Estratégia bilionária

Cláudio Camelier - diretor de estratégia de produto e mercado para aviação executiva da Embraer

Giuliano Agmont E Christian Burgos | Fotos Rodrigo Cozzato Publicado em 23/01/2012, às 09h29 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

O engenheiro aeronáutico Cláudio Galdo Camelier tem aviação no sangue. Nasceu em São José dos Campos, interior de São Paulo, berço da Embraer, quando seu pai, então coronel-aviador da FAB, cursava o ITA. Tem dois irmãos aeronautas, um piloto de provas da Embraer e ex-fumaceiro, e outro piloto privado. Aos 43 anos de idade, acumula mais de duas décadas de experiência no mercado de transporte aéreo - além de algumas horas de voo de planador. Depois de se formar, em 1990, também no ITA, trabalhou na Vasp e na Varig, na área de engenharia de operações, até se transferir, em 1998, para a Embraer. Começou atuando no suporte a cliente, migrou para operações de aeronaves, depois vendas, e chegou à área de estratégia, no segmento comercial. Assumiu suas atuais funções, na área de aviação executiva, em 2007. Hoje, é diretor de Estratégia de Produto e Marcado para Aviação Executiva e responde pelo portfólio de produtos no segmento de jatos corporativos: "Avalio como nosso portfólio deve evoluir e o que devemos fazer para manter nossos produtos competitivos. Também respondo pela parte de estratégia de mercado, que identifica as oportunidades de negócio e os segmentos nos quais queremos atuar". Nesta entrevista exclusiva, Cláudio Camelier explica como a Embraer pretende se tornar uma potência global também no segmento de jatos executivos.

AERO -A Embraer construiu e lançou o Legacy 500 durante a maior crise financeira desde 1929. Em algum momento o programa correu risco de ser descontinuado?
CLÁUDIO CAMELIER - A gente não sabia da crise quando lançou o programa Legacy 450/500. Tínhamos indicadores, mas ninguém era capaz de dimensionar a gravidade dela. Diante do novo cenário, a Embraer, como qualquer outra empresa, passou por um período de reavaliação de projetos e estratégias, incluindo o Legacy 450 e o 500. Revisamos o plano de negócios e avaliamos que ambos ainda faziam sentido. Ao contrário de outros competidores, que, no momento da crise, reavaliaram seus portfólios e cancelaram produtos e desenvolvimentos. Continuamos acreditando que os novos Legacy vão revolucionar o segmento dos jatos médios. São produtos com um plano de negócios extremamente robusto, e com um enorme potencial de capturar fatias significativas desse mercado de jatos médios.

- A Embraer cogitou manter apenas um dos jatos?
- Não, nossa intenção sempre foi lançar os dois. Eles têm um papel estratégico, pelo portfólio da Embraer. No mercado de aviação executiva, a fidelidade do cliente a uma marca é muito grande. Quem compra um jato executivo, normalmente, fica com ele entre cinco e sete anos. E, no momento da troca, 70 a 80% dos clientes optam por um avião da mesma marca. Ou seja, ele cresce dentro da marca. Nossos modelos de entrada são o Phenom 100 e o Phenom 300. Se você imaginar uma pirâmide, o Phenom 100 está na base. Ele tem um mercado potencial importante e estamos, de fato, capturando vários novos clientes. Esperamos que estes clientes, ao longo do tempo, evoluam para o Phenom 300. Só que operador do Phenom 300 dificilmente vai evoluir para o Legacy 600 ou 650, é um passo muito grande. O Legacy 450-500 fecha esse gap. O Legacy 450, por exemplo, chegará ao mercado mais ou menos quando os primeiros Phenom, particularmente os 300, tiverem entre cinco e sete anos de uso. O Phenom 300 tem preço em torno de 9 milhões de dólares enquanto o Legacy 450 custa 15 milhões de dólares.

"TEMOS SETE JATOS EXECUTIVOS EM NOSSO PORTFÓLIO, SEIS DELES LANÇADOS NOS ÚLTIMOS SETE ANOS. ISSO MOSTRA QUE NÃO INVESTIMOS MAIS DE 1 BILHÃO DE DÓLARES PARA SAIR DESSE MERCADO"

-Os novos Legacy consolidam a Embraer no mercado de aviação executiva?
- Quando a Embraer começou com a aviação executiva, em 2001, com o New Legacy, houve uma desconfiança em relação ao nosso compromisso de permanecer nesse mercado. Nada mais natural, porque o operador não compra somente o jato executivo e, sim, toda uma solução. Ele precisa de suporte para voar pelo mundo, se for o caso. Hoje temos sete aviões no nosso portfólio, seis deles lançados nos últimos sete anos. Isso mostra que não investimos mais de um bilhão de dólares para sair desse mercado.

-Mais de 1 bilhão de dólares?
- Sim, o Legacy 450/500 é um programa de 750 milhões de dólares. Com o desenvolvimento dos Phenom, do Lineage 1000 e do próprio Legacy 650, mais os investimentos em serviço e suporte a cliente, temos um agregado que excede 1 bilhão de dólares.

