Voamos os rivais para avaliar qual destes dois monomotores a pistão apresenta melhor performance
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado em 07/10/2019, às 02h14
A família Cirrus SR e o atual Cessna TTx possuem uma origem comum, na aviação experimental. Existe no idioma inglês uma expressão popular que ajuda a explicar a correlação entre um e outro: “birds of a feather”, ou pássaros de mesma plumagem, numa tradução livre. Ambos surgiram na década de 1990, logo após a justiça norte-americana banir a lei que responsabilizava os fabricantes aeronáuticos por qualquer acidente. Na época, a NASA lançou o AGATE (Advanced General Aviation Transport Experiments) na tentativa de dar fôlego à aviação geral e criar novos horizontes para projetistas e fabricantes. Entre as principais inovações do programa estava o desenvolvimento do Natural Laminar Flow, que estabeleceu condições para o desenvolvimento de um aerofólio – o NLF 0215-F – capaz de melhorar o desempenho do avião nas fases de decolagem, subida, voo de cruzeiro e pouso. Além disso, tanto o projeto criado pela Lancair, que deu origem anos mais tarde ao TTx, quanto o da Cirrus aproveitaram estudos conduzidos pelo Langley Research Center, da NASA. Um dos destaques é o leading edge cuffs, uma mudança no perfil das asas que melhora de forma bastante eficiente o ingresso inadvertido em condições de estol, especialmente devido ao uso do aileron em situações de pré-estol. O grande alongamento e as pontas das asas levemente afiladas para cima, o que inibe a tendência de guinada, também são comuns aos dois modelos.
Novo Cessna é o herdeiro do Columbia 400 e por algum tempo foi comercializado como Corvalis
No início dos anos 2000, a Cirrus e a então Columbia rivalizavam nas vendas dos monomotores a pistão de alta performance. Por uma série de questões, a Columbia acabou vendida para a Cessna, que rebatizou os Columbia 350 e 400 como Corvalis 350 e 400, respectivamente. Para desventura da Cessna, meses após a compra da Columbia, surgiu no horizonte uma das mais graves crises financeiras da história contemporânea. Com a recessão, a Cessna, que mal havia iniciado a produção do Corvalis, teve de mudar toda sua estratégia de mercado. A situação piorou de vez quando a empresa verificou uma delaminação de 2 m na asa do Corvalis durante um voo de aceitação, o que provocara perda de combustível. A FAA emitiu uma diretiva de aeronavegabilidade de emergência para os sete aviões produzidos pela empresa, proibindo qualquer um deles de voar.
Um estudo de engenharia mostrou uma série de falhas na produção. A Cessna se viu diante de um enorme desafio: manter a rentabilidade de um projeto no meio de uma profunda crise e ainda evitar qualquer dano de imagem ao modelo que nem havia se mostrado economicamente viável. Paralelamente, a Cirrus tomava a liderança no segmento de aeronaves monomotoras a pistão, desbancando rapidamente todos os tradicionais fabricantes norte-americanos, ainda que o SR22 Turbo não conseguisse manter o mesmo apelo comercial e técnico da versão aspirada. Um dos problemas era de estratégia de mercado. A Cirrus optou por manter o motor aspirado que recebia um kit turbo normalized, da Tornado Alley. Embora fosse inteligente do ponto de vista industrial, pois o SR22 aspirado e o turbo compartilhavam o mesmo motor, a solução se mostrou comprometedora em termos de desempenho. O modelo logo ficou famoso por apresentar uma série de limitações, como aquecimento exagerado do motor e um voo que exigia atenção especial do piloto.
Enquanto a Cirrus patinava nas vendas da versão Turbo, a Cessna decidiu reprojetar o Corvalis 400 e o rebatizou TTx. Eram tantas as mudanças que o fabricante precisou trabalhar dentro das últimas revisões do Part 23, já que o avião acabou construído sob um certificado de tipo alterado. Uma das alterações mais importantes dizia respeito às asas, construídas em uma única peça, com duas longarinas, o que permitiu ao avião ser certificado como utilitário. Aqui vale um adendo. Ao ser certificado como utilitário, o avião recebe alguns benefícios, o que torna a categoria bastante atraente. O primeiro deles se refere à resistência estrutural. Os utilitários podem ser submetidos a 4,4 g de força enquanto os modelos enquadrados na categoria normal não podem ultrapassar o limite de 3,8 g. Para desfrutar dessa condição, o avião precisa passar por uma extensiva inspeção de integridade estrutural a cada 3.000 horas. Além disso, há um aumento da vida útil. No caso do TTx, a vida útil é de 25.000 horas.
