do que acontece com as rádios piratas.

Dias após os desfiles no Sambódromo do Rio de Janeiro deste ano, a Anac abriu uma investigação sobre o uso de vants sem autorização pela escola de samba Portela. Durante o desfile, na noite de 16 de fevereiro, um drone em formato de águia sobrevoou a frente da escola, como um abre-alas aéreo. Outros pequenos aparelhos também foram usados pela escola. A Anac informou que antes do carnaval a Portela chegou a pedir informações sobre a operação de vants, mas não foi autorizada pela agência. A agência informou, ainda, que a operação de vants a baixa altitude sobre áreas densamente ocupadas e sem a devida autorização de voo experimental é proibida. Os operadores estão sujeitos a ações civis e penais prevista no Código Brasileiro Aeronáutico (CBA).

Em Santo André, no ABC Paulista, uma pizzaria delivery testou a entrega de uma pizza de pepperoni em um apartamento próximo, com o emprego de um DJI F550, de seis rotores, com alcance de 1,5 km, velocidade máxima de 40 km/h e 500 g de peso. A ação foi coordenada por uma agência de marketing. Há duas edições AERO Magazine noticiava que os drones civis haviam se tornado corriqueiros nas grandes cidades e que uma legislação mais específica sobre sua utilização se fazia necessária para evitar abusos e acidentes (Ed. 248).


Portela utiliza drone em desfile e causa polêmica ao violar regras

Nova lei

Desde 2013, a Anac discute a definição de normas operacionais. Hoje, os drones estão na categoria experimental, não sendo permitido seu uso comercial. Na prática, é uma lei caduca, superada pela tecnologia e pelas demandas de consumo. A agência estuda facilitar o emprego de drones de até 25 kg em lugares públicos, limitando a altitude a 120 metros e operação até o limite do campo de visão do operador. Uma das propostas seria dividir os aparelhos em categorias de peso (classe I, acima de 150 kg; classe II, de 25 kg a 150 kg; classe III, até 25 kg) e características (altitude de operação, linha de visada, além da linha de visada, voo noturno e em áreas confinadas). O sobrevoo de áreas públicas abertas e locais densamente habitados ficaria limitado a uma altitude a ser definida. Não se trata de um caminho muito diferente do que é discutido nos Estados Unidos. “O Brasil não está tão atrasado assim. O congresso americano deu às suas agências reguladoras até setembro para a criação de uma nova regulamentação”, diz o advogado Georges Ferreira, especialista em Direito Aeronáutico. Enquanto isso, o mercado não para de crescer (veja os números) por lá. Em março do ano passado, um juiz federal do estado de Nova York anulou a proibição do uso comercial de drones naquele estado, o que causou repúdio por parte da Agência Federal de Aviação Civil, a FAA.

No Brasil, como a regulamentação está em discussão, a Anac exige que a licença de emprego comercial de um vant seja apresentada pelas empresas de táxi-aéreo e de serviços aéreos especializados (SAE) – as únicas que podem fazer voos com fins lucrativos –, destacando as características da operação e da aeronave. Também é necessário informar o plano de voo ao Decea com 15 dias de antecedência, destacando o aparelho, carga, procedimentos e finalidades. Na prática, nada disso acontece. Há um limbo operacional que a Anac, o Decea e a Anatel não conseguem cobrir, já que os vants podem decolar de qualquer lugar. Enquanto a nova legislação brasileira não entra em vigor, civis se baseiam no bom senso e nas normas do aeromodelismo, evitando áreas com grandes aglomerações, longe de aeroportos e corredores aéreos, a uma altura máxima que não costuma ultrapassar 120 metros, sempre na linha de visada do operador de solo. Caso contrário, algum acidente já teria ocorrido.

Em outros espaços aéreos

Conheça a regulamentação sobre os drones fora do Brasil, segundo dados do advogado Georges Ferreira, especialista em Direito Aeronáutico

ESTADOS UNIDOS

Desde fevereiro, o país prepara consultas públicas para regular o uso civil de aparelhos não tripulados. O Departamento de Transportes e a Agência Federal de Aviação Civil, a FAA, propõem a exigência de licença para aparelhos com menos de 25 kg, limitando sua operação a voos diurnos, com limite de velocidade em 160 km/h e teto de 152 m, a fim de não ocuparem o espaço aéreo de aeronaves tripuladas. As leis que protegem a privacidade devem ser respeitadas.

ALEMANHA

O uso comercial de drones é permitido na Alemanha. As restrições se dão no que diz respeito à privacidade, direitos autorais (como em filmagens de concertos e eventos) e uso em áreas urbanas ocupadas. Cada voo comercial de vant requer uma licença e, a menos que uma autorização especial seja obtida, os drones devem possuir até 25 kg. Afora isso, existem regras regionais de emprego.

REINO UNIDO

A Autoridade de Aviação Civil, a CAA (Civil Aviation Authority), não especificou uma norma para o uso de drones, mas deve ser mantida a distâncias de pelo menos 150 m das multidões ou áreas densamente povoadas, mantendo respeito às leis que preservam a privacidade. As autorizações de voo são comumente necessárias, o contato visual deve ser mantido pelo operador, sendo que este será o responsável por eventuais danos causados. Além da autorização de voo, é preciso seguro.

ESPANHA

A autoridade aeronáutica espanhola, a AESA, anunciou em abril de 2014 a proibição do uso comercial de drones, em uma decisão parecida com a da África do Sul. Na Espanha, sua utilização requer quase as mesmas licenças para a operação de um helicóptero.

AUSTRÁLIA

Permite a utilização comercial, mas com certa burocracia. Para hobby não há muitas restrições, mas para uso comercial é exigido que a operação fique nas mãos de um profissional licenciado. Nesses casos é necessário justificar o emprego e apresentar a rota às autoridades aeronáuticas. Se o voo ocorrer sobre locais pouco habitados ou ermos, a licença é dada quase que de imediato. Se for sobre áreas com muitas edificações verticais ou densamente povoadas, pode demorar até três semanas. Os drones não podem efetuar voos noturnos e devem manter uma distância de pelo menos 20 m das pessoas. Se o operador for profissional, a distância do público pode cair para menos de cinco metros.

CANADÁ

 

O uso comercial está permitido desde 1996. É necessário um Certificado de Operador Aéreo (Air Operator Certificate) e cada voo comercial de vant requer um Certificado Especial de Operações Aérea (Special Flight Operations Certificates), que especifica a área na qual será permitido operar. São necessários 20 dias úteis para a concessão da licença.

ÁFRICA DO SUL

Até maio de 2014, não havia grandes restrições para o uso de câmaras em drones, até que a Autoridade Aeronáutica Sul-Africana (Sacaa) parou de emitir licenças. A Sacaa estuda a viabilidade das operações comerciais. A nova regulamentação deve entrar em vigor em breve.

ÍNDIA

Não há uma regulação específica para uso comercial, se as operações acontecerem abaixo de 100 pés, longe de aeroportos e áreas de segurança, dificilmente haverá uma sanção. Os drones são exaustivamente utilizados para produções cinematográficas no país que mais produz filmes no planeta.

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