| Giuliano Agmont E Christian Burgos Publicado em 18/04/2013, às 13h12 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
O empresário e piloto Alexandre Eckmann taxia para um voo estratégico. Aos 38 anos de idade, o presidente do táxi-aéreo Colt Aviation, ao lado de seu sócio, Alex Meyerfreund, da família fundadora da Chocolates Garoto, diversifica seu negócio com o início das operações de uma linha aérea própria, especializada no transporte de carga. A Colt Transporte Aéreo começará a voar em agosto próximo com jatos Boeing 737-400F capazes de transportar quase 22 toneladas de carga paga. A história de Eckmann é curiosa. Ele largou a faculdade de Administração de Empresas para ser aviador. Morou nos Estados Unidos, voou na Varig e na Transbrasil e até pilotou o Legacy da então Vale do Rio Doce. Estabelecida a carreira de piloto, porém, tornou-se empresário e desbrava o mercado de carga aérea com pelo menos 10 anos de experiência em táxi-aéreo e manutenção. Otimismo não lhe falta, já que prevê investimentos de até R$ 75 milhões, incluindo a criação de uma marca própria de logística, e pretende expor seu novo avião na Labace 2013.
- AERO Magazine - Por que carga aérea?
- Alexandre Eckmann - Há um ano e meio, recebi de um amigo o convite para ser sócio da AirBrasil, uma empresa de carga aérea que operava um Boeing 727. Avaliei a oferta durante algum tempo, mas o negócio se deteriorou até a empresa perder o CHETA (Certificado de Homologação de Empresa Aérea). Na época, apesar da situação da AirBrasil, pensei: 'Esse negócio de carga aérea é bom'. Depois, tentei entrar de sócio numa outra empresa, mas também não deu certo. Ainda tive a oportunidade de me tornar acionista da RIO, estava tudo praticamente certo, mas as coisas acabaram não acontecendo. Então, pensei: "Vou montar a minha empresa, a Colt Transporte Aéreo".
- O que o atraiu nesse nicho de mercado?
- A frota brasileira de aviões cargueiros era três vezes maior há dez anos. Naquela época, existiam umas 15 companhias puramente cargueiras, hoje são apenas quatro. O cálculo é simples. A demanda triplicou enquanto a oferta de espaço caiu, ou seja, a oportunidade existe. Hoje, as empresas levam carga no porão de aeronaves de passageiros ou via transporte rodoviário porque não têm opção do avião puramente cargueiro. Existe uma lacuna no mercado, principalmente por problemas de gestão. Em geral, quem montou empresas de carga aérea foi gente com dinheiro, muitas vezes do transporte rodoviário, que botou lá o famoso 727, ou o DC-10, achando que ia ganhar mais dinheiro, e acabou fechando por falta de gerenciamento.
- O que o faz acreditar que será diferente com a Colt?
- A gente já tem a estrutura do taxi-aéreo montada. Na parte de regulamentação da Anac, que é crítica, muda pouca coisa. Temos basicamente que contratar mais gente para suportar a operação de transporte de carga, sobretudo pilotos e mecânicos. Nossos softwares, tanto de operação como de manutenção, nos permitem operar até 747, se fosse o caso.
- Como foi o processo de criação da empresa?
- Demos entrada em setembro do ano passado nos papéis para montar a linha aérea, mas já estávamos procurando um Boeing desde o início de 2012. Com a facilidade que temos para comprar e vender aeronaves, apareceram boas opções. Também conseguimos um financiamento vantajoso e as aeronaves estão chegando agora. São três Boeing 737-400 convertidos em cargueiro. Um chega até o fim de abril, o segundo vem em junho e recebemos o terceiro no fim do ano. Esperamos ainda adquirir outros dois, totalizando cinco aeronaves.
- De que empresas vieram os aviões?
- A gente comprou da Air Maroc. Eram aviões de passageiros que convertemos em cargueiros. São aviões com poucos ciclos. Os grandes jatos, normalmente, podem ter 100 mil ciclos. E esse primeiro avião, por exemplo, tem apenas 26 mil ciclos.
- Fale sobre as modificações.
- A principal transformação do avião é o chão, que é todo reforçado. Muita gente pensa que é a porta. Mas a porta vem pronta. Você corta um pedaço da fuselagem, maior do que a área da porta e, depois, faz a instalação, colocando a dobradiça principal. Agora, é um trabalho artesanal mesmo, tem que ser um fechamento perfeito e ficar tudo direitinho. A empresa que fez essa instalação é a maior do mundo, com mais de 300 conversões, incluindo 767, 757, 737.
- Por que a opção pelo 737-400? É um avião que você pilotou...
