Novo Dassault Falcon 10X acirra a disputa no cobiçado mercado de jatos de cabina larga e ultralongo alcance
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 27/10/2023, às 14h00
O projeto do Falcon 10X segue em ritmo acelerado e a Dassault Aviation mantém o cronograma original para certificação e entrega em meados de 2025. Na última semana, durante o NBAA-BACE 2023, que ocorreu em Las Vegas, o fabricante francês endossou o potencial do novo jato de negócios, que terá a maior cabine da categoria.
O mockup do imponente Falcon 10X, que promete acirrar a concorrência no cobiçado mercado de jatos de cabine larga e ultralongo alcance, estava entre os mais concorrido do evento.
Até 2021, quando o Falcon 10X foi anunciado, os franceses eram os únicos entre os fabricantes de aviões de negócios intercontinentais sem um representante no segmento de modelos com quatro zonas de cabine e alcance de 7.500 milhas náuticas.
Nessa corrida, a Bombardier saiu na frente com o Global 7500 e a Gulfstream respondeu em seguida com o G700. O novo Falcon entra na disputa pelo segmento mais rentável da aviação de negócios, tendo boa parte dos operadores presente na lista das 500 pessoas mais ricas do mundo.
São aeronaves com custo acima dos 70 milhões de dólares, como é o caso do 10X, que tem preço básico estimado em 75 milhões de dólares. Dois fatores ajudam a explicar um lançamento dessa magnitude em meio às incertezas em torno da crise iniciada em 2020, mas potencializada com a Guerra da Ucrânia e agora com as tensões no Oriente Médio, assim como os cortes orçamentários em diversos programas civis e militares: primeiro, o elevado retorno proporcionado pela venda de cada avião nessa categoria e, segundo, a valorização do transporte privativo após os transtornos causados pela crise sanittária e a redução da malha aérea regular.
Com uma seção transversal de 2,03 metros de altura e 2,77 metros de largura, a ampla cabine do 10X se revela um dos destaques do novo Falcon. São quase 20 centímetros a mais na largura e cinco centímetros além na altura em comparação à cabine do Gulfstream G700 – até então, a maior do segmento.
Para se ter uma ideia do seu tamanho, a cabine é três centímetros mais larga e mais alta do que a do Embraer E-Jet, que era a plataforma básica do Lineage 1000.
Seguindo uma tendência criada pelo Global 7500, o novo avião da Dassault também oferece quatro zonas de cabine, de igual comprimento entre elas, incluindo uma suíte com cama queen size e chuveiro.
A instalação de suítes máster ampliadas se tornou um dos diferenciais desse segmento, com aposta dos fabricantes no maior conforto para os passageiros, que podem utilizar o avião não apenas como uma extensão de seus escritórios, mas, também, como um confortável hotel móvel. Principal virtude das aeronaves de ultralongo alcance e cabine larga, a comodidade de se deslocar até o destino da reunião de forma direta, evitando a perda de tempo com hospedagem, significa agilidade e eficiência nos negócios.
Embora a configuração padrão de cabine seja de quatro zonas distintas – com sala de jantar, espaço para reuniões, área de entretenimento e suíte –, o operador do Falcon 10X poderá optar por uma disposição mais confortável, com apenas três ambientes, ou uma de alta densidade, especialmente útil para grandes empresas ou governos.
O mercado oferece aviões com cabines maiores do que a do Falcon 10X (baseados em modelos comerciais), como o ACJ319neo, o ACJ320neo e o 737MAX BBJ, das famílias Airbus Corporate Jet e Boeing Business Jet, mas a preferência de quem voa costuma tender para modelos desenvolvidos especificamente para a aviação de negócios.
Um dos motivos, além do preço (ligeiramente mais elevado), é que aeronaves pensadas para a aviação regular não oferecem a mesma flexibilidade operacional dos bizjets e exigem maior infraestrutura, com mais gente em solo.
A única vantagem é que famílias como a ACJ e a BBJ contam com suporte complexo em praticamente qualquer parte do mundo, o que não chega a ser um grande diferencial, já que os fabricantes da aviação de negócios têm um pós-venda bastante eficiente.
