Consumo gerenciado

Uso racional do combustível requer esforço de empresas áreas, autoridades de controle do espaço aéreo e infraestrutura aeroportuária e pilotos

Ivan Carvalho*, Especial Para Aero Magazine Publicado em 29/01/2013, às 08h43 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


Sucessivas crises políticas e econômicas vêm afetando os preços do petróleo, elevando substancialmente o peso da rubrica combustível na planilha de custos das empresas aéreas, desde a década de 1980. Em muitos casos, ele chega a 40% dos custos operacionais das companhias.

Em um modelo de negócio com margens reduzidas, é vital para a saúde das empresas manter a atenção focada nesse "vilão" - que também se traduz em elemento poluidor do meio ambiente, participando com uma parcela de 2% das emissões totais de CO2 na atmosfera.

Apesar de já existirem em curso iniciativas para a substituição do querosene de aviação (QAV), como atestaram os testes de duas companhias aéreas brasileiras com combustíveis derivados de cana de açúcar e pinhão durante o evento Rio +20, uma solução em larga escala ainda está distante. Até porque o combustível alternado, além de menos poluente, precisa ter custo adequado.

O impacto do preço dos combustíveis na aviação civil tem sido tema de audiências no Senado Federal, bem como de discussões na Secretaria de Aviação Civil (SAC). Anualmente, a indústria da aviação nacional utiliza em média sete bilhões de litros de querosene de aviação (QAV) para abastecer sua frota. De 2003 a 2011, o consumo desse tipo de combustível aumentou 75%, face à explosão da demanda no transporte aéreo.

O crescimento do setor refletido no aumento da procura por passagens aéreas e, consequentemente, crescimento do consumo de combustível de aviação, não fez com que o número de empresas que comercializam e distribuem o querosene aumentasse. Três empresas fornecem o QAV no Brasil, incluindo a Petrobras (BR Distribuidora), com 100 pontos de abastecimento; a Air BP com 54; e a Raízen (leia-se Shell) com 18.

Em 2011, o percentual acumulado de aumento no preço do QAV chegou a 37% e os números de 2012 chegam a 16,74% (veja as figuras 1 e 2).

Para garantir a sobrevivência financeira das empresas em um cenário de incertezas com relação ao preço dos combustíveis, é fundamental que os principais "stakeholders" da indústria se unam em um esforço para aperfeiçoar processos e usar as vantagens competitivas da tecnologia para uma melhor eficiência operacional de todo o sistema.

HEDGE E ICMS
No lado das empresas, é imperativo adotar operações de hedge, que têm por finalidade proteger o valor do combustível negociado com distribuidores contra variações futuras. Essa iniciativa deve ser bem programada, pois exige da empresa um fôlego financeiro de caixa para sua efetivação.

No curto prazo, o hedge tornou-se uma estratégia crucial do negócio para a maior parte das companhias de aviação que hoje obtêm êxito operacional. As companhias sem contratos de hedge, e que de alguma forma conseguiram sobreviver no curto prazo, poderão ter seus resultados comprometidos. Além disso, custos de combustíveis mais altos podem diluir a vantagem competitiva que têm os transportadores de baixo custo. A razão para isso é que, como a parte do custo do combustível em relação ao custo total aumenta, a fatia relativa de todas as outras despesas operacionais diminui, enfraquecendo as vantagens do baixo custo em que essas companhias tradicionalmente basearam o seu modelo de negócio.

#Q#

Outra variável importante dessa equação de custos operacionais reside na tributação dos preços de combustível pelos estados da Federação e que exige muitas vezes ações de negociação entre empresas e governos estaduais, procurando obter redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) por meio da ofertas de mais frequências de voos dentro de cidades do estado. Adicionalmente, quando não há margem de negociação, outra iniciativa que as empresas podem tomar é a adoção da política de abastecimento econômico, que basicamente se constitui em uma análise técnica entre o custo de se carregar mais combustível de um estado com preço menor para um destino onde o preço é mais elevado, evitando-se dessa forma um abastecimento a um custo maior. Essa política exige uma atualização constante da base de dados de preços e tarifas por estado e análise de desempenho das aeronaves da frota quanto ao consumo por etapas. Para ilustrar, a diferença de ICMS pode variar de 3% a 25% (máximo permitido) entre destinos. Cidades como Manaus, Porto Velho, Ribeirão Preto, Brasília, Recife, Vitória e São José dos Campos estão entre as cidades com maior valor de ICMS.

O PBN, JÁ EM USO PELO DECEA, INAUGURA UMA NOVA CIRCULAÇÃO COM MELHORIAS SIGNIFICATIVAS EM ROTAS, TERMINAIS E EM PROCEDIMENTOS DE CHEGADA E SAÍDA

Esse é um tema que mereceria um esforço conjunto envolvendo SAC, sindicatos patronais, associações de empresas e Ministério da Fazenda com o intuito de elaborar uma emenda à política de preços para o setor, visando a unificar as alíquotas incidentes nos combustíveis de aviação.

PBN E CDM
Outro coadjuvante importante no equilíbrio da equação de combustível é o setor de navegação aérea, pois temos na arquitetura de rotas, e fluxos em áreas terminais e de aeroportos, um impacto grande na performance das empresas em termos de distância voada e tempo gasto por etapa em relação aos Hotrans (horários publicados para os voos) no caso das empresas aéreas regulares e aos planos de voos para a aviação geral.