O novo TTx se destaca por sua performance, mantendo as características esportivas do projeto original. No mercado, porém, o modelo ainda encontra alguma resistência por parte dos compradores e tem como rival a Cirrus, que em julho entregou a aeronave de número 6.000 da família SR. Entre os pilotos, no Brasil e nos EUA, sempre se fez a comparação entre ambos, mas, formalmente, há poucas referências e comparativos entre os modelos. Com o lançamento do novo Cirrus Turbo, que conta com o motor Continental TSIO-550-K – um turbocharged genuíno –, surge a oportunidade de comparar de forma honesta ambos os modelos. E é o que vamos fazer nas próximas páginas.
Confesso que sempre tive curiosidade de saber qual destas aeronaves oferece ao proprietário e ao piloto a melhor experiência de voo. Especialmente porque o Cirrus foi um dos primeiros aviões de alta performance que voei. Para realizar tal comparativo, aproveitei uma recente viagem aos Estados Unidos, onde pude conhecer e analisar ambos, no mesmo aeroporto, como um consumidor qualquer, sem me apresentar como jornalista, para dar legitimidade à comparação. O critério de avaliação foi baseado exclusivamente em dados técnicos e operacionais. Demos para cada item uma nota de 3 a 5. Sendo 3 (satisfeito), 4 (muito satisfeito) e 5 (completamente satisfeito). Não existe motivo para uma nota inferior a 3, já que a aviação atual certificada não possui nenhum item que posa ser considerado péssimo ou mesmo ruim. Seria menosprezar de forma bastante arrogante as incontáveis horas gastas em engenharia de qualquer avião. Da mesma forma, itens que têm avaliação subjetiva, como opinião pessoal, serão apontados, mas sem receber qualquer nota, já que gosto não se discute. Os voos ocorreram no mesmo dia, com condições climáticas praticamente idênticas, incluindo a temperatura que era de 29o C e pressão atmosférica de 1012 hpa.
Interior do Cessna TTx e seu painel com as tipicas varetas da linha Cessna
Durante a inspeção externa do Cessna TTx, padrão, recebo a informação de que o modelo conta agora com o motor Continental TSIO-550-C biturbo. O novo propulsor oferece 310 bhp a 2600 RPM. Em comparação ao modelo anterior, o TSIO-550-N, ele é mais leve 80 kg. O modelo conta com um hélice Hartzell tripá de 78 inches (1.98 m) de diâmetro com atuação hidráulica e velocidade constante. O Cirrus, por sua vez, conta com um motor Continental TSIO-550-K, que oferece 315 bhp a 2500 RPM. Embora seja o mesmo motor, alguns refinamentos tornaram possível essa pequena diferença de potência no modelo utilizado pela Cirrus. O modelo também dispõe de uma hélice Hartzell tripá de 78 inches de diâmetro e velocidade constante.
Observando de longe, muitos confundem o TTx e o Cirrus. Para leigos, realmente parecem idênticos. Todavia, basta uma análise um pouco mais criteriosa para notar as diferenças entre os dois modelos. O Cessna possui um desenho que preza aerodinâmica, conferindo linhas mais fluidas e um visual mais agressivo. O para-brisa é bastante inclinado, com a linha principal seguindo por toda a fuselagem até chegar ao estabilizador vertical. Destoa apenas do conjunto o trem de pouso dianteiro, resumido a uma linha reta entre a fuselagem e a roda. No caso do Cirrus, as linhas são mais avantajadas, com um desenho mais robusto. Para garantir um melhor aproveitamento do espaço interno, os engenheiros da Cirrus optaram por penalizar parte da aerodinâmica. Mas fizeram um belo trabalho no trem de pouso dianteiro, que se mostra muito mais harmonioso em relação ao desenho geral do avião do que o do TTx.
