Desempenho harmonioso

Com paraquedas balístico e piloto automático, novo LSA Evektor Harmony mostra-se estável e manobrável mesmo em térmicas mais turbulentas

Por Thiago Sabino, de Rio Claro / Fotos Nova Aeronáutica Publicado em 23/01/2015, às 00h00

Voando a incríveis 26 nós de velocidade, o equivalente a 48 km/h, com mais de 10 graus de pitch, o pequeno avião preserva sua atitude sem acusar qualquer prenúncio de anormalidade. O manche, já tendo percorrido quase todo seu curso, ainda não deu batente traseiro. Mantemos a proa com pouquíssimo uso de leme, e os vortex-generators mostram a que vieram. Com 22 nós, “colamos” o manche, e o nariz cai honestamente, sem nenhuma tendência de queda de asa. Cruzamos o céu de Rio Claro, a “cidade azul”, um dos berços da aviação paulista. O mestre Alberto Bertelli voou durante muito tempo pelos ares deste simpático município do interior de São Paulo a bordo de seu Bucker PP-TEZ, e o aeroclube da cidade ainda conserva a boa atmosfera aeronáutica. Estamos a bordo do novo Harmony, da Evektor Aerotechnik, fabricante de aeronaves da República Tcheca.

Temos céu azul, fazendo jus ao apelido da cidade. O piloto Jonas Lopez, gerente da Nova Aeronáutica, representante oficial da Evektor no Brasil, além de oficina homologada de modelos Cessna, Piper e Beechcraft, antes do ensaio em voo, municiou-me com planilhas e informações relativas tanto à Evektor quanto ao Harmony. Sediado no aeroporto de Kunovice, na República Tcheca, o fabricante europeu tem uma gama de produtos que vai do SportStar (versão anterior ao Harmony) até o EV-55 Outback, um bimotor turbo-hélice de linhas um tanto atraentes, e custo operacional bastante competitivo, que deve estar em breve voando por céus brasileiros. A Evektor ainda fornece peças e componentes para fabricantes como Airbus e Boeing.

O Harmony, derivado do SportStar, nasceu do projeto EV97, aeronave leve esportiva com construção básica em alumínio. Trata-se de um monoplano de asa baixa e trem fixo. O avião apresenta algumas diferenças em relação ao seu antecessor, com destaque para a fuselagem alongada em 10 cm e a envergadura com 63 cm adicionais. A largura interna permaneceu a mesma, com ótima medida de 1,1 m. No nariz, o grupo motopropulsor conta com um motor Rotax912ULS, de 100 hp, e uma hélice Woodcomp tripá ajustável no solo. Os dados de performance revelam uma aeronave versátil. Com potência máxima contínua (5.500 rpm), podemos voar 930 km a 108 kt por 4h40. Do outro lado do gráfico, na configuração long range (4.300 rpm), o avião percorre uma distância de 1.380 km a 73 kt com autonomia, sim, de 9h40! Uma conta rápida sugere um consumo semelhante ao de um automóvel: 140 km/h por 1.400 km são 10 km/l, mas com conforto de se deslocar em linha reta em velocidade praticamente constante, not bad!


Na configuração long range (4.300 rpm), o Harmony percorre 1.380 km a 73 kt com autonomia de 9h40

Instrução no exterior

Na Europa e nos Estados Unidos, EASA e FAA, respectivamente, certificaram o Harmony como aeronave homologada para instrução. Nesses mercados os operadores usam o novo monomotor da Evektor até para treinamento IFR, o que pressupõe segurança – e economia – em voo. No Brasil, o Harmony é classificado na categoria LSA, ou Light Sport Aircraft – na designação brasileira ALE (Aeronave Leve Esportiva). Em linhas gerais, a nova regulamentação para este ultraleve avançado reduz, e muito, seu custo operacional. A Anac, aliás, vem desenvolvendo um trabalho consistente e ágil por intermédio de sua gerência baseada em São José dos Campos no sentido de consolidar as novas regras para a aviação geral.

Observando fotos e boletins de construção, nota-se que o Harmony é uma aeronave superdimensionada em vários aspectos, como se constata nos testes tanto de resistência estrutural estática (aqueles em que são aplicadas cargas de força num exemplar em solo, simulando esforços encontrados em voo) quanto dinâmicos (ele é certificado para 4 g positivos e 2 g negativos). A tradicional escola tcheca realmente aprimora-se a cada dia no uso do alumínio em sua aplicação aeronáutica.