- O Phenom 100 sofreu algumas críticas, principalmente em função de questões operacionais. O que houve e como está a situação hoje?
- Quando a indústria aeronáutica introduz um produto completamente novo, surgem dificuldades de operação não identificadas durante a campanha de ensaios e a certificação do avião. No caso do Phenom 100, a exemplo de outros aviões, incluindo o A380 e o Boeing 787, teve problemas. Posso citar dois problemas nos quais tivemos grandes dificuldades, um relacionado ao sistema de flap do avião e o outro, ao sistema de freio. Tivemos alguns incidentes no Brasil, nem todos relacionados ao sistema, e, sem entrar em particularidades, identificamos modos de falha tanto no sistema de freio como no de flap do Phenom 100. Montamos, então, times pesados para trabalhar na engenharia, junto aos fornecedores, para consertar esses sistemas. Infelizmente, os ciclos da aviação são longos. Você desenvolve uma solução, faz a certificação, precisa disponibilizar material para fazer o retrofit e o cliente tem de levar o avião a uma oficina, para fazer o serviço. Por isso os prazos entre a identificação dos problemas e a implementação das soluções são longos. E só agora, no final de 2011, início de 2012, conseguimos concluir a implementação das correções em quase toda frota. Temos apenas alguns boletins que ainda estão em fase de implementação.

- Há planos de lançar uma nova versão do Phenom 100, talvez o Phenom 150?
- Os produtos evoluem. O mercado de aviação executiva, particularmente, tem várias semelhanças com o de automóveis. Continuamente olhamos para a competitividade dos nossos produtos. E uma das minhas responsabilidades é olhar a estratégia de produtos, que não é só lançar novos aviões, é avaliar o que pode ser melhorado. Continuamente, implementamos melhorias e avaliamos novas oportunidades. Se um dia isso vai se chamar Phenom 150, não sei. Agora, se você comparar o Phenom 100 que sai hoje da fábrica com o produzido em 2008, perceberá várias melhorias. O avião evoluiu. Temos cerca de 200 Phenom 100 e, pelos menos, 70 Phenom 300 em operação.

#Q#

-O que representou para a Embraer entregar seu primeiro jato executivo fabricado nos Estados Unidos?
- No fim desta década, 47% dos aviões fabricados e entregues no mundo serão de clientes baseados na América do Norte. Hoje, 60% da frota mundial está nos Estados Unidos, que são e continuarão sendo o maior mercado do mundo por muito tempo. Por isso colocar uma linha de montagem lá fortalece o posicionamento da marca, tornando-a mais conhecida, e nos aproxima dos clientes.

- Quais os desafios de se tornar um player internacional, desvinculando-se do Brasil?
- Embora seja bastante reconhecida em outros segmentos, a Embraer ainda é uma marca crescente no mercado de aviação executiva. Nossos concorrentes estão nesse mercado há mais de 30, 40 anos, com uma base de clientes enorme, enquanto nós chegamos há 10 anos e só começamos a entregar grandes quantidades de aviões a partir de 2009. Somos uma empresa brasileira com orgulho, mas conhecemos os desafios relacionados a isso. Em alguns mercados existe certa desconfiança, muita gente ainda tem aquela imagem do Brasil como o país do carnaval, da caipirinha. Nem todos entendem como podemos produzir jatos com tanta tecnologia. Mas isso é natural e aprendemos a conviver com isso. Só esperamos que a Embraer ajude a mudar essa imagem do Brasil, já que é uma questão mais da marca Brasil do que da Embraer.

"O PHENOM 100 QUE SAI HOJE DA FÁBRICA É DIFERENTE DAQUELE PRODUZIDO EM 2008. O AVIÃO EVOLUIU"

- Qual é a participação da Embraer no mercado mundial?
- Em 2006, nosso faturamento representava 3,8% do faturamento da indústria. Em 2007, quando o mercado executivo cresceu, a nossa participação cresceu. Em 2008, também. Naquela época, só entregávamos o Legacy 600. A partir de 2009, começamos a entregar o Phenom 100 em quantidades mais expressivas. Em termos de valor, o Phenom é um jato de baixo custo, de 3 a 4 milhões de dólares, contra 25 a 30 milhões de dólares do Legacy. Quer dizer, entregar grandes quantidades de Phenom 100 não significa faturar parcelas expressivas da indústria. O interessante é ver que até 2008 entregávamos 3,8% dos jatos do mundo e, em 2009, por causa dos Phenoms, nossa participação cresceu para 14% em um mercado que encolheu. Em 2010, o mercado novamente diminuiu, mas nossa participação cresceu, para 19%. Em 2011, entregamos 99 jatos executivos e devemos nos manter nesse patamar.

