Bombardier inicia testes em voo do primeiro protótipo de sua nova família de jatos, que promete concorrer com modelos de Airbus, Boeing e Embraer e pode entrar em operação já em 2014
Por Santiago Oliver e Edmundo Ubiratan / Fotos Divulgação Publicado em 10/11/2013, às 00h00
O protótipo do CSeries da Bombardier acaba de realizar com sucesso seu voo inaugural, um marco importantíssimo num programa de pelo menos US$ 3,4 bilhões, destinado a desenvolver o primeiro avião de fuselagem convencional do seu tamanho totalmente novo das últimas décadas. O jato parte agora para um ambicioso programa de testes, que deve durar pelo menos um ano, para depois começar a transportar passageiros e entrar em uma “briga de cachorro grande” com a Airbus e a Boeing.
A Bombardier, baseada em Montreal, acredita que pode auferir bons lucros na fatia do mercado para 100 a 150 passageiros, servida pela Boeing com o 737-700MAX e pela Airbus com o A319neo. Os críticos dizem que o projeto canadense de um jato para médias distâncias feito de materiais leves ignora a tendência das companhias aéreas de investir em aviões com 150 assentos ou mais, na medida em que o tráfego aéreo aumenta, exigindo aviões de maior capacidade. Dizem, ainda, que, havendo a necessidade de aviões menores, os operadores de aeronaves dos grandes fabricantes costumam preferir os menores das famílias por elas usadas, pela vantagem da padronização na hora do treinamento e da manutenção – por outro lado, também se diz que tanto Air France quanto British estariam deixando de operar os A318 por conta do desequilíbrio entre receita e custos operacionais e que a Avianca teria optado pelo caçula da Airbus pelo custo reduzido do leasing.
A Bombardier garante que seu avião terá um custo operacional 15% mais baixo do que o desses aviões, com 20% de economia no consumo de combustível, e será significativamente mais silencioso do que os jatos concorrentes de um corredor. Embora a Boeing e a Airbus sejam os principais concorrentes do CS300 da Bombardier, ele também disputa mercado diretamente com o Embraer 195.
Essas projeções de eficiência e consumo levaram Airbus e Boeing a propor, recentemente, novas versões mais econômicas dos seus modelos maiores de fuselagem convencional, deixando de lado o A318 e o 737-600, respectivamente. Já o fabricante brasileiro lançou também versões dos três modelos maiores dos seus quatro E-jets com motores e asas mais eficientes.
A Airbus afirma que seu A319neo será muito econômico e terá custos operacionais similares aos do CS300, apenas por utilizar motores semelhantes. O concorrente da Boeing, o 737MAX, por sua vez, é a mais recente modernização da família 737, lançada em 1967. Ambos os fabricantes argumentam que seus aviões serão mais baratos na hora de obter o financiamento, já que são as aeronaves mais populares da indústria e contam com pelo menos 3.800 encomendas. Nota-se, no entanto, que apenas um pequeno número desses pedidos refere-se aos modelos menores, que concorrem com o CS300, o que sugere que as companhias aéreas preferem os aviões maiores.
Já a Embraer, a terceira maior indústria aeronáutica do mundo, que lidera o mercado dos jatos menores, para voos regionais, afirma que a capacidade preferida pelas empresas aéreas nesse nicho é dos aviões com 75 a 120 assentos. Contudo, Michael Boyd, presidente da consultoria aeronáutica Boyd Group International, é da opinião de que a família CSeries já provocou um terremoto na indústria da aviação comercial, o que levou as três mais importantes indústrias aeronáuticas do mundo a modernizar suas aeronaves.
Após ter passado vários anos sem desenvolver novos produtos, em 2008, a Bombardier decidiu enfrentar seu maior desafio ao entrar num novo mercado com um projeto totalmente novo, o maior construído até então com comandos fly-by-wire, asas de materiais compostos e motores turbofan.
