Ainda experimental o Epic LT combina eficiência com tecnologia de fibra de carbono e desempenho turbo-hélice
Por Ricardo Crespo | Fotos Somma Aviation Publicado em 16/12/2013, às 00h00 - Atualizado em 30/09/2024, às 10h00
No final de 2013 a equipe de AERO Magazine teve a oportunidade de voar o então experimental Epic LT, que prometia revolucionar o mercado de monoturbo-hélices com uma futura versão certificada. Leia abaixo a experiência e o que havia de novidades no projeto em 2013.
Recebi com entusiasmo, e alguma curiosidade, o convite para voar o moderno monomotor turbo-hélice Epic LT, uma aeronave muito bem construída, totalmente composta por fibra de carbono.
O avião fez sua estreia no Brasil durante a Labace 2013 com a exposição de uma versão top de linha com custo de US$ 2,75 milhões. Existem atualmente [Agosto de 2013] pelo menos 44 modelos Epic LT em operação no mundo e pouco menos de 10 em produção – os últimos experimentais, já que a expectativa é passar a trabalhar apenas com modelos certificados.
A máquina que testaremos é a de número de série 32. Chegamos ao Aeroclube de Piracicaba, no interior de São Paulo, logo pela manhã. A meteorologia favorável promete um voo excepcional.
Realizamos o briefing no hangar da Skydive Paraquedismo, que nos garante o suporte necessário à missão. O desempenho do Epic proporciona alta velocidade, o que justifica a seleção de um bimotor Navajo como aeronave “paquera” a partir da qual serão produzidas as fotos em voo.
Definidos os procedimentos normais e de emergência, bem como a sequência do voo, me aproximo da bela aeronave de matrícula N37WJ, pintada com uma combinação harmoniosa de prateado com azul. A primeira impressão é a de que estou diante de um avião robusto, e cuidadosamente fabricado.
O processo de fabricação diferencia este turbo-hélice feito de fibra de carbono. Tivemos acesso aos detalhes de construção do Epic LT S/N 32 que está de passagem no Brasil. Ao contrário do que acontece com aeronaves fabricadas com “chapas de alumínio”, o avião que ensaiaremos constitui-se de uma peça inteiriça.
Em uma primeira etapa de produção, a fibra de carbono deixa de ser uma “malha” e toma o formato das peças que irão compor o avião. Para que o processo ocorra de forma segura, o ambiente tem umidade e temperatura controladas eletronicamente.
O conjunto formado por estabilizador horizontal e profundor é concebido em uma peça única e, depois, refilado. O resultado final é um encaixe preciso. Mantas de fibra à base de algodão são colocadas de modo que se garanta uma superfície lisa, sem imperfeições, facilitando também a retirada dos moldes.
Nos bordos de ataque, alguns encaixes servem para a instalação dos “boots”, que ficam embutidos na estrutura, contribuindo, dessa maneira, para reduzir a geração de arrasto em voo.
Cada camada de fibra de carbono colada possui uma trama diferente, a 45º e 90º, o que garante resistência em todos os vetores de força. Após a colagem das primeiras camadas de fibra, a forma é lacrada e colocada em vácuo para a retirada de bolhas e imperfeições, permanecendo algumas horas nessa condição.
Depois, uma tela de “honeycomb”, que tem o formato similar ao de uma colmeia, é usada para aumentar tanto a resistência como a dissipação de energia estática e elétrica. Finalmente, a peça recebe novas camadas de fibra de carbono antes de ser lacrada a vácuo, seguindo, então, para um imenso forno, onde sofre diversos choques térmicos e ganha resistência.
Todas as superfícies de comando do avião têm longarinas em seu interior, que seguem esse mesmo processo de fabricação. Algumas malhas de fibra de carbono na carenagem do motor são feitas utilizando-se um método diferente, já que não vão ao forno (autoclave). Em vez disso, ganham resistência por meio de um processo químico. Zelando pela padronização na montagem dos perfis, as peças são fechadas com Hysol, um potente fixador industrial.