Estamos a bordo do PU-HAR, número de série 1620, ano 2014. Desde o primeiro contato, as belas linhas do avião – e por que não dizer, com o perdão do trocadilho, harmoniosas – chamaram-me a atenção, um convite ao voo. O interior da cabine se assemelha ao de um carro esporte. Os assentos dispõem de encostos de cabeça e o painel conta com dois displays primários da Dynon Avionics e um central da Garmin. Os comandos estão dispostos de maneira ergonômica, com fácil acesso. Dois itens diferenciam o Harmony em sua categoria, o paraquedas balístico e o piloto automático.

Antes do voo, analisando o avião durante uma inspeção externa no sentido horário, depois de verificar flaps estendidos, carenagens de trem (mais aerodinâmicas) nível do óleo, integridade das pás de hélice, reparo nos 10 cm de diferença em relação ao seu irmão SportStart, que está a seu lado. O alongamento aparece numa seção a mais, à frente do canopi, permitindo justamente o acesso à retaguarda do painel de instrumentos, uma boa ideia da Evektor. Todos os rebites são encobertos, selados, de forma a diminuir o arrasto. As asas possuem dois diferenciais. Elas incorporam nas pontas um pronunciado ângulo de enflechamento e, de modo complementar, vários vortex-generators, que ajudam em situações de alto ângulo de ataque e baixa velocidade, como o que perfazemos neste momento. A bolha do canopi tem abertura à frente e, juntamente com uma peça em fibra, forma o conjunto que se une ao leme direcional.


Vortex-generators ajudam em situações de ângulo de ataque alto e velocidade baixa

Nariz alto

Neste primeiro voo, meu companheiro (e instrutor) é o comandante Lídio Bertolini, aviador como poucos, também colaborador de AERO. Uma honra dividir o cockpit com um cara que sempre vi em shows aéreos. Desde o embarque, coordenamos cada ação. Com os cintos de quatro pontos passados, aviônicos ligados, seletora no tanque com mais combustível, chave de magnetos similar a de um Cessna, afogador puxado – só se usa na primeira partida do dia – e contato, o Rotax acorda fácil, na lenta, com o vento da Woodcomp amenizando o calorão da tarde rioclarense. O fechamento do canopi se dá na parte traseira, atrás dos assentos, enquanto o display do Dynon confirma o travamento da bolha com sinal luminoso.

Durante o táxi no gramado, o Harmony cumpre pequenos raios de curva no solo. Com boa prática, é possível fazer curvas bem apertadas. Após check de magnetos com 4.100 rpm, rodagem até o ponto de espera da pista 03, sempre com o manche todo atrás, para reduzir o impacto do trem dianteiro em irregularidades do solo, partimos para a decolagem. Alinhados, bomba de combustível e luzes de pouso ON. Antes da corrida, recebo a recomendação para fazer como nos T-25, aliviando a bequilha na corrida e deixando o avião de nariz alto apoiado só nas rodas principais, até deixar a pista suavemente.

Em relação ao antecessor SportStar, harmony possui fuselagem alongada em 10 cm e  envergadura com 63 cm adicionais

Fortes térmicas

Manete vernier – como nos Bonanza – até 5.300 rpm, boa aceleração com controle direcional e estamos voando. Freio nas rodas, aceleramos até 60 kt. Aos 300 pés, comando flaps “up” e nos afastamos pelo setor W. O compensador elétrico deixa a tarefa mais fácil. É só trimar e deixar, mesmo balançando bastante devido às fortes térmicas do horário. Subimos para 4.000 pés e lá vejo que o HAR atinge 98 kt em cruzeiro a 4.800 rpm, sendo 4 kt mais rápido do que a tabela de performance. Muito bom!

O avião mostra-se estável, pois não altera trajetória nem atitude, mesmo passando por algumas térmicas bem fortes. Um dos pontos fortes do Harmony é que a estabilidade não compromete a manobrabilidade. Interessante notar tal comportamento, típico de aeronaves maiores, num avião de 600 kg. Curvas à direita e à esquerda, dos mais diversos graus de inclinação, que dispensam o uso dos pedais e que mantêm a bolinha perfeitamente centrada.

O Lídio sugere que façamos alguns estóis em configurações diversas. Sem flaps, motor em marcha lenta, continuamente seguro o nariz até 32 kt, com buffeting discreto. Com full flap, à razão de redução de 1 kt por segundo, venho segurando o pássaro até atingir 26 kt, com o nariz lá em cima. Os vortex-generators estão trabalhando perfeitamente bem, e o alpha-romeo não se abate: voa nessa velocidade com controle lateral efetivo. “Pode colar o manche!”, diz Lídio. Ao cumprir a sugestão de meu companheiro, o speed tape vem até 22 kt, o nariz cai um pouco, até a linha do horizonte, e saímos voando com menos de 2.300 rpm. Uma qualidade de voo honestíssima, à prova de qualquer descoordenação de comandos.

