Drama americano

Há mais de três décadas, o maior mercado de transporte aéreo do mundo sofre com problemas que vão da pressão de sindicatos de pilotos à desregulamentação

Colaborou João Tilki Publicado em 23/01/2012, às 09h16 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

Embora possua o maior mercado mundial de aviação, em todos os segmentos, os Estados Unidos enfrentam dificuldades com o transporte aéreo regular de passageiros há décadas. Não pela falta de infraestrutura ou elevadas tarifas. Ironicamente, os problemas são ligados diretamente às empresas aéreas. Além de possuírem modelos de gestão ultrapassados, frotas antigas e excesso de concorrência, enfrentam entraves associados aos sindicatos dos pilotos, que são considerados extremamente conservadores e fechados, e também à desregulamentação sofrida pelo setor em 1978.

Atualmente os sindicatos americanos criam uma série de barreiras que impedem a implementação de modelos de gestão mais modernos e dinâmicos. Qualquer negociação que envolva reestruturações, mudanças salariais, regulamentação, demissões e até mesmo contratações obrigatoriamente passa pela aprovação dos sindicatos. A maior parte das negociações, porém, não flui e as empresas ficam impedidas de adotarem medidas que as coloquem em situação mais competitiva.

Além dos sindicatos, as empresas americanas sofreram fortemente com a desregulamentação de seu mercado, iniciada na segunda metade da década de 1970. O então presidente Jimmy Carter havia transformado a desregulamentação em uma das plataformas de seu governo, afirmando que o novo modelo daria às empresas aéreas autonomia para estipular suas rotas e horários de voos segundo suas conveniências – até então, elas precisavam pedir autorização ao governo para definir sua malha. O projeto dividiu não apenas a opinião pública, mas também os empresários da aviação. A United Airlines, por exemplo, ciente do seu potencial de expansão, aliou-se aos reformistas. Do outro lado, a Pan Am, até então a maior empresa americana, adquiriu a National com intuito de competir no mercado doméstico, pois era cética em relação a uma desregulamentação total do mercado. Essa divergência, que dominou o cenário na época, era o presságio do que viria. Após uma série de debates, finalmente, em 1978, o presidente Carter assinou a Airline Deregulation Act.

GRANDES ATRASOS
O primeiro impacto da desregulamentação foi o desenvolvimento do sistema Hub-and-Spoke, que tinha como objetivo tirar o melhor proveito da frota e ajustar a oferta à demanda. Porém, o uso de aeroportos principais (Hub) e secundários (Spoke) exigia um completo (e complexo) gerenciamento do tráfego aéreo, pois havia uma concentração de voos chegando num determinado horário que fariam conexões com demais voos da própria empresa. O problema é que tanto as empresas aéreas como os centros de controle de tráfego aéreo não foram capazes de prover uma operação eficiente. Paralelamente, também motivado pela desregulamentação, houve um enorme aumento na demanda e na oferta de voos. Resultado: o acréscimo na demanda, associado a um sistema ineficiente, levou ao início dos grandes atrasos. O auge desse problema aconteceu em 1997, quando os 33 maiores aeroportos dos EUA ultrapassaram a marca das 20.000 horas de atraso.

O balanço geral da primeira década de desregulamentação (1978-88) resume-se à grande instabilidade, com geração de conflitos trabalhistas, greves e endividamentos progressivos. Esse quadro desencadeou um número recorde de falências, fusões e aquisições. O caos foi tão intenso que os benefícios da desregulamentação passaram a ser questionados até pelos seus principais defensores. Segundo Alfred Kahn, considerado o pai da desregulamentação, vários fatores contribuíram para o caos, especialmente a gestão do presidente Ronald Reagan, que levou a desregulamentação ao extremo, permitindo a empresários e investidores fazerem o que bem quisessem. A ânsia por lucros em curto prazo aliada às especulações de Wall Street resultou em fusões e aquisições que afetaram seriamente a aviação comercial. Kahn afirmou na época que o governo Reagan aprovava todas as fusões sem nenhuma objeção, bastava fazer pedido junto ao DoT (Department of Transportation). Na prática, algumas empresas aéreas faliram enquanto outras contraíram dívidas que duram até hoje e ainda são empecilho ao crescimento.

