O que levar em consideração antes de definir a compra de um avião ou helicóptero para uso privativo
Por Rodrigo Duarte Publicado em 13/12/2014, às 00h00 - Atualizado em 22/09/2023, às 16h00
A decisão de compra de uma aeronave requer estudos e análises capazes de reduzir os riscos de se despender indevidamente uma quantidade considerável de recursos a ponto de tornar a aquisição deste veloz meio de transporte mais um problema do que uma solução.
Há quem se deixe levar por modismos ou recomendações de amigos, supostamente entendidos, que sugerem o modelo X em detrimento do Y porque uma aeronave “faz mais” do que a outra. Nessa hora, a prudência deve prevalecer.
Dicas sem embasamento técnico costumam interferir negativamente na decisão de compra, algo indesejável quando se está falando de um bem de milhões de dólares. Não existe máquina boa ou ruim e, sim, aeronave bem ou mal escolhida.
Antes de adquirir seu próprio equipamento, o comprador de aeronave costuma ingressar no mundo da aviação privada através das portas de táxis-aéreos, fretando aviões ou helicópteros de acordo com sua necessidade, seja para viagens de turismo ou negócios.
Não é difícil se chegar a uma fórmula financeira para determinar o ponto de equilíbrio entre a quantidade de horas voadas no período de um ano e o custo dessa demanda com fretamentos ou aeronave própria. Isoladamente, no entanto, o custo financeiro direto pode ser insuficiente para se tomar uma decisão acertada.
Condições especiais de disponibilidade de aeronaves fretadas, custos de horas de espera ou pernoites devem entrar nos cálculos de viabilidade da “aeronave própria”, pois podem fazer toda a diferença no gasto total de uma operação. Ainda assim, há outras variáveis a serem consideradas na hora de comprar uma aeronave.
O aspecto principal que todo futuro proprietário de aeronave deve considerar é o tipo de voo para o qual está adquirindo a máquina. Imaginem comprar um avião com capacidade transoceânica para realizar majoritariamente voos de curtíssima duração – digamos, de menos de uma hora, como de São Paulo ao Rio de Janeiro.
Uma decisão como essa terá impacto imediato no custo, elevando-o de forma exponencial, já que nessa classe de aeronaves a primeira hora de voo tem um valor operacional extremamente elevado se comparada com as horas finais após um longo voo.
No caso de helicópteros, definir os tipos de voos nos quais a aeronave será empregada também pode fazer a diferença não só financeira como também operacional. Utilizar um helicóptero para viagens em cidades litorâneas não é a mesma coisa do que operá-lo em cidades muito acima do nível médio do mar, como São Paulo ou Belo Horizonte.
Determinar o modelo mais adequado, levando em consideração os trajetos e a quantidade de passageiros, mostra-se decisivo para a viabilidade operacional e realização ou não do voo.
De modo geral, não é difícil obter informações operacionais confiáveis de aeronaves concorrentes para depois compará-las. Uma boa dica é se inteirar de aspectos operacionais diretos envolvidos nas missões que pretende cumprir conversando com pilotos familiarizados com as aeronaves comparadas e saber quais os pontos fortes e fracos de cada uma.
Os fabricantes de aeronaves, por sua vez, publicam nas seções de performance dos manuais de voo informações técnicas oficiais, comprovadas durante a certificação dos equipamentos. Dados como autonomia, carga útil disponível, consumo e altitudes de voo são determinadas de forma a permitir que se chegue a valores confiáveis de cada operação. Também envolve o aspecto técnico a customização do interior da aeronave e os equipamentos opcionais que serão instalados além dos que já acompanham originalmente o projeto.
De acordo com a proposta de cada aeronave, podem ser instalados mais ou menos assentos na cabine principal de passageiros, como também itens de operação como câmeras de infravermelho para operações em locais de visibilidade muito ruim.
Não existe máquina melhor ou pior e, sim, aeronave bem ou mal escolhida
Para quem pensa que poderá lotar um avião ou helicóptero de passageiros e bagagens, encher totalmente o tanque de combustível e voar para onde der, esqueça! Provavelmente estará extrapolando algum limite operacional.
Na prática, quanto maior a altitude do ponto de partida ou de chegada do voo, menor será a disponibilidade de peso para se carregar a bordo, incluindo passageiros, carga e combustível, ou seja, se quiser ir mais longe, provavelmente terá de optar por menos pessoas a bordo ou uma parada a mais no caminho para abastecimento.
Para deixar mais claro, tomemos um caso concreto. Pense no jato Phenom 100 – é só um exemplo aleatório, poderia ser qualquer outra aeronave, avião ou helicóptero, de qualquer fabricante. Ele tem um peso máximo de decolagem de 4.750 quilos. Considere que seu peso básico (aeronave, óleos lubrificantes e combustível remanescente após drenagem do tanque) sendo de 3.235 quilos1, ou seja, há uma disponibilidade de peso de 1.515 quilos. Completamente cheio, o tanque de combustível chega a pesar 1.272 quilos, sobrando, assim, 243 quilos para serem divididos entre os dois pilotos, quatro passageiros e bagagens.
Se dividirmos essa quantidade de peso disponível pela quantidade de pessoas possíveis de serem colocadas a bordo, chegaremos ao peso médio de seis pessoas com 40,5 quilos (!) a bordo. Segundo levantamento do perfil antropométrico da população brasileira usuária do transporte aéreo (assinado por Sidney Cavalcante da Silva e Walace David Monteiro, ambos da Anac), o maior percentual de passageiros aéreos tem aproximadamente 39 anos de idade, mede 1,73 metro de altura e pesa 81 quilos.
