Mesmo em situações de emergência, pilotos devem assegurar que o gerenciamento do voo aconteça de forma proficiente
Robert Zwerdling Publicado em 11/07/2012, às 13h38 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
No último dia 1º de junho, a tripulação técnica de um Airbus A380-800 da Emirates Airlines, matrícula A6-EDD, que executava o voo EK-241 entre Dubai (Emirados Árabes Unidos) e Toronto (Canadá), tomou dois grandes sustos. Depois de executar espera, ordenada pelo serviço ATC em função de meteorologia e tráfego aéreo, o -80 iniciou aproximação para pouso na pista 15R. O serviço de vetoração foi demorado, em virtude do acúmulo de tráfegos em área terminal, e quando o superjumbo se aproximava do Aeroporto Internacional de Pearson, cruzando a altura de 600 pés com 530 pessoas a bordo, soou o alerta para presença de wind shear. Imediatamente, a Torre Toronto suspendeu uma decolagem a partir da pista 15L, como medida preventiva de segurança. Após superar os efeitos da tesoura de vento, a tripulação decidiu alternar o pouso para Ottawa, mas, ao observarem os valores de combustível remanescente, os pilotos declararam emergência. O computador de bordo indicava que provavelmente eles chegariam com autonomia inferior a 30 minutos de voo. O serviço de controle de tráfego aéreo, prontamente, orientou o EK-241 a subir para o nível de voo (FL) 230, em rota direta para seu novo destino.
Ao iniciar os preparativos para pouso em Ottawa, a tripulação percebeu que o combustível remanescente seria de aproximadamente 6,3 toneladas, suficiente para chegar com segurança no alternado. A tripulação, então, cancelou a situação de emergência, impondo como condição essencial uma aproximação direta para pouso Rnav na pista 14. O pouso se processou sem qualquer incidente, 50 minutos após a arremetida em Toronto. E no balanço final da operação, somente uma aproximação teve de ser descontinuada em Ottawa, já que o A380 precisou realizar o backtrack até a outra cabeceira para conseguir acessar o pátio por uma pista de táxi adequada para seu porte. As condições climáticas naquele dia em Toronto realmente não estavam ajudando os aviadores, com vento de rajada entre 30 e 40 nós, e ocorrência de alertas para wind shear seguidos de arremetidas. Outros voos chegaram a declarar situação de "minimum fuel", o que exigiu atenção especial por parte dos controladores de voo canadenses - apenas o voo da Emirates emitiu situação "low fuel".
O relatório divulgado pela página eletrônica The Aviation Herald (www.avherald.com) não é novidade na aviação. Ainda não temos outros detalhes sobre o incidente, mas, ao que tudo indica, os pilotos teriam sido surpreendidos por uma indicação imprecisa do combustível remanescente via sistema de gerenciamento de voo. Não que o computador tivesse falhado. O que faltou foi maior tempo hábil para a sua reprogramação. A arremetida ocasionada por tempo adverso e alerta para tesoura de vento provavelmente aumentou o estresse da tripulação envolvida, que, em meio a uma alta carga de trabalho na cabine de comando, pode ter esquecido no primeiro momento de alterar o aeroporto de destino no computador. Sem que se execute essa mudança, o computador calcula o combustível para ir a Ottawa e retornar a Toronto. Do mesmo modo, se qualquer ponto a mais na rota para o alternado ou mesmo um procedimento STAR não adequado estiver inserido no computador, uma diferença exagerada de combustível remanescente será indicada aos pilotos. Ou seja, embora faltem mais detalhes sobre o incidente com o A380, há possibilidade de que toda a diferença esteja realmente na programação do computador.
É importante esclarecer que uma falha como essa, considerando a tese de que ela realmente aconteceu, pode ser cometida até mesmo pelos mais experientes comandantes de linha aérea. Tudo depende dos níveis de estresse e fadiga da tripulação, e das circunstâncias variáveis, como fatores ligados ao serviço ATC ou mesmo às restrições impostas na aproximação pela meteorologia. No caso do voo da Emirates, a tripulação encerrava uma longa jornada entre Dubai e Toronto e, por mais que se tenha uma equipe para trabalhar em regime de revezamento, existe um fator importante ligado aos voos intercontinentais: o jet lag. Ele traz diversos efeitos colaterais ao ser humano, tanto os físicos quanto os psicológicos, atribuídos ao cruzamento de diversos fusos horários e a consequente alteração do ritmo circadiano. Após executar órbitas de espera e demorar quase 20 minutos para interceptar a final de aproximação, o voo EK-241 precisa arremeter. Logicamente, a primeira preocupação dos tripulantes a bordo deve ter sido sair o quanto antes de Toronto para chegar com segurança em seu alternado. Nessa fase, os vetores iniciais do serviço ATC, aliados a uma alta carga de trabalho no cockpit (procedimento final da arremetida mais a leitura de checklists), podem ter contribuído para uma falha na reprogramação do computador. É uma hipótese. Mas o que vale ressaltar é que a tripulação soube trabalhar com calma a situação, superou as barreiras do estresse e do cansaço, e chegou com total segurança em seu aeroporto de alternado.