É fato que o cenário com rotas diretas, propiciando a menor distância entre origem e destino, seria a solução ideal. Porém, é necessário acomodar-se outras variáveis, como espaços aéreos restritos, circulações por área terminal e um gerenciamento de fluxo que permita a melhor adequação à crescente demanda por voos.

O conceito PBN (Navegação Baseada em Performance) reúne os recursos tecnológicos por meio dos quais as aeronaves e seus operadores devidamente certificados podem usufruir de rotas mais precisas independente de investimentos em auxílios de navegação em terra. Esse conceito, já em uso pelo Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), deve ser a base para que o país tenha a partir deste ano de 2013 uma nova circulação com melhorias significativas em rotas, terminais e em procedimentos de chegada e saída em diversas localidades do Brasil.

#Q#

As empresas experimentam hoje um aumento médio de 15% nos tempos de voos nas principais terminais. A solução começa a ser delineada por meio do conceito CDM (Decisões Colaborativas), que prevê a construção conjunta de modelos alternativos envolvendo os operadores aéreos, o Decea e demais autoridades. Esse esforço também deve ser estendido à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) para que os processos de certificação dessas operações possam ser mais ágeis.

Como exemplo, a implementação de gerenciamento de fluxo proveniente dos aeroportos SBGL (Galeão) e SBRJ (Santos Dumont) para SBKP (Viracopos) em um ciclo de sete dias propiciou uma redução média de 30 milhas náuticas para 179 voos, totalizando uma redução de 5.370 nm. O conjunto dessas iniciativas no ciclo de setembro de 2012 nas circulações provenientes do Nordeste para SBGR (Guarulhos), SBSP (Congonhas) e SBKP (Viracopos) significou em apenas um mês a redução total de 91.200 nm, segundo o Decea.

ESTRUTURA AEROPORTUÁRIA
Com igual relevância no debate sobre combustíveis, há também as ações advindas dos operadores aeroportuários no que tange ao aspecto de carga x capacidade de nossos aeroportos, uma vez que não adianta melhorar o controle do espaço aéreo se houver um gargalo nas operações de pistas e pátios.

Propostas inovadoras que tragam agilidade operacional nos aeroportos devem fazer parte das iniciativas das empresas e das autoridades responsáveis tanto pelo aeroporto como pela navegação aérea local. Esse esforço deve se traduzir em operações de pousos e decolagens com máximo rendimento sempre buscando um fluxo constante nos horários de pico, flexibilizando ao máximo a ocupação das pistas com segurança.

Iniciativas como essas se traduzem em resultados significativos como se atesta em aeroportos de alta densidade dos Estados Unidos e da Europa. Esse modelo já vem inspirando ações pontuais levadas a cabo por empresas aéreas nacionais em seus maiores hubs.

OPERAÇÕES DE VOO
Apesar de todas as estratégias abordadas acima, é fato que é na operação diária das aeronaves que reside o grande potencial de integrar essas iniciativas ou mesmo de se adotar procedimentos alternativos que possam mitigar os efeitos danosos de um sistema ainda não totalmente adequado.

As tripulações técnicas têm um papel decisivo no gerenciamento adequado do combustível abastecido. Esse gerenciamento exige que o piloto e a empresa interajam em conjunto em todas as etapas do voo. A política de combustível da empresa deve ser definida de forma clara e bem comunicada, com campanhas que ressaltem a importância da atuação dos pilotos dentro dos padrões operacionais desde o planejamento do voo até seu momento final no destino.

Um bom planejamento envolve a análise de diversas variáveis que influenciam na quantidade de combustível a ser abastecida. Uma boa previsão meteorológica, a escolha do melhor alternado e a análise da circulação aérea no destino com relação aos Hotrans, à política de combustível mínimo e à autonomia da aeronave dão ao comandante do voo elementos para tomar a decisão final em relação à quantidade a ser abastecida, sempre seguindo padrões técnicos bem definidos e de conhecimento de todos.

Muitas empresas empregam em suas rotas o CI (índice de custo), valor extraído de uma equação que leva em consideração todas as variáveis de custo operacional da empresa - que inclui preços de combustível, tripulação, manutenção e leasing -, resultando em um número absoluto que se traduz em uma velocidade ótima a ser voada após ser inserido nos computadores de performance (FMS) do avião.

Outras iniciativas adicionais também contribuem para a redução de consumo no âmbito das operações diárias, considerando a performance de um jato médio birreator com um peso máximo de decolagem de 53 000 kg (MTOW):

● Taxiar na saída e chegada dos pátios com menos um dos motores em funcionamento por cerca de 5 minutos equivale a uma redução de 22,5 kg;
● Consumo médio da APU (unidades de forca auxiliar) das aeronaves: 120 kg/hr;
● Consumo KG/hr (somente em voo) Air Fuel (kg)/Flight Time (hr): VCP/SSA = 2148, VCP/CWB = 2190, VCP/SDU = 2117, VCP/POA = 2144, VCP/FOR = 2202, e VCP/MAO = 2221;
● Custo para transportar 100 kg de combustível a mais: em torno de 3,3 kg/hr de voo.

Concluímos, portanto, o quanto é importante o envolvimento de todos que lidam com as operações aéreas no adequado gerenciamento do combustível.

* Comandante Ivan Carvalho é comandante de Embraer 190.