A Dassault, por exemplo, dispõe de aviões voltados exclusivamente para o atendimento de seus clientes em qualquer parte do globo. Em caso de eventualidades, uma equipe de técnicos e engenheiros da marca permanece disponível para decolar 24 horas por dia, sete dias por semana, ao longo do ano todo.
Mais uma diferença considerável dos modelos concebidos como aviões de negócios passa pela sensação de altitude de cabine, bem mais confortável do que a de seus rivais derivados de modelos comerciais.
Segundo a Dassault, a sensação de altitude dentro do Falcon 10X se assemelhará àquela que o corpo humano experimenta a três mil pés, mesmo com o avião voando a 41 mil pés. Além disso, um sistema de filtragem de última geração fornecerá ar 100% puro, asseguram os engenheiros do projeto. Um dos desafios da aviação de negócios é criar um ambiente confortável para voos de ultralongo alcance e a pressurização se revela um aspecto fundamental no cumprimento dessa missão ao amenizar a fadiga após várias horas de voo.
Buscando atender às necessidades dos usuários dessa categoria de mercado, sem inventar tendências, a Dassault diz que o Falcon 10X terá um alcance máximo de 7.500 milhas náuticas (13.900 quilômetros) e velocidade de Mach 0.925, exatamente como o Gulfstream G700 e o Bombardier Global 7500.
Outro destaque do novo avião, que revela a preocupação da Dassault com o trabalho dos rivais diretos, é a opção por amplas janelas, quase 50% maiores do que as instaladas no Falcon 8X.
Os principais competidores do fabricante francês optaram por ampliar as janelas dos aviões, oferecendo maior iluminação natural, o que aumenta o conforto a bordo. Ao todo, o 10X terá 38 janelas, sendo dezenove de cada lado da fuselagem. O acabamento e o isolamento acústico deixarão o interior do jato com níveis de ruído próximo aos dos modelos de Bombardier e Gulfstream, garante a Dassault.
A exemplo do que fez com o 6X, a Dassault optou por um modelo bimotor, uma solução padrão entre seus dois concorrentes diretos. Após várias décadas, o principal avião da família Falcon não será um vistoso trijato, interrompendo, assim, uma longa tradição.
Se até meados dos anos 2000 os trimotores apresentavam vantagens incontornáveis, como maior potência disponível na decolagem e possibilidade de execução de rotas oceânicas mais diretas, atualmente, os motores oferecem muito mais capacidade, equilibrando a disputa para o lado dos bijatos.
Ainda no quesito propulsão, os problemas causados pelo motor do Falcon 5X se tornaram um duro e importante aprendizado para a Dassault. Para evitar riscos com o desenvolvimento de um motor completamente novo, o Falcon 10X será equipado com dois Rolls-Royce Pearl 10X, uma variante destinada ao novo jato da Dassault, similar ao modelo usado no G700 – ambos oferecem empuxo na faixa das 18 mil libras-força. A Bombardier, por sua vez, optou pelo GE Passaport, que também proporciona 18 mil libras-força, para o Global 7500.
Apenas atender aos requisitos básicos esperados não é suficiente para obter sucesso em um nicho bilionário, mas restrito, sobretudo quando se enfrenta dois competidores que saíram na frente.
O Global 7500 está disponível para entregas há quase três anos, enquanto o G700 está em fase avançada de certificação. Um dos destaques exclusivos do Falcon 10X será a tecnologia embarcada no cockpit, com destaque especial ao uso de apenas um manete de aceleração.
Ou seja, mesmo sendo um avião bimotor, o piloto terá apenas uma alavanca para controlar ambos os propulsores, uma tecnologia oriunda da aviação de caça, sobretudo do Rafale. Com a evolução das tecnologias digitais, os sistemas de aceleração se tornaram cada vez mais sofisticados, resultando em um autothrottle que atua nos manetes de forma automática. Dessa maneira, foi possível eliminar as duas alavancas, mantendo uma só.
Integrado ao sistema de controle de voo digital (DFCS, na sigla em inglês) e ao fly-by-wire (FBW), o chamado SmartThrottle reúne em uma única alavanca o controle de potência. Hoje, os computadores do avião já gerenciam todo o funcionamento dos aceleradores, então, mesmo em emergência, o sistema é capaz de atuar de forma eficaz em um só manete.