As linhas aerodinâmicas fluidas e suaves fazem do Epic LT um dos mais bonitos aviões que tive a oportunidade de voar. Aqui em Piracicaba, ao verificar o interior deste experimental norte-americano, o que me impressiona desde o primeiro momento é o excepcional espaço interno, principalmente quanto à altura do teto da aeronave.
Capaz de transportar com conforto quatro passageiros, além dos dois ocupantes dianteiros, o avião oferece um requintado acabamento, o mesmo na cabine de comando. No cockpit, que possui assentos ergonomicamente projetados, os pilotos contam com regulagem elétrica de altura e inclinação, assim como um ajuste mecânico de distância em relação ao painel.
O painel possui três grandes telas EFIS, que facilitam muito o trabalho de quem as comanda, além de auxiliar sobremaneira na manutenção da consciência situacional. O piloto pode facilmente gerenciar seu voo com as principais informações de desempenho da aeronave, em uma única tela. O sistema inclui radar meteorológico, sistema de alerta de tráfego (TCAS), sistema de alerta de proximidade do terreno (TAWS) e planejamento de navegação e plano de voo.
Um pedestal central concentra os manetes (potência, hélice e combustível) e a operação de partida pode ser considerada simples, e “padrão” dos motores Pratt & Whitney. Os comandos longitudinais e laterais de voo são efetuados por meio de manches tradicionais nos dois postos de pilotagem.
Existem botões de comandos do rádio, compensadores de aileron, profundores e leme, acoplamento e desacoplamento do piloto automático, dentre outros. O Epic LT tem um sistema de pressurização com diferencial de 6,5 psi (libra-força por polegada quadrada), cujo processo se dá automaticamente logo após o ajuste da altitude desejada.
Outro aspecto que merece destaque é a ótima visibilidade proporcionada por dois amplos para-brisas que envolvem a cabine, e produzem um bonito efeito visual da aeronave.
A história da Epic Aircraft é curiosa, e cheia de altos e baixos. Fundada em 2004 por Rick Schrameck, a empresa se estabeleceu em Bend, Oregon, Estados Unidos da América, que fica em uma região com baixíssima umidade, oferecendo as condições ideais não só para o manuseio de fibra de carbono como, também, para os voos de teste.
Rick Schrameck mostrou-se um sonhador incorrigível durante o período em que conduziu a empresa. Desenvolveu quatro projetos, sendo dois turbo-hélices e dois jatos, todos de categoria experimental, com intenção inicial de certificar dois modelos.
Desenvolver tantos projetos e querer iniciar duas certificações simultaneamente, em um momento de crise econômica (2009), levou a companhia à insolvência. Como resultado, muitos clientes que haviam iniciado a montagem de suas aeronaves tiveram o processo paralisado quando a empresa declarou falência.
Naquele momento, diversas empresas se mostraram interessadas na compra tanto dos projetos quanto da estrutura da Epic, inclusive a Avic (empresa estatal chinesa), que quase concluiu a aquisição.
Diante das circunstâncias, clientes e proprietários se juntaram para montar a Epic Builders Group, uma empresa formada por proprietários dos Epic LT e Escape, que fez uma oferta maior pela Epic e acabou arrematando os ativos e o know-how da fábrica.
A Epic Aircraft retornou às atividades em julho de 2010, sob o comando de Douglas King (líder do grupo de proprietários), voltando a produzir o Epic LT (modelo mais popular da marca) e arquivando os demais projetos.
Menos de dois anos depois, no início de 2012, a empresa russa Engineering LLC, especializada em serviços MRO, comprou a empresa e passou investir pesado para a certificação do Epic LT, contratando diversos funcionários e triplicando o tamanho da estrutura da fábrica.
No Brasil, a Somma Aviation, do Grupo Cavemac, é o representante exclusivo da Epic Aircraft desde o início de 2013. Sócio-proprietário da empresa, Gianfranco Tropi Somma tomou conhecimento do avião em 2010, mas só conseguiu estabelecer contato com a empresa em 2012, por conta do período de inatividade.
“Tivemos a primeira conversa durante a Air Venture, em Oshkosh, daquele ano. Logo depois, marcamos uma visita à fábrica em Bend e, em pouco tempo, decidimos investir na Epic, que vive seu melhor momento, tem um excelente projeto e demonstra plena intenção, com reais condições, de obter a certificação da aeronave”, conta Somma.