O BRJX (Bombardier Regional Jet eXpansion) foi um projeto destinado à produção de uma aeronave maior do que os Canadair Regional Jet, com fileiras de assentos 2+3 e dois motores sob as asas. Deveriam ter entre 80 e 120 assentos 2+2 para concorrer com os menores jatos comerciais, como os DC-9, MD-80 e Boeing 717, ou 3+3 para concorrer com os A318, 737-500 e 737-600, mas o projeto foi engavetado em favor da versão alongada do CRJ700, o CRJ 900 que, anos mais tarde, seria estendido para produzir o CRJ1000. Vale lembrar que os CRJ770 e CRJ200/100 eram versões sucessivamente alongadas do jato executivo Challenger.
Paralelamente, em 2002, teve início a produção do Embraer 170 para 72 passageiros, seguido, logo depois, pelo Embraer 195 de 110 assentos e os modelos intermediários 175 e 190. Com as primeiras entregas do Embraer 170, seguido dos demais membros da família, os CRJ se mostraram extremamente limitados em termos de alcance e capacidade, fazendo com que o modelo brasileiro fosse adotado mundialmente, inclusive no Canadá, enquanto a Bombardier não tinha produtos para concorrer com eles nos quesitos capacidade e conforto.
Para substituir o BRJX, em julho de 2004, a Bombardier anunciou uma família de aviões comerciais, maiores do que os CRJ, capazes de transportar entre 110 e 130 passageiros para concorrer com os menores aviões da Airbus e da Boeing e que deveria entrar em serviço em 2013.
No ano seguinte, o fabricante começou a sua campanha de marketing junto às companhias aéreas, a fim de obter encomendas antecipadas das aeronaves CS110 (100/125 assentos) e CS130 (120/160 assentos). Uma série de contratempos acabou permitindo aos canadenses aperfeiçoarem o programa, em especial em relação a novos materiais compostos e à aerodinâmica. Ao mesmo tempo em que trabalhava com os principais fabricantes de motores, que estudavam uma nova geração de motores a reação.
A Bombardier estabeleceu uma parceria com a Pratt & Whitney no projeto PurePower, que levou ao desenvolvimento dos motores PW1000G. Essa nova geração empregou novas soluções aerodinâmicas nas palhetas do fan, rotor e turbinas, que prometem uma economia de combustível superior aos 20% quando comparada à versão anterior, o PW6000.
Como os novos CSeries prometiam ser no mínimo 20% mais econômicos do que qualquer avião da categoria, com índices próximos aos anunciados pela Boeing no programa 787, a Bombardier investiu em inovação. Assim, o CSeries faz amplo uso de uma nova liga de alumínio-lítio que compõem basicamente toda a estrutura da fuselagem, assim como uso maciço de compósito na empenagem, nas asas e nas naceles dos motores. Tal emprego permitirá, segundo o fabricante, uma redução na ordem de 15% apenas nos custos de assento por milha, comparado a aviões atualmente em produção, sendo esse índice superior aos 30% se comparado a aviões produzidos antes da década de 1990.
Os custos e o tempo de manutenção devem ser superiores aos 25% quando comparado a qualquer aeronave atual. A aerodinâmica se baseia em estudos recentes e usa avançados softwares de engenharia, como o CATIA e o HyperSizer, criando um perfil limpo e eficiente.
Já a cabine de passageiros foi projetada para ter novas janelas, que devem ser as maiores do segmento, assentos mais confortáveis, maior espaço entre as poltronas mesmo em configurações de alta densidade, devido, entre outros aspectos, a novos materiais que reduzem o espaço ocupado por cada assento. Mais uma novidade se vê nos lavatórios, que devem ser os maiores da categoria, permitindo um uso mais confortável, mesmo para passageiros de elevada estatura ou acima do peso.
Ainda segundo a Bombaridier, os CSeries serão os aviões mais ecológicos até hoje fabricados, com redução de 20% da emissão de gás carbônico e uma redução superior aos 50% na emissão de monóxido de carbono.
Parte da fuselagem dos novos aviões da Bombardier deve ser construída na China pela China Aviation Industry Corporation (AVIC), enquanto outras seções maiores da fuselagem ficarão a cargo da unidade da empresa em Belfast, na Irlanda do Norte. A montagem final está sendo feita em Mirabel, próximo a Quebec.