Os trens de pouso possuem diferenças entre um modelo e outro. A Cessna construiu um trem de pouso com estrutura metálica, similar ao adotado em toda a família a hélice, o que confere ao TTx grande robustez. Já a Cirrus desenvolveu um trem de pouso capaz de suportar a maior parte da carga gerada pelo impacto do pouso vertical, para o caso de uso do paraquedas. Essa situação faz com que muitos pilotos considerem o trem de pouso do Cirrus mais frágil, o que só faz sentido se o avião precisar fazer um pouso realmente duro fora dos limites do manual.
O paraquedas é um dos itens mais polêmicos entre os dois rivais. De um lado, a Cirrus defende a segurança comprovada do dispositivo, de outro a Cessna critica a instalação de um artefato explosivo no avião, justamente o que permite a abertura do paraquedas. Uma vez acionado, o sistema obrigatoriamente pousará o avião na vertical, sem qualquer ação do piloto. Hoje é inegável o apelo do paraquedas, seja no momento da venda, seja em uma situação real de emergência – o dispositivo já comprovou sua segurança. Para os pilotos, é normal pensar em pousar o avião em emergência, mas, após conhecer o CAPS (Cirrus Airframe Parachute System), ele se torna um item a ser considerado na hora da compra. É o mesmo que escolher entre um automóvel que dispõem apenas de dos airbags frontais e outro com sete airbags. O briefing para acionamento do paraquedas deve ser feito para todos os ocupantes. Mesmo que a decisão de uso seja do piloto em comando, é fundamental que os demais passageiros saibam proceder, para o caso de o piloto estar incapacitado. O acionamento se reduz a puxar a alavanca.
Ao abrir a porta do TTx, surge outra diferença substancial. O acesso se dá através de portas tipo gaivota, que são abertas para cima. No caso do Cirrus, as portas abrem para frente. A vantagem do projeto do TTx é a facilidade para abrir e fechar a porta, ainda que exija algum contorcionismo dos passageiros para embarcar no banco de trás. Além disso, como a porta abre para cima, há um conforto adicional em dias de garoa fina. Com parte do habitáculo protegido das gotas de chuva, o piloto não precisa se apressar para desembarcar da aeronave. Parece clara a preocupação que a Cessna teve de melhorar o acabamento. Nos modelos Corvalis 350/400 era nítida a falta de esmero em alguns detalhes, o que foi corrigido na versão atual.
A ergonomia do TTx poderia ter sido revista, especialmente em relação à disposição das telas. A Cessna manteve o mesmo layout de cabine, padrão na maioria dos aviões com glass cockpit, com as duas telas fixadas no painel de forma plana. A Cirrus montou a tela do MFD (Multi-Function Display) ligeiramente voltada para a esquerda, facilitando a leitura para quem voa à esquerda sem afetar a visualização para quem eventualmente pilote à direita.
Também chama atenção a altura do painel do TTx, incomum para aeronaves da categoria. Ainda que seja relativamente mais alto e conte com para-brisa menor, a visibilidade não sofre nenhuma limitação. O espaço interno é um dos motivos de intensa campanha de vendas de ambos os fabricantes. A Cessna destaca em geral o amplo bagageiro, enquanto a Cirrus mostra o quinto assento. As medidas internas são 49 pol de altura na dianteira do TTx, com 34,5 pol de altura no assento traseiro, 139,6 pol de comprimento total de cabine, 48,17 pol de largura na parte dianteira e 38,50 pol na seção traseira.
O Cirrus SR22 conta com 49,7 pol de altura na dianteira, 38,5 pol na seção traseira, 122 pol de comprimento total de cabine, 49,3 pol de largura na parte dianteira e 39,8 pol na seção traseira. Na prática, para uma pessoa de porte médio, com 1,70 m de altura e 70 kg, a mudança entre ambos é insignificante. A maior diferença é o quinto assento, que, na prática, permite apenas o transporte de uma criança de até 6 anos entre dois adultos. Os engenheiros da Cirrus conseguiram encaixar o assento extra ao mudar a fixação do banco traseiro, aproveitando a largura máxima da cabine. Esse novo banco possui o chamado Cirrus LATCH (Lower Anchors and Tethers for Children), que é uma solução para transporte de crianças pequenas.No dia a dia, ambos os modelos contam com quatro lugares, considerando que o piloto é o proprietário.
