temos de fazer valer o pib da aviação executiva
Giuliano Agmont E Christian Burgos Fotos: Rodrigo Cozzato Publicado em 24/04/2012, às 13h46 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
O novo presidente da ABAG (Associação Brasileira de Aviação Geral) teve um início de ano conturbado. Além de assumir a direção da entidade mais atuante no mercado brasileiro de aviação executiva, o também CEO da Helibras precisou cuidar dos preparativos da inauguração da nova unidade de produção do único fabricante de helicópteros do país, em Itajubá (MG). No dia desta entrevista, Eduardo Marson tentava encaixar uma data para o anúncio oficial da fábrica - e das vendas dos primeiros EC 225 feitos no Brasil - na agenda da presidente Dilma Rousseff. Paulistano descendente de imigrantes italianos de Friuli, este cientista político de 48 anos assume a ABAG em um momento decisivo para o transporte aéreo do país, marcado pela queda de braço entre as companhias aéreas regulares e os operadores da aviação executiva. Segundo Marson, a disputa por espaço se aproxima de seu limite com o estrangulamento da infraestrutra aeroportuária: "E temos de fazer valer o PIB da aviação executiva nessa disputa. O Brasil precisa entender que aeronaves de pequeno porte, como jatinhos, turbo-hélices e helicópteros, embora voem com um número menor de passageiros, trazem a bordo pessoas capazes de tomar decisões estratégicas para o país, como a instalação de uma fábrica e a construção de grandes empreendimentos, que geram investimentos, receitas e empregos".
AERO MAGAZINE - O que muda na ABAG com sua gestão?
EDUARDO MARSON - A ABAG ganhou massa crítica e importância. É responsável por organizar a segunda maior feira do setor no mundo, e tornou-se uma entidade com peso. Temos as maiores empresas do setor. O PIB que a gente representa é bastante alto. Por isso a primeira diferença será fazer uma gestão um pouco mais colegiada, aproveitando o peso dos participantes de nosso conselho de administração. Vamos privilegiar uma atuação política. Temos algumas prioridades sendo elaboradas que vão balizar o discurso que levaremos a Brasília e aos órgãos reguladores. Vamos usar nossa importância para ter um pouco mais de influência, mais voz ativa. O que não significa descontinuidade. A Labace é fruto de um trabalho que começou lá atrás. Só que o desafio do setor hoje é muito mais complexo. Tínhamos, no passado, um quê de informalidade. Hoje, temos que colocar na cabeça que somos uma entidade que representa uma indústria e a comunidade espera que a gente se expresse e tenha os controles necessários, a estrutura executiva precisa. Talvez essa seja a grande diferença, talvez isso seja um divisor de água para essa administração.
Quais são as prioridades?
Elas passam pela discussão do Código Brasileiro de Aeronáutica, pelas áreas aeroportuárias e a regulamentação em torno disso. Passa pela manutenção das áreas de operação da aviação geral - hoje, os centros mais importantes, como Congonhas.
Qual a expectativa para a Labace 2012?
Teremos mais espaço este ano com a saída de alguns aviões da Vasp, tanto na exposição estática quanto na área de estandes. Já comercializamos 70% da área disponível. Temos uma importante novidade este ano. Suprimimos o sábado, a pedido dos expositores, principalmente os estrangeiros. Eles preferem usar o fim de semana para desmontagem. Levamos em conta que a feira é eminentemente profissional, não é de acesso ao público geral. E, até a sexta-feira, os visitantes conseguem se organizar, mesmo o executivo que se desloca de outro estado. É uma mudança fundamental e creio que não terá grandes impactos no público. Afinal, é uma feira para o business.
Qual é o clima para este ano, o da crise externa ou o da euforia interna?
Existe uma preocupação, principalmente quando fabricantes anunciam medidas como o Chapter 11 (pedido de proteção contra falência) nos Estados Unidos. Mas essa onda ainda não chegou ao Brasil. Como fabricante [ele se refere à Helibras], estamos comercializando um slot de produção para maio de 2013, com um backlog de 1 bilhão e 300 milhões de dólares e faturamento de 250 a 300 milhões. Há fila de espera. Temos 30 a 40 entregas por ano, todo ano. A aviação está intimamente ligada à evolução do PIB (Produto Interno Bruto), do crescimento da economia, assim como a construção civil. É um termômetro da pujança e da expectativa da economia de um país. É um investimento de longo prazo. Outro fator contribuinte para a solidez econômica do Brasil é sua expansão para centros não convencionais.
Quais centros?
O Espírito Santo virou um mercado interessante para a aviação geral. Por conta da indústria ligada ao petróleo. Antes o empresário lá era atendido por uma indústria baseada no Rio de Janeiro ou em São Paulo. Agora, a indústria de petróleo está indo para lá. A diversificação da economia para além dos centros tradicionais está levando a aviação para regiões onde nunca esteve. Vamos entregar o primeiro helicóptero a turbina para o Piauí, teoricamente o estado mais pobre da federação. É a chegada da aviação geral a áreas não tradicionais. E não podemos esquecer que o Centro-Oeste é o segundo maior polo de aviação geral do Brasil. Lá o sujeito nasce em cima do cavalo e vive dentro do avião. O que quero chamar a atenção é que não é apenas uma interiorização, porque o Brasil sempre usou a aviação nessas regiões, são business não tradicionais que estão puxando a aviação para outra lógica.
