Aeronaves autônomas ou remotamente pilotadas ganham relevância em conflitos em que o inimigo pode ser qualquer um
Por Edmundo Ubiratan, de Washington (D.C.) e Pasadena (CA) Publicado em 23/01/2015, às 00h00
Passa da meia-noite. Estacionados no mar Vermelho e no golfo Pérsico, navios da quinta frota da Marinha dos Estados Unidos iniciam a campanha contra o grupo jihadista Estado Islâmico do Iraque e do Levante. O destróier USS Arleigh Burke e o cruzador USS Philippine Sea lançam seus mísseis Tomahawk em direção a alvos na Síria. No continente, sobrevoam o território sírio os bombardeiros B-1 Lancer e os caças F-22 Raptor, estes fazendo sua estreia em combate, juntamente com os MQ-4 Predator do 46th Expeditionary Reconnaissance Squadron, que decolaram de Balad, ao norte de Bagdá, e alguns MQ-1 Predator, também da força aérea norte-americana, que partiram da base aérea da OTAN em Incirlik, na Turquia. Ao longo do dia, as forças de coalizão destroem dezenas de instalações estratégicas dos extremistas jihadistas, responsáveis por decapitações e genocídios. Um ataque aparentemente similar aos demais realizados pela OTAN no Oriente Médio nos últimos anos não fosse por um detalhe estratégico: pela primeira vez, aeronaves remotamente controladas assumem um papel chave nas missões, tanto prestando informações de inteligência como participando ativamente dos ataques.
O General Atomics MQ-1 Predator é capaz de permanecer em voo por até 14 horas, subindo a 25.000 pés, com mínima assinatura via infravermelho e baixo nível de ruído. O modelo dispõe de um sistema AN/AAS-52 Multi-spectral Targeting, uma câmera de captação de raios infravermelhos e outra de vídeo, além de possuir dois pontos duros sob as asas, que permitem carregar dois mísseis AGM-114 Hellfire. Durante a ação, os veículos aéreos não tripulados (ou vant) de vigilância registravam a movimentação dos integrantes do grupo radical, fornecendo ao controle da operação dados fundamentais para guiar os ataques.
“Essa operação é similar às últimas guerras em que os Estados Unidos empregaram todo seu poder bélico. Usamos contra o Estado Islâmico o que existe de mais moderno no nosso arsenal, incluindo as aeronaves não tripuladas, que se tornaram um diferencial no combate moderno, especialmente em ações contra alvos irregulares”, explica o coronel Stephen Ganyard, da USMC (United States Marine Corps, ou fuzileiros navais).
As chamadas guerras irregulares, ou não convencionais, envolvem forças militares e grupos terroristas, guerrilhas, insurgentes e movimentos de resistência. Ao contrário de uma guerra convencional entre países ou forças militares, em que se conhecem os alvos, a guerra irregular é um conflito nas sombras, e o inimigo pode ser qualquer cidadão armado com um artefato explosivo escondido sob a roupa. É uma guerra durante a qual é necessário o uso maciço de serviços de inteligência e ataques cirúrgicos, pois o alvo, em geral, está escondido entre a população civil. É nesse cenário que as aeronaves não tripuladas ganham relevância ao oferecerem a seus operadores a possibilidade de monitorar a centenas de metros de altitude a movimentação de suspeitos, tendo condições, ainda, de efetuar um ataque preciso mesmo em áreas densamente povoadas.
Em 2002, um ataque contra um dos mais importantes membros da Al-Qaeda demonstrou a precisão e o poder dos também chamados drones (vocábulo inglês usado numa acepção figurada da ideia de zangão, o macho da abelha, ou de seu zumbido). Na ocasião, a CIA (Central Intelligence Agency) localizou o iemenita Qaed Salim Sinan al-Harethi, estrategista do grupo terrorista e um dos mentores do ataque ao contratorpedeiro USS Cole, em outubro de 2000, que vitimara 17 marinheiros. Após a confirmação de que al-Harethi estava num carro que viajava por uma estrada a oeste de Sanaa, no Iêmen, um dos MQ-1 Predator da CIA lançou um míssil AGM-114 Hellfire contra o veículo em movimento, num ataque cirúrgico.