Emendo uma descida, acelerando até 90 kt, e entrego ao Lídio, que inicia uma perna de “oito preguiçoso” (lazy eight), à direita. Puxada leve, o horizonte some e curvamos devagar até atingir a faca. Passamos no topo a 35 kt, com total autoridade de comandos – obviamente devido à destreza do piloto em comando. Com 180 graus revertidos em proa, atingimos o mesmo perfil na volta. Enquanto faz as pernas, Lídio discorre sobre os efeitos de propwash e guinada adversa, demonstrando seu know-how de pilotagem. Ao reassumir os comandos, repito as mesmas manobras acrobáticas com bom resultado.

Voltamos ao circuito de Rio Claro para uma aproximação 360o. A manobra é confortável em um Paulistinha, mas o que acontecerá a bordo do Harmony? Vertical do campo, motor em lenta, mantendo 60 kt e desenhamos todo o perfil: 135 graus à esquerda, mais 135 e completamos com 90 graus para encaixar na final. Bomba de combustível e faróis ON, estamos prontos. O primeiro pouso será sem flap, 60 kt na final. De maneira tranquila, arredondo trazendo o manche continuamente até seu batente traseiro. O toque na pista de terra é macio. Para não restar dúvidas, arremeto e volto novamente pela perna do vento até o través da pista 03. Agora, full flap na final, com 50 kt. “Piece of cake”, diriam os norte-americanos.

Piloto automático

Nosso segundo voo será com o Jonas, mais próximo do fim de tarde, para avaliarmos outros itens. Já mais familiarizado com o avião, lembro-me de que a pilotagem no assento esquerdo é feita com a mão esquerda e a aceleração com a mão direita. Para quem não está acostumado com essa disposição, já que a maioria dos treinadores possui disposição inversa, talvez a adaptação possa parecer estranha. Mas ela ocorre em questão de horas, principalmente de nacele, não exigindo muito esforço nesse sentido.

Repetimos os procedimentos do primeiro voo, e já deixamos o solo. Setor W de Rio Claro mais uma vez, e o Jonas manuseia as páginas dos displays, mostrando os mais diversos modos de exposição. As telas podem ser intercaladas para o caso de falha. Peço para acionar o piloto automático para avaliá-lo – não gosto muito disso, mas... Acoplamos e o sistema mantém a proa do avião corretamente. Apenas no modo ALT ele demora um pouco a cravar a altitude.

Um prático botão abaixo da moldura da tela abre cada um dos modos do piloto automático: vertical speed, IAS, ALT e TRK (nesse caso seria o mesmo que o HDG, ou heading). Faço curvas com o piloto automático, que se mostra bem suave, parando nas proas estabelecidas. O flight director possui a mesma simbologia daquele aviãozinho que vemos nos head-up display. Na parte inferior, dois modos se destacam: “Level” e “180”.

O modo “Level” mantém o avião sempre nivelado, sem entrar em atitude anormal. Já o modo “180” induz uma curva de reversão de proa. Como estamos nos afastando de Rio Claro, e precisamos voltar, lanço mão desse modo. Ao apertar a tecla 180, o Harmony desenha uma curva nivelada e constante até reaproar Rio Claro.

As telas do display podem ser intercaladas para o caso de falha

Comandos no manche

Na volta, acerto a potência em 5.200 rpm e o PU-HAR atinge 104 kt de ground speed, consumindo 21 litros por hora, teoricamente o que só aconteceria com potência máxima (5.500 rpm). Consulto na tela a informação de direção e intensidade do vento e vejo que estamos voando com vento zero, o que chancela a performance deste pequeno notável. Como estamos em ares mais calmos, desacoplo o piloto automático, afinal, uma máquina desta é para se voar na mão.

No topo do manche temos quatro teclas e dois botões. Nada complicado. As quatro teclas em formato de cruz correspondem aos atuadores dos compensadores, tanto de profundor quanto de ­aileron, e os botões servem um para desacoplar o piloto automático e o outro para se voar num modo de desacoplamento parcial – você aperta e manobra manualmente, depois, ao soltar, ele reacopla. Todos estes compensadores possuem indicadores no painel (escala de compensadores e modos de ALT e ROLL servos).

