Visitamos a fábrica da Bombardier onde se produzem as estruturas em material composto do novo Learjet 85, que deve voar em breve
| Giuliano Agmont, De Querétaro Publicado em 22/03/2013, às 08h47 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Um passeio pela linha de montagem do Learjet 85 instalada na cidade mexicana de Querétaro revela muito sobre o novo integrante da mais tradicional família de jatos executivos do mercado. O silêncio, a organização e o visual limpo do lugar chamam a atenção, mas são os fornos industriais e a câmera refrigerada que denunciam a principal vocação desta planta da Bombardier: o desenvolvimento e a fabricação de estruturas em material composto. Aproximo a mão de uma placa de compósito descartada após ser utilizada em testes de fadiga para sentir sua consistência. "Muito cuidado", alerta-me o engenheiro David Flett, gerente do programa Learjet 85, ao perceber o gesto. Ele diz isso porque sabe que as fibras aglutinadas, dependendo da condição em que estão, podem produzir superfícies extremamente cortantes.
Trata-se de um material diferente, daí a curiosidade tátil. Uma tecnologia, definitivamente, inovadora, que estabelece uma mudança conceitual na indústria aeronáutica. "Com a utilização de compósitos, a fuselagem não necessita de muitas peças estruturais, ao contrário do que acontece com materiais convencionais. Mantendo uma mesma seção externa, o espaço interno fica muito maior, proporcionando mais conforto para os ocupantes". O Learjet 85 é o primeiro jato executivo com asas e fuselagem construídas à base de compostos de carbono projetado para receber a certificação de tipo dentro das normas de aeronavegabilidade do FAR Part 25 da FAA - para aviões na categoria de transporte, que inclui jatos com 10 assentos ou mais.
PAREDES FINAS
A conversa sobre compósitos toma boa parte do tempo reservado para a visita à planta da Bombardier no México e o responsável pelo programa Learjet 85 procura demonstrar de diferentes modos o que está explicando. Um exemplo são os assentos do cockpit. Com volume extra de cabine disponível, os projetistas da aeronave tiveram o cuidado de deixar mais espaço para as pernas dos pilotos. "Numa viagem de seis horas, é importante para os tripulantes poder mudá-las de posição de vez em quando", pondera David Flett.
Os benefícios do material composto vão além do aumento do conforto dos passageiros com o ganho espacial da cabine obtido a partir da construção de paredes mais finas e da utilização de curvas complexas na seção transversal da aeronave. Nosso anfitrião diz que o compósito deu à Bombardier, também, flexibilidade para desenhar o Lear 85 do modo como preferisse, deixando as janelas na exata posição que precisariam estar. Além disso, assegura Fleet, ao moldar e construir a fuselagem em uma única peça, espera-se melhorar o fluxo de produção.
LEARJET 85 INAUGURA NOVA GERAÇÃO DE JATOS EXECUTIVOS COM ASAS E FUSELAGEM CONSTRUÍDAS À BASE DE COMPOSTOS DE CARBONO
A lista de vantagens apontadas pela Bombardier para o material composto é extensa. Segundo o fabricante canadense, as superfícies mais lisas obtidas com o novo material favorecem a aerodinâmica do jato ao reduzir o arrasto. São estruturas sem rebites que geram menos turbulências do que as peças tradicionais de metal. No túnel de vento, o Lear 85 se mostrou capaz de atingir velocidades elevadas de cruzeiro com níveis baixos tanto de resistência aerodinâmica como de consumo de combustível e ruídos. "Também há uma melhor relação resistência-peso do material na comparação com o metal", diz o gerente do programa do Lear 85, destacando que o compósito é mais leve do que o alumínio. "O material composto reduz a necessidade de manutenção por conta de sua resistência à corrosão, além de ser mais fácil de reparar, o que prolonga a vida útil do avião e reduz sua depreciação".
ENTREGAS EM 2014
O programa do Learjet 85 sofreu um atraso de cerca de nove meses em relação ao previsto. O novo jato deve entrar em operação apenas no segundo semestre de 2014. A data do primeiro voo do protótipo 001, que está sendo montado em Wichita, nos Estados Unidos, continua indefinida. O chamado FTV 1 acaba de realizar pré-ajustes de asa e peso sobre as rodas. "Nossos fornecedores estão próximos de completar os testes de segurança de voo. Diria que já cumpriram 80% desse processo. Nosso foco hoje é preparar o Learjet 85 para seu primeiro voo, mas ainda não podemos precisar quando isso acontecerá".