Dias antes do início da campanha contra o Estado Islâmico, um ataque promovido por um General Atomics MQ-9 Reaper matou Ahmed Abdi Godane, líder da milícia radical islâmica somali Al Shabab, ligada a Al-Qaeda. O MQ-9, ou Predator B, é uma evolução do MQ-1, contando com um novo motor turbo-hélice Honeywell TPE331-10 de 900 shp (671 kW) e capacidade para transportar até oito mísseis. Seus sistemas permitem localizar e confirmar a identidade de um alvo, assim como conseguem distinguir pessoas e objetos com incrível precisão. Desde meados de 2011, Washington vem intensificando o uso de drones nos ataques contra grupos extremistas em países como Somália, Iraque e Iêmen. Desde que entrou em serviço, em 1995, o MQ-1 Predator já realizou mais de 80.000 missões em ações no Afeganistão, Bósnia, Iêmen, Iraque, Líbia, Paquistão, Sérvia e Somália.
Embora a visita a diversas instalações militares norte-americanas seja proibida, a reportagem de AERO pôde conhecer de perto as operações de um centro de controle de aeronaves não tripuladas. Os americanos, assim como algumas nações da OTAN, possuem uma frota com diversos modelos de drones, destinados a uma ampla gama de missões. Os famosos Pretador, que são amplamente utilizados em missões de ataque, possuem não apenas uma versatilidade de emprego prático, mas também um modelo de operações extremamente flexível.
O centro de controle, em geral, pode ser transportado para áreas estratégicas, como bases aéreas aliadas, permitindo seu emprego em escala global. O console de operações lembra muito o interior de aeronaves AWAC (Airborne Warning and Control System), incluindo a filosofia de uso C3 (comando, controle e comunicações). Um operador é responsável pelo voo e executa os comandos de modo similar aos realizados em uma aeronave convencional, considerando dados de altitude, velocidade, potência, parâmetros dos sistemas e assim por diante. A principal diferença é que o voo ocorre de forma remota. Numa analogia simples, assemelha-se a voar um aeromodelo por intermédio de um computador (não de um radiocontrole). O outro tripulante promove as demais operações da missão, como controlar os sistemas de câmeras.
O console possui seis grandes telas, que podem exibir informações de missão como mapa, imagem infravermelha, telemetria e parâmetros do voo. À frente de cada um dos operadores, duas telas informam detalhes da missão, muitas delas sigilosas e enviadas apenas durante a operação. Um teclado QWERTY divide espaço com os sistemas de controle do drone, como acelerador e joystick. Por possuir mais espaço, sem grandes limitações de peso, os rádios a bordo são mais parrudos e com maior potência do que os geralmente empregados em aeronaves tripuladas. Um destaque desses módulos de controle é o de permitir que forças aéreas integrem ou removam os sistemas de acordo com a missão realizada. Os pilotos possuem total controle dos drones através de uma complexa rede de datalink, que permite operar as aeronaves a milhares de km de distância.
Outros drones, como aqueles destinados a missões de longa duração e grande alcance, podem ser operados em centros de controle de missão muito mais complexos. Dois desses centros de controle, instalados na sede da CIA, em Langley, Virgínia, são destinados a missões consideradas de alta prioridade e elevado grau de segurança nacional. O conceito básico se assemelha ao modelo adotado pela NASA para controle de missões espaciais, possuindo uma complexa rede de comunicação, incluindo links via satélite e broadcast, assim como uma grande equipe destinada não apenas a voar o drone, mas, também, acompanhar e comandar em tempo real qualquer ação.
Outros centros de controle estão espalhados pelos EUA. Um deles é o do 9th Reconnaissance Wing, responsável pelos Northrop Grumman RQ-4 Global Hawk, na base aérea de Beale, na Califórnia. Os RQ-4 Global Hawk podem ser enviados a qualquer parte do mundo, decolando de lá. Recentemente, alguns desses drones partiram da Califórnia e voaram até o Afeganistão pelas chamadas Rotas do Norte, passando por Canadá e Ásia.
Mais um operador do RQ-4 é o 69th Reconnaissance Group, que fica sediado na base aérea de Grand Forks, na Dakota do Norte, e conduz missões ao redor do mundo. Porém, drones destinados a operações táticas, no campo de batalha, possuem um sistema extremamente simples e que permite ter apenas um operador. Muitos desses sistemas são transportados numa maleta.