O VOO 173 DA UNITED
O uso dos conceitos de CRM (cockpit resource management) também é muito importante em casos como esse, já que a boa abertura para diálogos na cabine de comando permite que os tripulantes encontrem soluções mais adequadas em todas as fases do voo, principalmente nos momentos mais críticos ou nas emergências. Se não houver espaço para o bom entendimento, a troca de informações e conhecimentos, e, principalmente, a boa consciência situacional de pelo menos um dos tripulantes envolvidos, o voo pode estar em risco. Preocupados em demasia com a solução de um único problema - que nem sempre é a situação mais preocupante num determinado momento -, os pilotos relegam o voo ao segundo plano e são realmente pegos de surpresa quando a aeronave atinge o solo. É o que chamamos de "visão de túnel", expressão que representa situações durante as quais a atenção do piloto volta-se para um único detalhe na operação enquanto os outros itens relativos à segurança operacional são deixados de lado - ou seja, privilegia-se um procedimento em detrimento dos demais. E na história da aviação são muitos os acidentes ou incidentes que tiveram essa situação marcada pela falta de "visão periférica" como fator preponderante, sendo que um dos relatos muito comentados em cursos de CRM traz a análise do desastre envolvendo um DC-8-61 da United Airlines, em 28 de dezembro de 1978.
O último trecho do voo 173, em rota entre Denver (Colorado) e Portland (Oregon), nos Estados Unidos, fora realizado sem qualquer tipo de anormalidade. Os problemas começaram justamente na aproximação final. Por volta das 17h, o McDonnell Douglas de matrícula N8082U começou a ser preparado para o pouso, com extensão de flaps e posteriormente o comando para trem de pouso embaixo. E nessa hora a 350tripulação escutou um ruído diferente. A aeronave balançou e, em seguida, os instrumentos indicaram anomalia no posicionamento das rodas. O controle de aproximação, que já transferia o voo da United para jurisdição da Torre Portland, foi comunicado que o pouso não seria possível naquele momento por motivos técnicos. O controlador orientou a aeronave para voar até um ponto para execução de órbitas em área terminal.
FALTA DE GERENCIAMENTO ADEQUADO DO COMANDANTE COM RELAÇÃO AO CONSUMO DE COMBUSTÍVEL E A COMPLACÊNCIA DOS OUTROS TRIPULANTES TÉCNICOS LEVARAM AO ACIDENTE DO VOO 173 DA UNITED
O copiloto deixou seu assento para tentar visualizar o posicionamento do trem de pouso por meio de indicativos visuais específicos para situações de emergência. Mas ele não conseguiu ter certeza, já que escurecia rapidamente, diminuindo sua acuidade visual. Na cabine, o comandante passou a repassar os procedimentos com o engenheiro de voo e chamou a manutenção da companhia pelo rádio para obter mais orientações. A chefe dos comissários também foi chamada para receber as primeiras diretrizes quanto a uma possível evacuação de emergência. Tudo dentro do esperado numa situação como essa, não fosse o fato de que o combustível remanescente estava diminuindo perigosamente. O engenheiro de voo até percebeu que a situação era crítica, mas não foi enfático quando se pronunciou perante os colegas. O comandante pediu mais tempo para adotar todas as medidas preventivas e diminuir o peso da aeronave para o pouso. O engenheiro chegou a comentar que o combustível não seria suficiente para tudo aquilo e que teriam talvez 15 minutos para chegar ao aeroporto. O copiloto preferiu se omitir e confiou sua sorte exclusivamente às decisões adotadas pelo comandante do voo.
Quando o voo 173 finalmente interceptou a aproximação final para pouso na pista 28L, os motores começaram a apagar. O comandante olhou atônito para o copiloto e perguntou o porquê daquilo. Ele respondeu: "Porque estamos sem combustível". "Como?", indagou o comandante sem entender nada. Poucos minutos depois, a tripulação emitiu seu último comunicado antes de atingir o solo: "Torre Portland, United uno sete três, mayday! Nossos motores estão apagando. Nós vamos para o chão. Não temos condições de chegar ao aeroporto". O DC-8 colidiu em seguida com o solo, atingindo um bosque no subúrbio de Portland, pouco mais de uma hora depois que a pane do trem de pouso fora detectada pela tripulação. Como não havia mais combustível, o jato não explodiu, mas partiu-se em diversos pedaços. Das 189 pessoas a bordo, 10 perderam suas vidas, sendo dois tripulantes e oito passageiros. No relatório final do acidente, o NTSB (National Transport Safety Board) apontou como principais falhas a falta de gerenciamento adequado do comandante com relação ao consumo de combustível, e a complacência dos outros tripulantes técnicos, em especial do engenheiro de voo, que não foi enfático o suficiente junto ao comandante quanto ao perigo na diminuição da autonomia.
Robert Zwerdling é comandante de aeronaves Airbus A320