Como serão os próximos 10 anos com a expansão do setor de óleo e gás?
A aviação geral se beneficia diretamente da geração de riqueza em áreas ligadas a exploração de petróleo. O crescimento da aviação geral em Macaé, por exemplo, não é só por conta das operadoras da Petrobras. É por conta do cara que presta serviço para a Petrobras e compra seu avião ou seu helicóptero. O negócio dele passa a comportar essa operação. Esse é um efeito colateral positivo para a aviação geral, como no exemplo do Espírito Santo. Especificamente na operação, o que significa asa fixa e asa rotativa quando você precisa ir para a Amazônia e asa rotativa para chegar às plataformas oceânicas, teremos um crescimento enorme. A Petrobras, que transporta hoje pouco mais de 800 mil passageiros por ano, passará a transportar 1,5 milhão por ano daqui a cinco anos. E o grande crescimento disso se dará a distâncias longas, que exigem aparelhos maiores. Atualmente, grande parte da frota da Petrobras é de porte médio. Então, o crescimento estará nos helicópteros de grande porte. E é justamente o nicho que a Helibras está entrando no Brasil com a fabricação do modelo EC 225.
A demanda no Brasil sustentará a produção do EC 725 e do EC 225?
Sim, o contrato do 725 é para 50 aeronaves para a FAB, mas o potencial de mercado é de 150 aeronaves para o Brasil e região. O Brasil, em termos de aviação geral, é o segundo maior mercado do mundo. Em termos de mercado de helicóptero, especificamente, corresponde a 50% da América Latina inteira. Então, metade da frota latino- americana está no Brasil, o que significa cerca de 1.600 aeronaves em operação. O crescimento específico no setor de helicóptero tem sido entre 10 e 12% ao ano, enquanto na aviação geral é de 6 a 8%.
E quanto aos centros tradicionais?
O Brasil é um dos países que mais cria milionários por mês e muita gente se deu conta de que a aeronave é um instrumento de rentabilizar o seu tempo. Hoje, você faz de helicóptero São Paulo-Rio em 1h30 ou 1h40, dependendo do helicóptero, e sem passar pelo aeroporto. Pega o helicóptero no prédio do seu escritório e desce no endereço onde vai ser a reunião. A economia em expansão significa que o sujeito tem negócios em muitos lugares, e precisa se deslocar com velocidade.
Como será a infraestrutura para aviação executiva na abertura da Copa do Mundo, em São Paulo?
Esse é um ponto de preocupação permanente para nós. A ABAG defende que a aviação executiva permaneça onde está. Por exemplo, Congonhas e principalmente o Campo de Marte. Essa é uma bandeira nossa. Temos de defender os investimentos que as empresas têm feito até agora. E não é pouco. Todas as empresas estão preocupadas com isso. Em segundo lugar, estamos acompanhando com muito entusiasmo as iniciativas de colocar aeroportos dedicados à aviação executiva. A gente conhece algumas delas, como a da JHSF (em Araçariguama, que deve começar a ser construído assim que receber o aval da Anac, possivelmente em 2013). São medidas interessantes, que vão aumentar nossa capacidade de receber principalmente a aviação de longo curso, com voos intercontinentais. Hoje é um grande problema para essa aviação achar lugar para pousar. Em relação à abertura da Copa, o risco que a gente corre é o de uma solução simplista. Sem infraestrutura, a autoridade restringe o espaço aéreo. Corremos, sim, esse risco.
Usar as bases militares resolve?
No Rio de Janeiro, talvez. Mas, com base em experiências internacionais, a ABAG já apresentou à Secretaria de Aviação Civil, durante reunião com demais autoridades aeronáuticas, uma proposta de criar setorizações diferentes nos aeroportos, usando portais de chegada para cada tipo de aviação. A solução está para ser adotada, pois as pessoas estão preocupadas. Como é que fica o acesso?
"O BRASIL É UM DOS PAÍSES QUE MAIS CRIA MILIONÁRIOS POR MÊS E MUITA GENTE SE DEU CONTA DE QUE A AERONAVE É UM INSTRUMENTO DE RENTABILIZAR SEU TEMPO"
Então existe uma solução?
O grande problema, hoje, é o tempo. Acho que a solução vai sair da combinação de várias iniciativas de bom senso. Quando a gente fala da questão de portais para simplificar o controle de chegada da aviação executiva, por exemplo, é parte de uma solução, pois não adianta nada chegar se não houver pátio. Por isso, acho que teremos de usar bases militares e também as iniciativas de aeroportos privados. Mas o intermodal é a solução. O passageiro executivo tem de ter à disposição áreas interligadas com avião, helicóptero, trem e o que mais for possível. Temos de investir em intermodalidade, é o caminho.