- Há muito tempo (risos). Existem uns 25 aviões 737-400 convertidos em cargueiros no mundo. De 737-300 existem mais, pelo menos 120 convertidos. O -400F é uma revolução em relação ao 727, que consome muito combustível, é caro, não tem piloto automático e por aí vai. Além disso, a Boeing matou o 727 ao emitir no ano passado um boletim de serviço que torna mais onerosa sua operação por conta do plano de manutenção e das inspeções de fadiga. No Brasil, só uma empresa tem o -300 cargueiro. Lá fora, muita gente está começando a trabalhar com o -400. O único problema é achar um avião que o operador queira vender, que esteja com um preço bom e em boas condições de preservação e que ofereça vida útil ainda longa.
- Quem serão seus clientes e o que transportam?
- Nossos clientes serão basicamente os agenciadores de carga. É ele quem chega ao cliente final, que fabrica o produto. É ele quem cuida da logística. Entre os principais produtos que usam transporte aéreo hoje estão eletrônicos, farmacêuticos e perecíveis, como fruta e peixe.
"Já contratamos dez pilotos. Também incorporamos novos mecânicos. A cada dois meses, vamos contratar mais genteo"
- Como pretende concorrer com o transporte rodoviário?
- O segredo da carga aérea é a regularidade. Se você entrega a carga todo dia naquele lugar, no mesmo horário, tudo certinho, por muitos meses, você consegue subir preços. Com essa regularidade, o cliente paga mais para seu produto ser entregue mais rápido. Além disso, as recentes exigências de trabalho para os motoristas e problemas de segurança tendem a elevar os preços do transporte rodoviário.
- Por que não há regularidade hoje?
- Porque o avião quebra e a empresa não arruma avião, que só volta a voar depois de dias. Falta logística e não há gestão na operação do avião, entende? Nossa estratégia é prover essa regularidade. Você cria uma rota, por exemplo, para Manaus e tem que ter todo dia avião decolando nove horas para Manaus, ou Fortaleza e assim por diante.
- Quais serão as rotas?
- A gente vai fazer Nordeste. Ainda não queremos divulgar a malha, que já está fechada. Posso adiantar que faremos capitais como Salvador, Recife e Fortaleza. Temos também no roteiro genteo Sul do país, e demais capitais, como Brasília, Goiânia, Belém, Porto Velho e Manaus.
- Quanto de carga poderá ser transportado e como será a operação?
- Cada avião transporta até 21,8 toneladas. Vamos decolar de Guarulhos e do Galeão todo dia com uma expectativa de manter uma média de voo de até 8 horas por dia.
- Como estão as contratações?
- Com as demissões do mercado, há muito aviador de Boeing com carteira na mão. Já contratamos os pilotos. A maioria desses aviadores de Boeing 737 voa há anos. Eles vieram de Varig, Transbrasil, gente muito boa. Começamos com 10 novos pilotos, nessa primeira etapa. E, a cada dois meses, a gente vai contratando mais gente. Também contratamos mais mecânicos. Começamos a operar provavelmente em agosto.
- Como será feita a manutenção?
- A gente vai homologar nossa oficina de manutenção do Boeing até o check D. Vamos fazer tudo aqui. O know-how da nossa turma de manutenção se fez, em média, em 30 anos de 737. Não é Boeing ou Boeing-Airbus, é Boeing 737. São 30 anos mexendo com o mesmo avião, os caras conhecem tudo. Quando uma pecinha começa a dar problema, eles já sabem que tem de trocar para o avião não parar. E isso, em Manaus, representa prejuízo na carga, estresse, correria...
- Uma das companhias que estavam na sua mira antes de decidir montar uma linha aérea própria tinha contratos com os Correios. Esses contratos fazem parte da estratégia da Colt para garantir a sustentabilidade do negócio?
- Não, no nosso plano, se conseguirmos esses contratos, será lucro. Não estamos preocupados com isso. Trabalhamos com a perspectiva de operarmos sem o contrato com os Correios. Se vier uma licitação, será ótimo. Mas esse não é o objetivo principal.
- Quais são seus planos em relação ao serviço de logística?
- Num primeiro momento, vamos trabalhar com empresas terceirizadas de logística, mas temos um projeto para incorporarmos a operação porta a porta até o fim do ano. Será uma nova marca de logística, com atuação em todo o Brasil. Já temos definido todo o pessoal, gente especializada, de logística: o presidente da empresa, os investidores, só gente da área. Mas com foco no modal aéreo.
- Há planos de migrar da carga para a aviação regional?
- A linha aérea de carga já é uma linha aérea. Para adicionar passageiros, basta dar entrada em um processo na Anac, com os manuais do avião de passageiro que pretende operar, fazer a vistoria e começar a operar. Trabalhamos com essa possibilidade. Nesse caso usaríamos modelos turbo-hélice, ATR.
