Como o Rafale se tornou uma apólice de seguro [Parte II]

Países adotam a compra do F-35 e Rafale como uma apólice de seguro EUA e França em caso de instabilidades internacionais

Por Edmundo Ubiratan Publicado em 12/10/2022, às 16h15

- Dassault

Da mesma forma que o F-35, o Rafale, em diversos acordos, foi uma apólice para garantir tanto que o país estará virtualmente imune a um embargo como terá o comprometimento de apoio de uma potência militar em caso de conflito.

Rafale – Um seguro com um toque francês

A francesa Dassault Aviation sofreu por vários anos por não conseguir confirmar nenhuma venda internacional do seu caça Rafale, mas, recentemente, obteve importantes vitórias ao redor do mundo.

O Egito foi o primeiro cliente internacional do Rafale, com acordo assinado em 2015

 

Algumas superaram até mesmo o âmbito comercial do acordo, dando à França uma renovada projeção de força e política. Os franceses assinaram contratos do Rafale com Egito, Qatar, Índia e Emirados Árabes, além de vendas de modelos usados para a Grécia e a Croácia.

A primeira venda internacional do Rafale envolveu o Egito, em 2015, apenas quatro anos após os efeitos da Primavera Árabe. O país adquiriu 24 caças Rafale, avaliados, na época, em 5,9 bilhões de euros e dentro de uma política de modernização de seus meios militares. O Egito saia de uma grave crise interna, após depor dois presidentes em sequência, um deles eleito e derrubado em um golpe de Estado promovido por um general, que, aliás, ainda governa o país.

Há várias décadas, o Egito passou a utilizar equipamentos militares de vários fornecedores, contando com modelos F-16, MiG-29, Mirage 5, Mirage 2000 e Su-35. A estratégia sempre foi manter independência em caso de eventuais embargos, o que funcionou ao longo dos anos.

Já o Qatar é um caso peculiar. O governo do país é visto com desconfiança por boa parte do Ocidente. Recentemente, o emir Tamim bin Hamad esteve na lista de banidos dos Estados Unidos, da Europa e de alguns países vizinhos. Ainda que jamais tenha chegado a figurar em uma lista negra, o país sofreu algumas pressões internacionais.

O Qatar e o Ocidente mantém uma relação ambígua há vários anos

 

O governo era acusado de patrocinar terrorismo e de apoiar o Irã. Porém, como no campo diplomático nem tudo é o que parece, e o inimigo do meu inimigo é meu amigo, o Qatar retomou seus laços com as nações ocidentais e voltou a conversar com vizinhos.

Doha aproveitou a benevolência de ocasião do Ocidente para garantir ao menos sua defesa. De forma inédita no mundo, o Qatar escolheu não um caça, mas três modelos diferentes. O país tem um pedido para o F-15QA, o Eurofighter Typhoon e o Rafale. A intenção foi garantir que um eventual bloqueio não afete simultaneamente todos seus caças.

Em geral, uma ação coordenada pelos Estados Unidos, por exemplo, tende a ser seguida pelo Reino Unido, um dos sócios do Eurofighter, mas não necessariamente é aceito pela França. Da mesma forma, nem todo boicote ou tensão com França ou Inglaterra desencadeia uma reação nos Estados Unidos.

Assim, a força aérea do Emirado do Qatar garantiu que pressões ou conveniências políticas pontuais não vão afetar sua capacidade. A única chance de Doha sofrer um embargo que coloque os três aviões no chão é apoiar deliberadamente grupos terroristas que tenham como alvos a Europa, o Canadá ou os Estados Unidos, ou ainda deflagrar algum conflito com Israel, Emirados Árabes ou Arábia Saudita. A opção militar contra vizinhos é praticamente remota, visto a pouca capacidade do país em sustentar uma guerra de larga escala.

Os Emirados Árabes tentam adquirir o F-35, mas questões legais que envolvem termos bastante rígidos quanto a contraespionagem foram descritos pelo governo árabe como exagerados e que expressavam pouca confiança entre as partes. Além disso, Israel se opõe à venda, mesmo após ter reestabelecido suas relações formais com os Emirados Árabes.

Assim, em dezembro de 2021, Abu Dhabi confirmou a compra de oitenta Rafale F4, tornando os Emirados Árabes o segundo maior operador do modelo no mundo, atrás apenas da França.

A compra do caça permite não apenas modernizar sua força aérea, mas coloca pressão sobre um novo acordo com o F-35, além de garantir que qualquer objeção internacional será ignorada por Paris. Dias após a assinatura do contrato, o Human Rights Watch (entidade ligada aos direitos humanos) criticou a venda, afirmando que Abu Dhabi viola uma série de direitos humanos nos conflitos no Iêmen e na Líbia. A França nem sequer comentou formalmente a denúncia.

O acordo indiano é visto como uma via de mão dupla. Permitiu à França continuar fornecendo caças e outros equipamentos de defesa, ao mesmo tempo que fornece capacidade tecnológica e bélica à Índia.

A Índia mantém uma relação puramente comercial e voltada para seus próprios interesses no meio militar

 

O governo indiano, assim como o Egito, há vários anos mantém negociações militares com diversos países, sem medo de se sentar à mesa com Estados Unidos, Rússia, França ou qualquer um que possa atender a suas ambições.

A Índia é o único país dos BRICS que pode fazer frente à China no médio prazo, inclusive como potência mundial. Assim, o governo quer garantir independência tecnológica no médio prazo, acesso a novas capacidade e garantia que terá apoio Ocidental em caso de problemas com o Paquistão ou a China. Não por acaso, o país selecionou o Rafale, mas garantiu também um lote de Sukhoi Su-30MKI e trabalha em seus próprios projetos.

Clique aqui para ler: Como o F-35 se tornou uma apólice de seguro [Parte I]

* Adaptado da matéria APÓLICES CONTRA AMEAÇAS

publicada na edição 335 de AERO Magazine

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