Procedimento de partida finalizado, iniciamos um táxi tranquilo, com a utilização dos pedais que comandam a perna dianteira do trem de pouso. Praticamente não usamos freios para efetuar curvas no solo. Alinhamos na cabeceira 17 de Piracicaba e iniciamos a corrida de decolagem sem percalços.
O sistema de compensação do torque atua com eficiência para compensar o efeito dos 895 kW (1.200 hp) produzidos pelo motor Pratt & Whitney PT6A-67A. Há folgada “sobra” de potência e, rapidamente, atingimos a VR (Velocidade de Rotação) na aeronave, exigindo uma redução do manete na decolagem.
Trem de pouso e flaps recolhidos, prosseguimos para a área pré-definida para o voo de performance e ensaio fotográfico. Enquanto aguardamos a decolagem do Navajo, o piloto e proprietário do N37WJ demonstra a excepcional razão de subida do Epic LT, com 295 km/h (160 nós) indicados e uma razão positiva de 915 m (3.000 pés) por minuto, desempenho suficiente para nos colocar no nível de voo 120 (FL 120) ou 3.660 m em poucos minutos.
Aguardamos a chegada do Navajo e nos reunimos na ala para as fotos. A alta velocidade da aeronave e os compensadores elétricos de ailerons e profundores exigem um esforço adicional para manter o Epic LT bem posicionado. Logicamente, tais características são positivas em uma aeronave feita para subir a 8.535 m (FL 280) e cruzar a 600 km/h (325 nós) de velocidade.
Apesar do alto desempenho, as características de voo e as respostas dos comandos, tanto em alta quanto em baixa velocidade, são muito estáveis. Após o voo de fotos, configuro o Epic LT para um voo em baixa velocidade e na configuração de pouso, com trem e flaps baixados. Surpreendentemente, as características de voo e controle permanecem as mesmas, com muita facilidade para se efetuar curvas e com boa eficiência dos controles de voo.
Na parte final da operação, perfazemos uma descida de emergência simulada, mantendo uma velocidade de 530 km/h (285 nós), com razão de descida de 2.135 m (7.000 pés) por minuto. Apesar da velocidade elevada, descemos com nível de ruído aceitável, sem notar qualquer tendência ou dificuldade. Ao ingressarmos no circuito de tráfego, os amplos para-brisas facilitam a identificação da posição do aeródromo e as boas características aerodinâmicas tornam a pilotagem prazerosa e muito divertida.
Durante a fase de aproximação, ingressando no circuito de tráfego, não obtivemos indicação de travamento ao comandarmos o abaixamento do trem de pouso do nariz. Por segurança, executamos uma passagem baixa sobre a pista de táxi e solicitamos ao pessoal de solo, via rádio, uma avaliação visual da situação.
Obtivemos uma resposta do engenheiro da Epic de que o trem de pouso de nariz, aparentemente, está baixado e travado, porém desalinhado em aproximados 45 graus em relação ao eixo longitudinal da aeronave.
Efetuamos a aproximação final com uma velocidade segura, de 170 km/h (92 nós). Apesar da irregularidade do trem de pouso de nariz, o toque ocorre sem consequências adversas. O comportamento do Epic LT em todas as fases do pouso (final, arredondamento, palie e toque), credita-o como um dos mais dóceis que pude voar.
Em solo, inspecionamos visualmente o trem de pouso do nariz. "O trem de pouso desta aeronave é do modelo antigo e possui guia o guia mais curto do que o ideal, o que, em uma decolagem na qual muito pedal fosse usado, o pino do guia poderia ir para fora dele, por isso da ocorrência. As aeronaves mais recentes já tem o guia corrigido", explica Gianfranco Somma.
Realizamos uma corrida curta após o toque. A operação em pistas com comprimento reduzido pode ser ainda mais segura, com a utilização do passo reverso, encurtando a distância de pouso, definida pelo fabricante nos dados de desempenho como 560 metros, com obstáculo de 15 m (50 pés).