-Quais são os mercados prioritários para a Embraer?
- Nos Estados Unidos, estamos bem estabelecidos em questão de vendas. Atualmente, as regiões de melhor desempenho são a Ásia, particularmente a China, e a Índia. Na Austrália, o mercado de aviação executiva é bastante forte também. Na América Latina, temos cerca de 100 aviões da Embraer, 90 deles no Brasil. Somos realmente a locomotiva desse setor na América Latina. Esses são mercados que estão crescendo. Nos Estados Unidos, o pior da crise já passou e o mercado já dá sinais de recuperação. Mas o patamar não é o mesmo daquele registrado antes da crise, o mercado ainda está bastante deprimido. Agora, se a economia norte-americana continuar a se recuperar no atual ritmo, a aviação executiva terá oportunidade de voltar a crescer em 2012 e 2013. O mercado dos Estados Unidos comporta o maior número de jatos do mundo, com mais de 11 mil aeronaves (das 18.300 no mundo). O segundo mercado é o México, com 727 jatos, e o terceiro maior é o Brasil, com 664. Como a taxa de crescimento do Brasil é bem maior do que a do México, em poucos anos, nossa frota deve ultrapassar a mexicana.

- Como a crise afetou o mercado?
- A crise trouxe uma desaceleração. Hoje o mercado está nivelado, e pronto para iniciar uma retomada. Mas alguns mercados se recuperam mais rápido do que outros. Há regiões que estão melhores do que outras. E segmentos que estão melhores do que outros. É o caso dos jatos maiores em relação aos jatos menores.

-Vimos na visita à fábrica o Legacy 650 do Jackie Chan. Por que a escolha dele como embaixador da Embraer?
- O foco principal é o mercado chinês, vedete do mundo. A China conhece muito pouco do Brasil, assim como nós conhecemos pouco da China. E minha percepção é que a China olha muito menos para o Brasil do que o inverso. Apesar do sucesso de nossos jatos comerciais, o Brasil e a Embraer são, ainda, muito desconhecidos por lá. E o cliente chinês dá um peso muito grande à marca. Determinados modelos de avião são populares na China porque aquela marca é popular, nem tanto pelo produto, mas pela marca. E o Jackie Chan é extremamente popular na China. Ele tem esse reconhecimento porque cresceu e se desenvolveu, e também por ser ético - ele é sempre o mocinho, nunca trapaceia. Sua escolha faz parte da estratégia da Embraer de se popularizar.

- E quanto às restrições do mercado chinês?
- As coisas estão ficando mais flexíveis na China. Uma grande restrição era a aprovação de plano de voo de aeronaves executivas. O tráfego aéreo lá é controlado pelos órgãos militares e essa aprovação dependia de um processo extremamente burocrático, coisa de uma semana. Isso matava a aviação executiva, porque as pessoas compram aviões exatamente para conseguir viajar com agilidade. Só que isso mudou. Hoje, na China, você consegue aprovar um voo em questão de horas. Mas ainda tem a questão da infraestrutura, são poucos aeroportos preparados para a aviação executiva. Além disso, faltam pilotos para a aviação privada. Eles vão todos para as empresas aéreas. É difícil o operador de aviação executiva conseguir atrair pilotos, por conta dos altos salários. Há ainda a burocracia. Pessoa física pode comprar avião, mas não pode operá-lo. Ela compra o avião e obrigatoriamente tem de contratar uma empresa autorizada, certificada, para operar a aeronave.

- Qual o tamanho do mercado da China?
- Nos próximos dez anos, a América Latina terá 905 entregas de jatos executivos, 550 delas no Brasil. Na China, a previsão de entregas é de 635 jatos. A diferença é que o mercado chinês se concentra mais nos aviões grandes, do porte do Legacy ou maiores, enquanto no Brasil se entrega mais aviões do porte dos Phenom. Por isso, nos próximos 10 anos, cerca de 10% do faturamento geral da aviação executiva, o que representa 21 bilhões de dólares, virá da China. Os Estados Unidos responderão por 109 bilhões de dólares, com mais de 5.000 entregas.

-Como está a situação da planta de Harbin?
- Ela foi originalmente instalada para produzir o 145. Produzimos vários lá, mas o mercado de jatos regionais regrediu tremendamente e a Embraer enxergou uma oportunidade de converter aquela planta, para produção do Legacy 650. O investimento dessa conversão não é tão elevado, mas a fábrica não é só da Embraer. A joint venture é 51% nossa e 49% de nosso sócio chinês, a estatal Avic. Já divulgamos nossos planos de conversão da linha e estamos, neste momento, em negociação com nosso parceiro e com o governo chinês para definir as condições.

-Qual é a infraestrutura para a aviação executiva da Embraer no mundo?
- No Brasil, estamos em Gavião Peixoto (SP) e São José dos Campos (SP). Temos também a planta de Melbourne, que produziu o primeiro Phenom 100 nos Estados Unidos, além da planta da China para o Legacy. Em termos de peças, há duas unidades fabris em Portugal, que vão produzir peças para o Legacy 500, e as nossas unidades aqui no Brasil. Temos oficinas da Embraer no mundo todo, com centros de peças de reposição nos Estados Unidos, França, Dubai, Cingapura e China.

- Há perspectiva de novas plantas?
- Hoje não. Para aviação executiva, o Legacy 500 e o 450 estão sendo montados aqui em São José dos Campos. No caso do Phenom, a ideia é crescer a produção em Melbourne, mas mantendo a produção desses jatos no Brasil.