Painel Garmim 2000 do TTx tem controle sensível ao toque
A maior diferença entre os dois aviões está na aviônica. Por vários anos a Cessna manteve o G1000 padrão em seus aviões, numa configuração recheada de knobs, botões e muitas páginas. Já a Cirrus desenvolveu com a Garmin uma versão dedicada do G1000, batizada Perspective. A versão padrão e o Perspective são incomparáveis. No caso dos atuais SR20/22, a Cirrus instalou no console o GFC 705 Mode Controller, que conta com teclado alfanumérico, HDG (Heading Button), NAV button, APR (Approach Button), AP (Autopilot), FD (Flight Director Button) e assim por diante. Também é possível dispor do LVL (Level Buttom), conhecido como botão azul, que, ao ser acionado, nivela o avião em voo reto horizontal. Ainda existe a opção do Yaw Damper, o que é bastante útil mesmo parecendo um exagero à primeira vista. O GFC 705 é bastante prático, permitindo acessar e inserir rapidamente dados no MDF e PFD.
Ao lançar o TTx, a Cessna optou por incorporar o Garmin 2000, uma evolução da suíte G1000, que conta com acesso via touchscreen. A não ser pelo controle de toque na tela, um piloto familiarizado com o G1000 não terá a menor dificuldade em operar a nova aviônica. O GTC (Garmin Touchscreen Controller) está montado no pedestal e inclui uma tela sensível ao toque com apenas quatro knobs, incluindo um microjoystick que controla algumas funções como Map Panning e Map Range; um middle knob, que controla o volume do rádio e squelch; além do Large Right Knob e do Small Right Knob, que são montados no mesmo botão e fornecem acesso a frequências de rádio, switching e data entry.
A home screen, que, como o nome sugere, é a tela inicial, apresenta 15 ícones que acessam funções distintas (Map, Traffic, Weather, TAWS, Direct To, Flight Plan, PRDC, Charts, Aircraft Systems, Checklist, Services, Utilities, Speed Bugs, Waypoint Info e Nearest). Cada função abre uma nova lista de ícones que levam a funções especificas. A apresentação gráfica é intuitiva e qualquer piloto familiarizado com um smartphone entenderá rapidamente a lógica do sistema. O GTC permite fácil acesso ao data entry, que se transforma num prático teclado alfanumérico. O contra é terem optado por manter a disposição convencional (na aviação) do teclado alfabético, em vez do padrão QWERTY, usual em qualquer dispositivo touchscreen. Talvez exista alguma limitação de certificação para um teclado fora dos padrões já estabelecidos.
Mesmo em condições de turbulência, o acesso às funções é simples, já que a mão está apoiada no pedestal, enquanto o toque deve ser firme, o que dificulta clicar acidentalmente em alguma função indesejada. Outro ponto é que, embora o MDF conte com os knobs na base, estes não possuem qualquer função. O motivo de estarem ali é que as telas do G1000 e do G2000 são intercambiáveis e não teria sentido, do ponto de vista econômico, criar uma nova tela sem botões. Especialmente por algumas funções pontuais do PFD podem ser acessadas por tais knobs. Outra novidade é a possibilidade de dividir o PFD (Primary Flight Display) e MFD (Multi-Function Display) usando o touchscreen controller.
Em comparação ao Perspective, tive boas impressões do G2000. Não será estranho se, em breve, a Cirrus adotar a nova suíte em seus aviões. Após aprender mais sobre o G2000 e realizarmos o preflight inspection, iniciamos os checklists, similar aos da maioria dos aviões.