Em voo, basta compensar o avião na atitude desejada para que ele permaneça nela, mesmo em condição bem turbulenta. Pilotagem fácil na ponta dos dedos, o que explica por que o Harmony vem sendo utilizado para instrução nos Estados Unidos e na Europa: comportamento honesto, estável e com atributos que um aluno encontrará apenas em aeronaves maiores.

Coordenando na frequência livre, encaixamos o avião no circuito de tráfego e fazemos mais uma sequência de pousos. A estabilidade do LSA torna a pilotagem intuitiva. Para o outro dia, combinamos de fazer a sequência de fotos, promovida pela Nova Aeronáutica, tendo como avião paquera um Ikarus, de desempenho próximo ao do Harmony.

Máquina dócil

Decolamos às 12h30, espero um voo mais trabalhado, turbulento. Sem dificuldade, porém, reúno-me com o Ikarus. A boa relação peso-potência do PU-HAR me propicia rápida aceleração quando preciso e, também, boa razão de desaceleração. Isso com pequenos movimentos no manete de potência. Caídas de asa, fotos em curva, em baixas ou altas velocidades: a aeronave sempre equilibrada e controlada nos três eixos.

À tarde, novas fotos. Alinhados na 21 de Rio Claro e com menos de meio tanque – o suficiente para nosso voo –, completo os 100 hp durante a corrida e rapidamente já estamos em busca do PU-XTO, o nosso avião paquera, que mantém 60 kt. Devido à ótima visibilidade através do canopi, consigo me imaginar interceptando o Ikarus, como se estivesse em um “cacinha”. Os quase 40 kt de diferença me obrigam a reduzir o motor com boa antecedência, acreditando numa inércia razoável de deslocamento. Qual não é minha surpresa ao notar que o Harmony desacelera fácil, pedindo motor novamente para parar na posição correta.

Estamos nos dirigindo à bela região de Analândia, próximo de Pirassununga. O Jonas nos acompanha pilotando o SportStar. As belas encostas dão tons mais bonitos e vivos ao nosso voo. Ligo os faróis e, de tempos em tempos, preciso me lembrar de que são de LED, e que não tem tempo limite de funcionamento – ao contrário do que acontece com os incandescentes, que têm limite. A tarefa de manter o HAR na ala revela-se tranquila. Apenas estou com a mão direita um pouco cansada. O manete de aceleração do Harmony tem funcionamento semelhante ao dos Bonanza: seu curso é feito “rosqueando” o manete, ou liberando uma trava bem no topo dele. Mas, como essa trava é um pouco dura e o voo exige aceleração e desaceleração constantes, tenho de manter a trava acionada o tempo todo com o dedo polegar.

Uma máquina dócil, de velocidade e consumo excelentes e com bom espaço interno. Indicada para um casal se deslocar por aí, e conhecer, por exemplo, o litoral brasileiro ou as belezas do interior do país, com baixo custo operacional e facilidade de manutenção. Também indicada para empresários e profissionais liberais que precisam cumprir deslocamentos curtos sem perder tempo no seu dia a dia de trabalho.

Pouso da maneira mais suave possível. Sem pisar nos freios, full flap, o avião não precisa nem de metade da pista de Rio Claro, utilizando menos de 400 metros, com segurança. Táxi até o hangar da Nova Aeronáutica e o corte sem dificuldade: switches em OFF e chave em OFF. A atual geração de aeronaves que surge, enquadradas nas novas regulamentações que serão implantadas pela Anac, tem bons expoentes e o Harmony certamente é um deles.

Harmony lsa

Fabricante Evektor Aerotechnik
Valor De USD 129.000,00 a USD 169.000,00
Motor Rotax 912 ULS / IS / 914
Hélice Woodcomp

Performance (ISA)
TAS - 75% de potência a 7.500 pés (2.300 m)  110 kt (204 km/h)
VNE 146 kt (270 km/h)
Velocidade Máxima de Cruzeiro (IAS) 120 kt (222km/h)
Velocidade de estol (IAS) 40 kt (74 km/h)
Razão máxima de subida 1.020 pés/min (5,2 m/seg)
Razão de planeio 1:10
Teto de serviço 15.500 pés (4.720 m)
Decolagem 190 m
Pouso 180 m
Capacidade de combustível 120 litros
Autonomia 8h30

Pesos
Vazio 310 kg
Carga útil 290 kg
Peso máximo de decolagem 600 kg
Fator de Carga (g) +6/-3

Dimensões
Largura da Cabine 1,18 m
Volume do Bagageiro 285 L (25 kg)
Comprimento 6,11 m
Altura 2,48 m
Envergadura 9,28 m
Área Alar 10,36 m2
Número de Assentos 2

Fonte: Nova Aeronáutica

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