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Outro problema sério na gestão Reagan foi a confrontação com os sindicatos. O mais conhecido foi a greve generalizada dos controladores de tráfego aéreo, que exigiam salários maiores e melhores condições de trabalho. O governo respondeu à paralisação com ameaça de demissão, caso os trabalhadores não voltassem aos seus postos em três dias. Praticamente 100% dos controladores perderam o emprego, aumentando ainda mais a instabilidade e gerando uma catástrofe no setor. Passageiros perderam voos, empresas aéreas foram obrigadas a reduzir as frotas e os custos dispararam. Muitas empresas se tornaram inviáveis e decretaram falência, deixando dívidas, prejudicando passageiros e tornando ainda mais arriscado o negócio do transporte aéreo.

Principal desafio das companhias aéreas americanas é a renovação de frota

PETRÓLEO EM ALTA
Em 1991, com a Guerra do Golfo e a escalada do preço do petróleo, as empresas que estavam mais sensíveis à crise não resistiram e pediram falência, entre elas a outrora gigante Pan Am. Após uma série de interferências do governo americano – que, ironicamente, passou a gerenciar a aviação comercial na primeira metade da década de 1990 –, o mercado tornou-se menos tóxico e assistiu à centralização das operações nas mãos de grandes empresas aéreas. Inicialmente, pequenas empresas passaram a ser absorvidas pelas grandes companhias e, na segunda metade da década, houve uma corrida atrás de grandes alianças. A primeira delas foi a Star Alliance, que reuniu a United Airlines e a Lufthansa com três outras empresas aéreas, na busca por melhor malha, facilidade de conexões e redução de custos.

Para algumas empresas aéreas, porém, nem mesmo a aliança seria suficiente para evitar o colapso. A TWA, que havia pedido concordata em 1995, viu no ano seguinte a situação tornar-se insustentável depois da explosão de um de seus antiquados 747-100 próxima a Nova York. Em 2001, a empresa foi adquirida pela AMR Corp, empresa controladora da American Airlines, dando início a uma nova era na aviação americana, a das grandes fusões. Desde o início da década de 2000, as empresas aéreas americanas passaram a buscar formas de reduzir seus custos cada vez maiores. A primeira solução foi a adoção de novas tecnologias, como venda de passagens pela internet e o uso maciço da informática em todos os processos.

A maior e mais importante medida, no entanto, vem sendo tomada de maneira lenta, até hoje. Trata-se da renovação da frota. Com custos cada vez mais elevados, as empresas americanas passaram a drenar recursos que deveriam ser direcionados para a renovação da frota. Mas parte do dinheiro, muitas vezes, era destinada à compra de combustível, criando assim um paradoxo. Ou seja, as empresas não possuíam dinheiro para comprar novos aviões mais econômicos porque gastavam muito na manutenção e na operação de aeronaves ultrapassadas.

11 DE SETEMBRO
Os problemas gerados pelos atentados de 11 de setembro de 2001 e as constantes elevações no preço do barril de petróleo tornaram ainda mais delicada a situação das empresas americanas, que passaram a unir forças para se tornarem minimamente competitivas. A primeira grande fusão depois da compra da TWA pela American foi a da Delta Air Lines com a Northwest Airlines, concluída em janeiro de 2010. A nova empresa passou a ser controlada pela Delta e se tornou a maior do mundo no número de passageiros transportados. Em seguida, a United Airlines, que já havia tentado uma fusão com a US Air, consolidou-se com a Continental Airlines. A nova empresa passou a Delta no número de passageiros transportados e está em processo final de consolidação. A American Airlines, mesmo após a fusão com a TWA, não resistiu às últimas crises e pediu concordata no final de 2011. A previsão agora é que a empresa seja reestruturada no prazo de dois a três anos. Existe ainda a possibilidade de a American se fundir com a IBA, a empresa resultante da fusão entre a Ibéria e a British Airways, que, caso se concretize, formará a primeira empresa aérea multinacional dos Estados Unidos.

Nem mesmo as grandes fusões livraram as empresas aéreas americanas dos problemas. Atualmente, a criação de companhias multinacionais tem se mostrado uma solução para inúmeras empresas aéreas ao redor do mundo, e parece que será a melhor solução para as combalidas empresas americanas. Apenas o futuro dirá qual será o destino da aviação nos EUA; seja como for, ela jamais será a mesma. Além de lidar com sindicatos, custos elevados, frotas ultrapassadas e filosofias distintas geradas pelas fusões, elas terão de lutar contra as empresas low-cost, que são as únicas a registrar lucros, e se tornaram a maior ameaça às companhias hegemônicas.