Na planta de Querétaro, que conta com cerca de 1.700 funcionários e recebeu investimento de cerca de US$ 250 milhões, a Bombardier está montando os dois outros protótipos que participarão dos ensaios em voo, o FTV 2 e o FTV 3. No México, além do Learjet 85, a empresa monta estruturas e sistemas elétricos de diversas aeronaves da marca. Foi até selecionada para fabricar a fuselagem traseira dos novos Global 7000 e 8000.
O novo jato executivo da Bombardier terá o maior alcance dentre os integrantes da família Learjet. Com capacidade para dois pilotos e oito a dez passageiros, o Lear 85 promete alcançar até 5.556 km, o suficiente para voar sem escalas para qualquer destino dentro da América do Sul. Decolando com seis ocupantes e carga leve, poderá fazer voos intercontinentais, partindo de São Paulo e chegando a Dacar, no Senegal, na África, por exemplo. Seu projeto congelado prevê velocidades de até Mach 0.82 (ou 871 km/h), podendo perfazer a distância entre São Paulo e Caracas, na Venezuela, em menos de 6 horas. "A razão de subida também é muito agressiva. Esperamos que ele atinja 41 mil pés em 18 minutos", explica David Flett. O Learjet integra a categoria dos jatos leves e tem entre seus principais concorrentes o Citation Sovereigh e o Hawker 900XP, além do Gulfstream G150 e do Embraer Legacy 450. Seu preço deve girar em torno de US$ 17,2 milhões (FOB), já com dezenas de cartas de intenção de compra.
TECNOLOGIA EMBARCADA
A suíte de aviônica a ser instalada no Lear 85 será a mesma que foi desenvolvida para os atuais modelos da família Global, com sistema de visão sintética (SVS) e uma ótima consciência situacional. O Rockwell Collings Pro Line Fusion do novo jato conta com três display de 15,1" e recursos que prometem reduzir a carga de trabalho dos pilotos. Além do SVS, integram os aviônicos o Dual FMS (Flight Management System) e IFIS (Integrated flight Information System) com gráficos eletrônicos, funcionalidades como CPDLC (Controller-Pilot Datalink Communication) e ADS-B Out, autotrottle, canal para telefone via satélite, controle integrado de disjuntores e outros. A maioria das funcionalidades pode ser acessada por um controle duplo de cursor (Duo Cursor Control Device), sem necessidade de entrar no teclado alfanumérico.
"As três telas são plenamente configuráveis", explica Flett, mostrando que o piloto pode visualizar o que lhe convier durante o voo. "Ele também pode configurar as memórias de determinados procedimentos". O Learjet 85 será capaz de eliminar cartas e manuais em papel, operando no chamado paperless. Cartas Jeppesen serão selecionadas no FMS. Manuais de voo e outros documentos também ficarão disponíveis na tela para consulta. Haverá no cockpit, ainda, suporte para tablets com devidos aplicativos para integração deles com controles da aeronave. Na prática, será possível tanto atualizar documentos da aeronave quanto controlar via rede wireless funções da cabine de passageiros. A rede sem fio também permitirá acesso ao OMS (Onboard Maintenance System) da aeronave pelas equipes de manutenção para garantir o diagnóstico de falhas.
AUSÊNCIA DE ENCOSTO DE BRAÇO NOS ASSENTOS FACILITA CIRCULAÇÃO E AUMENTA O CONFORTO AO SENTAR
David Flett, gerente do programa Learjet 85: "Esforços concentrados para realizarmos o primeiro voo" |
O modelo dos motores do Lear 85 será o Pratt&Whitney Canada PW307B, com EDS (Engine Diagnostic System) integrado ao FADEC (Full Authority Digital Engine Control). "É um dos mais eficientes motores disponíveis hoje no mercado. Ele oferece excelente performance com redução de consumo, ruído e emissão de poluentes", diz David Flett. O propulsor tem 6.100 libras de empuxo e apresenta redução de 30% na emissão de NOX em comparação a motores de geração anterior. Quando o novo jato da Bombardier começar a ser entregue, o PW307B terá acumulado mais de 1 milhão de horas de operação.
Na cabine de passageiros, mais um diferencial importante do Learjet 85. Na configuração básica, o jato virá com oito telas de 10" individuais, telas de 15" e sistema de gerenciamento de cabine, capaz controlar itens como Blu-Ray, sistema de entretenimento de bordo, XM Radio e controle via iPad e iPhone. "Tudo touchscreen", ressalta Fleet. Uma das opções de configuração do jato terá um divã com três assentos com encostos capazes de se transformar em mesa. "Uma curiosidade dos assentos é a ausência de encosto de braço, o que facilita a circulação pelo corredor e aumenta o conforto ao sentar. As janelas também serão maiores, melhorando a luminosidade. E há gaveta sob os bancos para guardar um laptop, por exemplo".