Em outras palavras, estatisticamente, para se voar com tanque cheio nessa aeronave, o operador deve optar por levar menos gente, considerando, ainda, a altitude e a temperatura do ar no momento do voo, já que, quanto menos denso o ar, maior será a potência necessária para se realizar o voo2.
Para qualquer aeronave, vale essa mesma regra. Grosso modo, mais peso significa maior consumo de combustível durante o voo e mais pista necessária para decolagem e pouso. Portanto, definir bem o aspecto operacional de voo de uma aeronave para as missões a serem cumpridas poupará tanto o proprietário quanto seus pilotos de inevitáveis dissabores inerentes a uma escolha equivocada.
Mais peso significa maior consumo de combustível e mais pista para decolagem e pouso
A arte de comprar a aeronave adequada às necessidades de quem pretende usá-la pressupõe mais aspectos a serem considerados. Antes da aquisição, poucos atentam para detalhes dos programas de manutenção aos quais estará sujeita a aeronave. Onde a aeronave fará suas manutenções preventivas e obrigatórias? E as manutenções corretivas quando forem necessárias? E o suporte em caso de pane fora do local de hangaragem? Como o fabricante disponibiliza mão de obra e peças para que o proprietário não fique tempo demais com uma aeronave inoperante?
Ninguém quer ter sua aeronave parada por falta de peças ou porque determinada oficina não tem mão de obra capacitada ou disponível para lhe atender. Verifique também qual é o suporte oferecido pelo fabricante e de quanto em quanto tempo a aeronave deverá visitar a oficina.
Outra questão importante é a infraestrutura aeronáutica para se adquirir uma aeronave. O futuro proprietário tem de levá-la em conta. Um operador brasileiro se deparou com este problema ao adquirir um Boeing Business Jet: não havia muitos locais disponíveis para sua hangaragem, ou pátios disponíveis para o dia a dia de sua operação, nem muitos aeroportos capazes de receber uma aeronave desse tamanho e peso.
Com cada vez mais dificuldade de operar livremente, a aviação executiva paga hoje pela falta de planejamento dos aeroportos brasileiros. A flexibilidade oferecida por aeronaves privadas esbarra na necessidade de se reservar pátios de estacionamento para aeronaves, restrições para permanência de uma aeronave em solo por poucas horas e slots de decolagem e pouso em vários aeroportos. Algumas vezes o operador não consegue ajustar um desses itens e o voo tem de ser modificado para outro local ou até cancelado. Em suma, existe uma inter-relação entre o aspecto operacional e a infraestrutura disponível para a aeronave escolhida, o que poderá determinar um aumento do leque de aeroportos próprios para a sua operação.
O aspecto mercadológico de uma aeronave é também um fator importante na tomada de decisão. Em tempos de estagnação do mercado mundial de aviação executiva, as aeronaves usadas têm se tornado bastante atrativas ao se levar em conta os valores de aquisição. Como qualquer mercado, há a lei da oferta e da procura e hoje em dia existem algumas aeronaves com muita oferta de venda e poucos compradores. Além das leis de mercado, algumas aeronaves mais antigas têm sua operação limitada por questões de ruído ou pela falta de equipamentos de navegação a bordo compatíveis com as exigências de áreas extremamente congestionadas, ficando restritos a um determinado nível de voo (altitude) inferior ao seu FL ideal3. Assim, no futuro, quando se definir pela substituição da aeronave adquirida, esse item pode fazer a diferença se a estratégia for vender a aeronave em uso para a compra de outra.
Há os que preferem tudo novo e adquirem aeronaves “zero quilometro”, por estarem ainda dentro da garantia da fábrica, causando uma sensação de controle de custos. Uma boa dica para o proprietário de uma aeronave que busca o controle (nunca absoluto) dos custos de sua operação é fazer a assinatura de um programa de manutenção pago de acordo com as horas voadas. A maioria dos fabricantes disponibiliza esse produto, que torna mais fácil o planejamento financeiro de uma operação aérea, embora despesas imprevistas ou descobertas por esses programas sempre possam acontecer.
O comprador também tem de lembrar que a garantia está precificada no valor da aeronave nova, e descontada do valor de uma aeronave usada. Ou seja, no final das contas, a decisão será pagar mais logo no início da operação pela aeronave nova ou ir pagando de acordo com a necessidade do dia a dia na aeronave usada.
Se uma aeronave é bem operada e bem mantida desde sempre, a tendência é que jamais fique velha ou insegura. Novas tecnologias que possibilitam uma melhor performance operacional são o que se espera com novos lançamentos em detrimento de antigos clássicos de sucesso, mas toda essa modernidade – tal como a política de garantia – já vem precificada, apreciando o valor de uma aeronave.
O treinamento disponível para os pilotos da aeronave representa mais um ponto fundamental a se considerar na hora de comprar sua aeronave executiva. Para alguns modelos, existem poucos simuladores ou centros de treinamento capazes de preparar os pilotos de forma inicial ou para reciclagens operacionais periódicas. Ponderar sobre eventuais problemas operacionais por falta de tripulantes revela-se imperativo para uma escolha parcimoniosa de sua futura aeronave.
Finalmente, realize uma simulação dos voos a serem feitos e, com os resultados em mãos, verifique se os objetivos esperados serão atingidos. Conhecer as restrições operacionais, saber do tempo estimado de indisponibilidade durante um ano devido às manutenções e conhecer os aspectos de infraestrutura e treinamento são os principais pontos para que se chegue a uma decisão correta. A compra consciente de uma aeronave, com uma clara visão do que é possível ou não ser feito, sabendo o que esperar em seu dia a dia, é a chave para o sucesso de uma operação aérea segura e tranquila.