Essa será uma grande vantagem para o piloto, acredita a Dassault, já que será impossível cortar o motor errado, uma vez que todo o processo será gerenciado pelo avião. Além disso, o SmartThrottle adiciona recursos de segurança, como recuperação de emergência, controle automático de assimetria de potência, modo de descida de emergência e mitigação de falha do motor. Em caso de pane, a alavanca única controla apenas um motor e, em um voo normal, controla ambos.
Pelo programa, a fuselagem será construída em novos materiais avançados, reduzindo o peso e ampliando a resistência estrutural. O maior destaque do projeto estrutural, porém, são as asas: elas serão feitas em fibra de carbono e terão um avançado projeto aerodinâmico, superando o conceito aplicado ao Falcon 8X.
Criada para a velocidade elevada e a máxima eficiência do novo jato, as asas terão relação de aspecto – que é proporção entre a envergadura (distância ponta a ponta) e o acorde (distância vanguarda e bordo de fuga) – muito alta e serão equipadas com avançados dispositivos hiperssustentadores, que oferecem maior capacidade de manobra nas baixas velocidades de aproximação.
O ingresso da Dassault no segmento de jatos de cabine larga e ultralongo alcance não apenas demonstra o potencial desse mercado, como deve tornar a vida de vendedores dos três fabricantes ainda mais difícil. Mesmo que seja um nicho restrito, com uma média potencial de 500 compradores em todo o mundo, raramente um avião nessa faixa de preço e com esse tamanho obtém números de vendas elevados, ao contrário do que acontece na aviação comercial e em segmentos de entrada da aviação geral.
A questão é que a exigência constante dos compradores pesa muito nesse nicho. Se apenas preço, alcance e cabine larga fossem suficientes, os hoje veteranos G550 e Global Express seriam mantidos na ativa, ganhando apenas atualizações pontuais. Mas o mercado exige avanços que, muitas vezes, mostram-se impraticáveis em um projeto já concluído.
As quatro zonas de cabine, por exemplo, pedem um comprimento ligeiramente superior. Já a ducha a bordo, além de uma cabine maior, depende de um projeto específico para acomodação do sistema hidráulico, incluindo reservatórios de água limpa e usada. Isso requer um reprojeto profundo da estrutura do avião, até para manter o centro de gravidade. No fim, a solução acaba sendo um projeto totalmente novo.
A Bombardier inaugurou esse mercado com o Global 7500, que representa não apenas um novo patamar na categoria, mas, também, a redenção do fabricante canadense, que sofreu uma forte reestruturação até optar pelo foco exclusivo no segmento de aviação de negócios, abandonando o transporte aéreo regular, a aviação voltada para missões especiais (com os aviões bombeiros) e o setor ferroviário.
Para a Gulfstream, que foi a empresa que mais faturou em 2020 no mercado de aviação de negócios, registrando cifras acima de cinco bilhões de dólares de receita, a resposta era natural e necessária, visto que o Global 7500 superava consideravelmente o G650ER, até então, uma das referências no setor. E não apenas isso: a Gulfstream tem no mercado de jatos grandes seu principal negócio – o menor avião da família concorre entre os supermédios, ou seja, todo o business do fabricante norte-americano depende dos aviões de maior porte.
Terceira a entrar nessa briga, a Dassault percorreu um caminho mais espinhoso até o lançamento do Falcon 10X. A empresa sofreu contratempos importantes e caros com o Falcon 5X, levando ao abandono do projeto e ao lançamento do Falcon 6X.
Na prática, em um curto período, a Dassault teve de projetar três aviões distintos, tornando o desafio ainda mais complexo e decisivo. A Gulfstream também lançou o G500 e o G600 com pequena antecedência em relação ao G700, mas os dois primeiros modelos são praticamente o mesmo avião, sendo uma versão mais curta e outra mais longa, da mesma forma que o G800 é uma versão encurtada do G700. Uma situação diferente da rival francesa.
A disputa entre os aviões de ultralongo alcance e quatro zonas de cabine mostra que essa categoria se tornou, definitivamente, a mais atraente para os grandes players, com margens de lucro maiores (e riscos na mesma proporção).
E o mais importante: há um grupo de operadores globais disposto a continuar investindo milhões de dólares no que houver de mais avançado disponível no mercado de aviões de negócios.
* Texto adaptado da versão publicada originalmente
na edição 325 de AERO Magazine, com o título Falcon 10X