No início de 2006, a Bombardier anunciou que cancelaria o desenvolvimento da família CSeries por ter conseguido poucas encomendas. Um ano depois, o fabricante anunciou que os trabalhos na aeronave poderiam continuar e, em fevereiro de 2008, autorizou a oferta de compromissos de vendas da família CSeries.
De acordo com a Bombardier, a CSeries para 100 a 149 passageiros teria um mercado estimado em 19.333 aeronaves, representando uma receita superior a US$ 250 bilhões nos 20 anos seguintes. A previsão era a de obter pelo menos a metade desse mercado, com o primeiro voo planejado para 2012.
Em março de 2009, a empresa canadense anunciou que os C110 e C130 seriam rebatizados como CS100 e CS300, respectivamente. O primeiro voo foi inicialmente planejado para a segunda metade de 2012 e, em 2010, as entregas do CS100 estavam planejadas para 2013, com as do CS300 para o ano seguinte. Em março de 2012, a Bombardier definiu o mês de dezembro de 2012 como a data do primeiro voo, mas foi adiado para o final de junho de 2013 por atrasos na montagem e, mais tarde, sofreu mais um adiamento pela demora dos testes de solo maior do que o previsto. Após o primeiro voo, a empresa divulgou um plano de testes de voo de 2.400 horas com cinco aeronaves, de forma tal que o primeiro CS100 com 110 assentos entre em serviço após 12 meses, mas a sua experiência com os testes em solo poderá levar a Bombardier a rever seus planos.
O desafio dos novos CSeries será criar ou encontrar um mercado para si, já que a maior parte das empresas aéreas atua em segmentos definidos. As empresas de bandeira geralmente operam em aeroportos centrais, buscando maior eficiente via hub. Já as empresas low-cost low-fare normalmente operam em aeroportos afastados, mas com boa infraestrutura e com aeronaves que ofereçam uma combinação de alcance e capacidade, algo hoje atendido pelas famílias Boeing 737 e Airbus A320. Já no mercado regional as companhias aéreas procuram aviões com capacidade inferior aos 110 assentos, geralmente operando a família E-Jet ou ATR, não raro combinando ambas as famílias, que se complementam em capacidade e alcance. O mercado do CSeries até hoje não foi explorado, com poucos produtos disponíveis, como o A318 e o 737-600, mas que podem abrir justamente o mercado que a Bombardier busca – a Airbus vendeu vendeu 79 aviões A318 enquanto a Boeing deixou de produzir o 737-600, demonstrando o baixo interesse da companhias aéreas em aviões dessa capacidade.
Outro problema que será enfrentado pela Bombardier é que dois outros fabricantes apostam nesse mesmo mercado com produtos recém-lançados. A ítalo-russa SuperJet, formada pelo consórcio entre a Alenia e a Sukhoi, oferece o SSJ-100, um modelo com características de projeto, capacidade e de operação próximas aos CSeries. Paralelamente, a japonesa Mitsubishi trabalha na família MRJ, que, apesar de ser menor, buscará muito dos potenciais clientes do CSeries.
Favorece a Bombardier o fato de a empresa dispor de uma excelente reputação no mercado, uma ampla rede de suporte e, talvez, a capacidade de entregar ao mercado o que prometeu em termos de eficiência e economia. Algo que, por exemplo, o SSJ-100 não conseguiu e por isso vem patinando nas vendas. Além disso, tradicionalmente o Ocidente não compra aviões russos e o futuro do programa MRJ continua incerto.
A Bombardier mantém sua previsão de US$ 3,4 bilhões para o desenvolvimento da CSeries, embora agora informe um total de US $ 3,9 bilhões para incluir os US$ 500 milhões de juros sobre o financiamento da sua parte de US$ 2 bilhões para financiar os custos de desenvolvimento, com o restante vindo de fornecedores e dos governos do Canadá, de Quebec e da Grã-Bretanha.