Qual o cenário mais provável?
Não dá para adivinhar, mas temos a experiência dos outros. Na África do Sul, que tem um aeroporto executivo, houve muitos problemas, com jatos estacionados na grama ao lado da pista. Mas quanto mais se aproximam os eventos, mais difícil se torna a solução. Há quanto tempo se fala do CNS/ATM? Esse é o sistema que certamente daria uma maior produtividade na questão do espaço aéreo. Mas não se vê uma resolução. Agora, temos a privatização dos aeroportos. A mudança vai se traduzir em investimento em pátios, em infraestrutura? Talvez sim, talvez não. Não dá para saber. E isso preocupa.
Por quê?
Nos moldes econômicos que assumiram os aeroportos, os consórcios vão ter de fazer caixa bastante rápido, e a aviação geral não é um grande gerador de caixa. A tendência é de piorar o espaço para a aviação geral nesses aeroportos, porque eles vão privilegiar a aviação regular, que oferece maior retorno financeiro. Agora, o que as autoridades não podem esquecer é que, independente do momento econômico, a operação da aviação geral sempre esteve aí viabilizando os aeroportos. Considere os hangares ao longo da pista de Congonhas, ou no Rio de Janeiro e em qualquer lugar. A aviação geral sempre esteve presente dando massa crítica nos bons e maus tempos. Essa conquista tem que ser mantida, mesmo porque o usuário da aviação geral quer ir para um aeroporto central, também.
"A PRECIFICAÇÃO AEROPORTUÁ É UMA GRANDE PREOCUPAÇÃO. NO CAMPO DE MARTE, POR EXEMPLO, UM HANGAR QUE CUSTAVA 17 MIL REAIS POR MÊS PASSOU PARA 140 MIL. É UM AUMENTO DRAMÁTICO"
Por que acolher a aviação geral nos aeroportos centrais?
Porque o cara da aviação geral movimenta o PIB. Junto com ele traz empresas, investimentos, empregos, arrecadação. Já ouvi no passado que é melhor dar o slot para um avião de 150 lugares do que para um de seis, só que aquele de seis vai assinar o contrato com uma fábrica de 1.200 empregos ou está vindo aqui tomar a decisão de um investimento que vai mudar a cara de uma cidade, que vai transformar uma região ou desenvolver uma nova indústria. Parece-me um bom argumento. Nossa esperança é colocar na cabeça do gestor público que a aviação geral é um componente que tem que ser levado em consideração no planejamento. A aviação geral liga 3.500 aeroportos no Brasil.
O diálogo com o governo melhorou com a criação da SAC?
Sim, isso é muito positivo. O ministro [Wagner Bittencourt] recebeu a aviação geral com bastante peso e formalidade numa reunião com a presença do presidente da Infraero e demais autoridades. E nos ouviu. É a primeira vez que isso acontece. Ele também esteve na Labace do ano passado e sentiu a força do segmento. Também fomos chamados a contribuir no plano da Anac de formação de mão de obra.
E qual é a impressão da ABAG sobre a questão da mão de obra?
É crítica em vários setores, não vou particularizar para piloto. O pessoal sempre fala que um dos gargalos é piloto de helicóptero. Mas você pega a estatística da Associação dos Pilotos de Helicóptero e vê um crescimento monumental de emissão de brevê de helicóptero. O problema é que o gargalo não está aí. O gargalo é na Petrobras, que exige formação IFR, 1.500 horas de experiência e coisas desse tipo. O gargalo existe em todos, mecânicos, engenheiros e por aí vai. O ITA está dobrando o número de vagas para engenharia. A Helibras, uma indústria pequena se comparada à Embraer, saltou de 10 para quase 70 engenheiros no Centro de Engenharia, em dois anos e meio. E a Anac, em vez de baixar resoluções, tem chamado o setor para discutir. Acho isso extremamente positivo e elogiável.
O senhor associa isso à criação da SAC?
Associo isso a uma nova maneira de gerenciar. Acho que a gestão depende das pessoas. Nesse aspecto, tenho que elogiar o ministro pela abertura dele. Pelo menos em relação à ABAG não podemos nos queixar do prestígio que ele nos dá.
Os custos de operação preocupam a aviação geral?
Hoje uma preocupação grande é a precificação aeroportuária. No Campo de Marte, por exemplo, um hangar que custava 17 mil reais por mês passou para 140 mil. É um aumento dramático. No Rio isso está começando a acontecer. Claro que existe a lei da oferta e da procura e os hangares são concessões públicas, mas isso é um fator de preocupação. A aviação geral não pode pagar o preço do metro quadrado que paga a Casa do Pão de Queijo. São retornos e investimentos de natureza totalmente diferente. Imagine se empresas tradicionais tiverem de sair de hangares onde estão por décadas, é impensável. E no caso das oficinas de manutenção, como fica? Isso também precisa entrar em discussão.