Responsável por transformar o torque do motor em empuxo, ela requer atenção especial no ar e no solo, o que vai garantir não só vida útil mais longa como também maior segurança de voo
Por Jorge Filipe Almeida Barros Publicado em 09/05/2018, às 17h16 - Atualizado às 17h18
O grupo motopropulsor é quase tudo em um avião. Para obter o máximo desempenho, a combinação de motor e hélice merece a harmonia de quem foi feito um para o outro. Ao motor cabe produzir o maior torque possível. E à hélice, a tarefa não menos difícil de transformar esse torque em empuxo. Os regimes que lhe são impostos a mantém constantemente no limite de sua resistência e, por isso, ela precisa ser protegida de forças mecânicas excessivas. A quantidade máxima de RPM prevista e a massa das lâminas vão definir quanto de tração longitudinal cada pá vai sofrer. A porção mais próxima da raiz precisa ser mais resistente, já que nela há maior incidência da força centrífuga.
Na história da aviação, a madeira foi o primeiro material empregado e suas virtudes continuam atuais. Além de ser um material leve, suas fibras longitudinais suportam altas forças centrífugas sem romper. É resistente à corrosão e flexível. Se uma hélice de madeira colide com o chão, sua maciez vai absorver melhor o impacto, reduzindo os danos que uma desaceleração brusca causaria ao motor. Mas a técnica construtiva é sempre difícil e a superfície revela-se vulnerável aos impactos de pedriscos, que produzem erosão. Até a água da chuva pode danificá-la. De início, a erosão destrói o verniz e, em seguida, vai consumindo o material e alterando o formato da pá. Isso reduz sua eficiência aerodinâmica, além de poder provocar rachaduras. Por isso, a indústria aplica revestimentos de proteção nos bordos de ataque das pontas, esperando retardar o aparecimento da erosão. O revestimento não pode ser lixado e, se for danificado, vai exigir serviço especializado. Se desprender, causará grande desbalanceamento e vibração, levando a danos severos ao motor e ao berço. Quem utiliza hélices de madeira deve sempre estar atento a sinais de erosão acentuada e, na hora certa, substituí-la.
Já as hélices construídas em alumínio são mais resistentes à erosão, mas não à corrosão. Na medida em que a erosão acontece, o mecânico especializado vai limando a superfície dos bordos de ataque, buscando eliminar a rugosidade que se forma. Se houver qualquer mossa, pontos onde objetos mais duros criaram algum dano, a limagem atenua o sulco e evita que dali possa nascer alguma rachadura. Essa prática é muito importante, porque na pequena mossa se forma um ponto mais fraco. Uma hélice de alumínio que gira pode sofrer pressões centrífugas de até 20 toneladas. Se esse valor já é alto por si, a vibração associada pode rapidamente levar a pá a uma fratura. E vibração é sempre ruim, por isso tem de ser reduzida ao mínimo. Para isso, muitas oficinas de manutenção oferecem o serviço de balanceamento de hélices. Isso exige equipamento especial e mecânicos bem treinados. A máquina identifica em que ponto do spinner deve ser instalado o contrapeso e sua medida correta. Vibrações reduzidas protegem o berço do motor e equipamentos a bordo e dão mais conforto ao voo.
Mossa na ponta da pá | Mossa no bordo de ataque da pá |
Consequência da vibração causada pela fratura de uma pá de hélice | Forças centrífugas na base das pás |
Danos por impacto no solo | Corrosão superficial |
Mesmo que a hélice não apresente danos visíveis, sabendo que os esforços normais já estressam o conjunto em seu limite, o piloto deve estar sempre atento à forma de operar. Deixar o giro de hélice na rpm máxima e por tempo excessivo pode levar à fadiga de material e provocar pequenas rachaduras que, espera-se, sejam descobertas na revisão geral. As pontas das pás podem se aproximar de velocidades supersônicas e causar vibrações excessivas. Se isso acontecer, tanto o empuxo quanto o tempo de vida da hélice sofrem redução. Se, por outro lado, o piloto corrige a rotação do motor, atuando no comando de governador de forma brusca, vai provocar forte estresse em dois terços da corda longitudinal da pá.
Tudo o que gira provoca forças centrífugas que resultam em efeitos giroscópicos. A rigidez espacial de uma hélice que gira é diretamente proporcional à sua rotação. Quando o piloto aplica mudanças bruscas de direção, o eixo da hélice sofre forças de flexão e a transmite para todo o conjunto do motor. Foi o que aconteceu com uma aeronave Tucano, da Esquadrilha da Fumaça, nos anos 1980, quando se apresentava em Londrina, no Paraná. O piloto efetuou uma manobra radical chamada "Lancevaque" prevista na apresentação. Repentinamente o eixo da hélice quebrou. Sem hélice, a rpm do motor disparou, o óleo do governador vazou e o propulsor pegou fogo. Felizmente, o piloto conseguiu tirar a aeronave de cima do público e se ejetou algumas milhas adiante. Por isso, pilotos acrobatas devem estudar o projeto de suas hélices e tentar da forma que for possível poupá-las de esforços extremos.
Além das forças mecânicas, a possibilidade de corrosão é sempre presente em uma pá de alumínio. Pode ocorrer de forma superficial quando nela são aplicados produtos de limpeza que reagem com o alumínio, retirando sua resistência. É importante saber quais produtos não devem ser aplicados. Na dúvida, não use nenhum; apenas um pano seco limpo. Importante também que as pás sejam recobertas com uma camada de tinta, a cada ação de controle da erosão.
Hélices de alumínio são peças de arte esculpidas no formato que são. Portanto, mais rígidas e resistentes à flexão. Como já dissemos, as áreas distantes da raiz das pás em aproximadamente dois terços merecem atenção especial. Nelas as forças de flexão são mais intensas. Danos ou imperfeições nos bordos de ataque devem ser rapidamente investigados e corrigidos.
Mas nem sempre a corrosão é visível. Há algumas que avançam internamente e são conhecidas como "pit". Um pequeno ponto de corrosão que se propaga para dentro da peça e, como cupins na madeira, tira-lhe a resistência. Geralmente começa por debaixo de adesivos ou alguma camada que recobre a pá. Daí a importância de contar com a inspeção por pessoal especializado. Testes de radiografias ou a aplicação de líquidos de contraste podem denunciá-las facilmente. E há ainda uma mais rara, que gera a delaminação da peça. Chamada de corrosão granular, indica a presença de alguma impureza na liga de alumínio. Daí a importância do fornecimento pelo fabricante do laudo de conformidade.
Hélices são componentes de alta tecnologia. E devem ser tratadas dentro dos cuidados que o fabricante recomenda. Saber quais são e respeitá-los é mais seguro e econômico no curto, médio e longo prazo.
Artigo publicado originalmente pela revista AERO Magazine edição 230.