- Essa decisão também já foi tomada ou ainda está em estudo?
- A decisão não está 100% tomada, mas as sondagens já estão bastante adiantadas.
- O que falta para a decisão sair?
- Definições em relação aos aeroportos. O governo tem falado muito, mas as coisas ainda não saíram. E não se trata apenas de subsídios. Tem aeroporto que queremos operar que não tem a estrutura necessária para receber uma linha aérea. No Piauí, por exemplo, há um aeroporto para onde pretendemos voar, só que falta infraestrutura. Só vamos entrar nesse negócio quando tivermos as condições adequadas e se tivermos benefícios e apoio do governo. Porque tem também questões como o combustível para chegar ao aeroporto, os instrumentos para operar e coisas do gênero. De qualquer forma, estamos trabalhando e temos condições para operar.
"A aviação executiva precisa de pátios nos aeroportos. Por falta deles, muitas vezes você deixa o passageiro na pista e tem que levar o avião para outro lugar"
- O ciclo de falências de linhas aéreas no Brasil e a atual situação de empresas como a Gol preocupam?
- A aviação pode ser rentável. As estatísticas mostram isso. O setor aéreo tem resultados melhores do que os de muitos outros segmentos. É preciso gerenciar os custos. Vejo o caso da South West. Saiu um balanço dela que mostra que a empresa apresenta lucro há 40 anos, todos os anos. São 500 milhões de dólares em um ano, 1 bilhão em outro. Ela opera quase 600 aviões iguais, o 737, o que lhe permite se beneficiar da frota única. Tem também um modelo de preços simplificado, com diferenças se o passageiro pretende pegar o avião sem bagagem, se vai despachar uma mala, se quer que o assento ao seu lado esteja vazio, se optar pelas primeiras fileiras... O segredo é inovar e gerir custos.
- Mudando de assunto, a pressão das empresas aéreas para tirar a aviação executiva de Congonhas continua? Como estão as coisas agora que a Azul busca slots aqui?
- Essa história de Congonhas já dura 10 anos. É sempre a mesma coisa. Nunca vão tirar a aviação executiva daqui. Quem opera nesse aeroporto manda no país, e ponto. Chance zero de a aviação executiva sair de Congonhas.
- E quanto aos slots?
- O problema hoje nem é tanto a aviação executiva, que basicamente opera na pista auxiliar. Desde o acidente da TAM, as linhas aéreas deixaram de operar na auxiliar. E outra, os slots que a aviação executiva usa são os de oportunidade, o próprio aeroporto facilita porque tem disponibilidade. Na prática, a questão dos slots nem é tão ruim para a aviação executiva. Às vezes, dá um problema ou outro, mas, em geral, você decola. Na Europa, se você não sai de alguns aeroportos na hora programada, uma da tarde por exemplo, precisa esperar até a noite para decolar. Aqui, se você não decolar a uma da tarde, o cara arruma outra janela para você sair dali uma hora depois, a não ser que o operador precise decolar da pista principal, porque o avião vai pesado até Manaus, por exemplo. Nesse caso pode haver problemas.
- A infraestrutura para a aviação executiva no Brasil é satisfatória?
- Não, por causa principalmente de falta de pátio. Não existe pátio em aeroporto nenhum. Precisamos de mais pátios, e os aeroportos tem terreno, Congonhas é o único que não tem terreno. Os demais têm. O problema da falta de pátio é que, muitas vezes, você deixa o passageiro e tem que levar o avião para outro lugar. Isso é ridículo.
- Quem voa táxi-aéreo hoje no Brasil?
- O perfil dos nossos clientes é quase 100% corporativo, negócios. Muita empresa grande, sobretudo presidentes, diretores, presidentes do conselho, donos de empresas. Eles viajam o Brasil inteiro. Capitais e cidades do interior, porque a vantagem da aviação executiva é que existem 2.500 aeroportos e as linhas aéreas só operam em 120, 125. Num avião executivo, o usuário consegue visitar três cidades em um só dia, ao passo que na linha aérea ele vai demorar três dias. Já atendemos construtoras, por exemplo, que queriam ver terrenos para construir prédios. Saíamos de São Paulo e visitávamos seis a sete estados em três ou quatro dias. A aviação executiva aumenta a produtividade ao ganhar tempo. Tem outros benefícios também como privacidade e segurança. Outro dia fiz uma reunião importante em um avião de carreira, voltando dos Estados Unidos, e só depois soube que o piloto de uma concorrente estava sentado do meu lado ouvido tudo, quietinho. Fiquei chocado. Num avião privativo isso jamais aconteceria.