Finalizado o voo de ensaio, desembarco do Epic com as melhores impressões possíveis, com destaque para o bom alcance de voo em cruzeiro econômico, que passa dos 3.000 km, e a ótima velocidade de cruzeiro de 500 km/h (270 nós).
Destaque, ainda, para o excepcional espaço da cabine destinada aos passageiros, bem como o diferenciado grau de acabamento interno e externo em todos os aspectos, que traduzem o grande potencial da aeronave no disputado mercado de aeronaves executivas. O padrão de pintura totalmente lisa, sem qualquer tipo de aresta ou rugosidade na superfície, dá o toque final nesse eficiente e bem-sucedido “puro-sangue” norte-americano.
O Epic LT é mais uma boa opção de aeronave no mercado e suas características o colocam como um forte concorrente com boa relação custo-benefício, boa relação peso/potência, ótima razão de subida e um eficiente sistema de pressurização. Além de possibilitar decolagens mais curtas, o Epic LT tem a maior Vmo, a maior carga paga e a cabine com maior altura de sua categoria.
Para Gianfranco Somma, os monomotores turbo-hélices são seguros, e mais econômicos na comparação com os bimotores. “Estudos mostraram que o número de acidentes fatais causados por falha no motor é maior entre aeronaves multimotor do que entre os monomotores”, justifica o executivo. “Além disso, há uma grande diferença de custo operacional, e de aquisição, na comparação com aeronaves de mesmo ano de fabricação”.
O Epic LT tem o maior espaço interno na categoria até seis lugares, a melhor razão de subida – chegando a 915 m/min (3.000 fpm) –, a maior velocidade máxima de cruzeiro, 600 km/h (325 ktas), a maior carga paga com tanques cheios (530 kg), a melhor relação peso/potência (3,4 kg/hp), um dos maiores alcances máximos, 3.015 km (1.628 nm), a Velocidade Nunca Exceder de 150 km/h (280 kias) e o maior diferencial de pressurização (6.5 psi)” do Epic na comparação com modelos certificados.
O principal desafio da Epic Aircraft neste momento é a certificação do LT pelo FAA, o que deve acontecer em meados de 2015, se tudo correr conforme o planejado. A versão experimental fica restrita a voar até o FL280, e só pode operar TPP.
“A Epic Aircraft já está encerrando a produção de aeronaves experimentais e irá prosseguir somente com a versão certificada, o Epic LT E1000.
Nessa versão teremos uma perspectiva ainda melhor no Brasil. A fábrica dobrou sua estrutura e está contratando muitos funcionários para que esse processo seja o mais rápido possível. A meta de produção para o LT E1000 é de uma aeronave a cada semana, algo difícil, que eles dizem ser possível, desde que tenham concluído um projeto de robotização de alguns setores da produção”.
Epic LTFabricante Epic AircraftRepresentante no Brasil Somma Aviation Preço (versão homologada básica, estimado) US$ 2.750.000,00 Preço (versão experimental top de linha nacionalizada, indisponível) US$ 2.750.000,00 Assentos 6 Construção Fibra de carbono Pressurização 6.5 psi Motor 1 turbo-hélice Pratt & Whitney PT6-67A Potência 895 kW (1.200 shp)DimensõesComprimento 11,22 m Envergadura 13,10 m Altura 3,80 m Área alar 19 m² Comprimento da cabine 4,57 m Largura da cabine 1,40 m Altura da cabine 1,50 mPesosVazio 2.000 kg Máximo de decolagem 3.400 kg Máxima carga paga com tanque cheio 520 kgPerformanceVelocidade máxima 600 km/h indicados (325 KTAS) Velocidade econômica 490 km/h indicados (265 KTAS) Teto operacional 8.535 m (28.000 ft) Tempo de subida 12 min até 8.535 m Alcance * 2.565 km Alcance em cruzeiro econômico* 3.000 km Distância de decolagem ** 490 m Distância de pouso ** 560 m Capacidade de combustível (1.160 litros) 1.115 litros úteis* Com reserva e carga útil máxima **Acima de obstáculo com 50 metros |
* Publicado originalmente na AERO Magazine 235 · Dezembro/2013