A ausência de sensores de temperatura na maioria das aeronaves antigas explica a elevada ocorrência de panes
Jorge Filipe Almeida Barros Publicado em 04/07/2017, às 22h38
As estatísticas de acidentes aeronáuticos do Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) apontam uma alta incidência de falhas de motores. Em geral, modelos convencionais que equipam pequenas aeronaves. A opinião geral entre mecânicos é que motores a pistão emitem sinais de panes que estão por vir. Vibrações excessivas, funcionamento áspero, falhas ocasionais e a cor interna dos escapamentos podem significar sintomas de que algo não anda bem.
Isso reforça a ideia de que o operador tem como acompanhar a saúde de um motor: manter-se atento a esses e a outros sinais. Uma maneira simples é abrir e inspecionar o filtro retirado de uma troca de óleo. É fundamental certificar-se de que ele não apresenta limalhas significativas. A origem das limalhas é fácil de entender. Dentro dos motores, as partes mecânicas que se atritam são fabricadas em diversos tipos de metal. Se por algum motivo a fricção entre as partes não for mantida a níveis baixos, os metais começam a se decompor. O tipo de material encontrado no filtro dirá de onde vêm as fagulhas. Isso dará condições para que a oficina eleja qual área do motor será inspecionada meticulosamente.
Motor Lycoming |
Basicamente, são duas as grandes áreas de desgaste. A primeira é o volume interno do bloco. Lá estão o eixo de manivelas e o eixo de comando de válvulas. O eixo de manivelas é girado pelas bielas, que lhe transmitem a força da explosão do combustível, ocorrido nas cabeças dos cilindros. Esse eixo é grande e bastante resistente, mas está apoiado em partes firmes do bloco por meio de pastilhas arredondadas, chamadas bronzinas. Altos níveis de atrito nesses pontos causam desgastes e folgas que, por sua vez, vão gerar vibrações e podem levar a quebra de componentes internos ou travamento do eixo de manivelas. O mesmo pode acontecer com o eixo de comando de válvulas. Instalado na parte mais alta do motor, é ele que aciona hastes metálicas que vão comandar as válvulas de admissão e escapamento das câmeras de combustão dos cilindros do motor. Na medida em que esse eixo se desgasta, suas dimensões se reduzem e as válvulas deixam de ser abertas na amplitude necessária. Então, o volume de combustível a entrar é reduzido e a mistura já queimada tem dificuldades em sair para o escapamento.
O motor começa a perder força em ambos os casos, e deixa de ter o desempenho que o piloto espera. Esses dois eixos foram dimensionados para resistir a aproximadamente 2.000 horas de operação, período chamado de “tempo entre grandes revisões” ou TBO (Time Between Overhaul). Mas a resistência dos eixos pode diminuir se a operação do avião não acontece como o seu fabricante espera.
Boroscópio |
Já foi comprovado que os resíduos de carbono da combustão interna dos motores aeronáuticos a pistão, combinada com a umidade do ar impregnada no óleo, produzem ácidos. O óleo passa a abrigar, então, ácidos, que passam a corroer as partes internas do motor. Para preveni-los, deve-se manter o óleo livre de umidade. Daí a importância de evitar longos períodos de inatividade. A Lycoming orienta os clientes a voarem pelo menos uma hora por mês e, a Continental, uma hora por semana. Independente do uso da aeronave, o óleo deve ser substituído em, no máximo, quatro meses. É comum que alguns operadores se esqueçam desse período, fazendo a substituição apenas a cada 50 horas. Também são frequentes os casos de aeronaves que por restrições administrativas ou submetidas a grandes serviços de manutenção ficam inativas por longos períodos.
O PRÓPRIO OPERADOR PODE CUMPRIR OS PROCEDIMENTOS, QUE SÃO SIMPLES, COMO CORRIGIR CORRETAMENTE A MISTURA PARA O REGIME DE POTÊNCIA EMPREGADO NA ALTITUDE QUE SE PRETENDA VOAR
O maior desgaste, porém, concentra-se na cabeça dos cilindros. Nessa área, ocorrem as sucessivas explosões que provocam a expansão dos gases e o deslocamento dos pistões. O cilindro de um motor que gira com 2.700 rpm, por exemplo, ao longo de 2.000 horas de operação terá sofrido 162 milhões de explosões internas. Os impactos mecânicos provocam elevado estresse no metal, que se estiver fora da temperatura correta, pode sofrer danos prematuros. É conhecida como CHT (Cilinder Head Temperature) e se refere à temperatura da massa metálica da parte superior do cilindro. Um CHT baixo, ainda que reduza os desgastes, não permite uma grande expansão dos gases e deixa o motor fraco. Por outro lado, a elevada temperatura vai causar danos irreversíveis. A válvula de escape sofre deformação nas superfícies de contato com a sede e perde o assentamento. Isso a impede de reter a mistura de ar com combustível durante a fase de compressão. O motor deixa os gases escaparem antes de serem queimados e as explosões se enfraquecem.
Cabeça do cilindro fraturada por elevada CHT: note os resíduos de carbono em cor dourada e o local do termômetro de CHT, ausente na época da falha |
Corrosão interna do cilindro causada por longa inatividade |
Danos também podem ocorrer à haste da válvula. Se fraturada, libera fragmentos que causam impacto direto no pistão. O CHT elevado também danifica anéis de segmento e plugues metálicos e pode deformar as superfícies internas do cilindro. Tais danos podem ser identificados com um simples exame de boroscópio. O aparelho é composto de uma minúscula câmera de alta definição, instalada na ponta de uma haste flexível e introduzida na cabeça do cilindro pelo orifício de instalação das velas de ignição. As imagens internas são vistas em um monitor ao lado. Esse exame é muito pertinente àqueles que pretendem adquirir uma aeronave usada.
Para o operador de qualquer aeronave movida a pistão, é fundamental se assegurar que o piloto saiba e cumpra os procedimentos para evitar o CHT elevado. São procedimentos simples, como corrigir corretamente a mistura para o regime de potência empregado na altitude que se pretenda voar. Os manuais de operação trazem explicações simples de como o fazer. No entanto, em sua maioria estão escritos em inglês e, para algumas aeronaves, os procedimentos corretos fazem elevar a carga de trabalho do piloto. Este, por sua vez, só pode monitorar o CHT se a aeronave possuir sensores de temperatura. Mas a maior parte delas não tem. Isso explica a grande ocorrência de panes em motores de aeronaves antigas.
O conhecimento do funcionamento e de técnicas de operação de motores aeronáuticos deve ser do interesse de qualquer pessoa envolvida com a operação aérea. Antes de tudo, é um bom investimento na obtenção de produtividade e segurança.