Para decolar, em ambos os casos, simularemos a presença de um obstáculo de 50 pés a ser evitado. Alinho o TTx e aplico 1/3 da potência. O turbocompressor entra em ação e sinto o corpo colar no banco. Completo a potência e travo o throttle friction para evitar que o manete inadvertidamente se mova para trás. Mesmo sendo um avião que sofreu uma série de mudanças de projeto, a Cessna manteve manetes de potência, passo de hélice e mistura do tipo vareta, herdados do projeto da Columbia – configuração default na linha hélice da Cessna. Manter as características originais de projeto, à primeira vista, parecia uma solução um tanto ultrapassada. Por que não oferecer recursos com melhor refinamento durante o voo? No primeiro voo que fiz com o TTx, em 2014, considerei a ideia um despropósito para um projeto tão novo. Porém, ao voar por mais tempo o avião, tendo maior controle do motor e podendo realizar ajustes finos, a ideia dos três manetes se tornou interessante ao permitir uma pilotagem mais esportiva. Entre a fase inerte e a aceleração inicial a sensação é a de se estar num superesportivo. É fato que a aceleração de um automóvel é desproporcional à de um avião. Um carro de F1 acelera de 0-100 km/h em menos de 3 segundos, enquanto um avião necessita de um tempo bem maior. Ainda assim, no TTx a sensação é a de que esse tempo de reação do avião é muito mais curto do que o habitual.
Em pouco menos de 300 metros, temos 80 KIAS e o avião mostra que quer voar. Basta puxar com suavidade o side stick para iniciarmos a subida com o climb indicando 1.300 pés/minuto e 137 KIAS. Recolho o flap e reduzo a potência para 35 in.hg, mantendo 2.600 giros. Mesmo com uma razão elevada para um monomotor, o avião mantém o fôlego. Com full power, o ruído interno é relativamente baixo, graças aos selos das portas que atenuam o ronco do motor.
Ao alinharmos o SR22 Turbo e empurrar o manete, lembro-me das diferenças com o TTx. A Cirrus optou por um manete único, que controla apenas a potência. Durante a decolagem, realmente é uma solução mais prática e confortável, já que não exige maior atenção com o risco de o manete recuar. Pedal direito calçado e potência máxima aplicada, sinto que mesmo dispondo de um motor mais forte do que o do TTx, ainda que sejam apenas 5 bhp, é nítido como o Cirrus exige menos pedal. Basta calçar o pedal para manter o eixo da pista, enquanto o TTx exige que o piloto não tenha medo de pressionar o pedal. Após cruzarmos 300 metros, temos 70 KIAS, rodamos e o avião desprende rapidamente do solo. A subida inicial é feita com uma razão de 1.200 pés por minuto e 121 KIAS. Apesar de dispor de mais potência, o SR22 apresenta uma performance na subida com velocidade menor, são 16 KIAS de diferença. Parece claro que a aerodinâmica afeta o desempenho.
Um dos diferenciais das versões turbo é a possibilidade de voar acima dos 20.000 pés. No caso do nosso comparativo, ambos os modelos são certificados para atingir 25.000 pés, o que é vantajoso em etapas longas, justamente por permitir voos com menor consumo de combustível e acima de regiões com mais turbulência. O único senão de voar nessa altitude é necessitar de oxigênio suplementar, fornecido através de incômodas cânulas nasais. Existe a opção de máscara, mas a sensação continua sendo ingrata. Excluindo aeronaves militares não pressurizadas, a ideia de utilizar máscara de oxigênio é sempre inconveniente.
Ao nivelarmos o TTx a 25.000 pés, mantemos 51% da potência. Registramos 200 KTAS e um consumo de 13 galões/hora. Ao elevar a potência para 85%, rapidamente aceleramos para impressionantes 229 KTAS. O consumo sobe consideravelmente, passando para 25 galões/hora. Com o SR22 Turbo, levamos quatro minutos a mais para atingir os 25.000 pés, o que não é significativo, mas mostra uma ligeira diferença de desempenho. Ao estabilizarmos em cruzeiro e trazemos o manete para 55%, registramos 170 KTAS e um consumo de 12.1 galões/hora. É nítido que, mesmo voando mais lento, o SR22 Turbo necessita de um pouco mais de potência em voo de cruzeiro. Ainda assim, a diferença no consumo não é significativa do ponto de vista econômico. Levo a potência para 85% e o ronco do motor aumenta. A velocidade também, estabilizando em 209 KTAS. O consumo fica em 17.1 galões/hora.
Segundo o manual do TTx, na seção de performance (em lean-of-peak cruise performance), mantendo 25.000 pés, 2.500 rpm e stardard temperature, é indicado 224 KTAS com 71% de potência e um consumo na ordem de 16 galões/hora. O que mostra ser possível operar o TTx de forma mais econômica sem penalizar consideravelmente a velocidade.
Durante o voo, o TTx mostra sua excelente manobrabilidade e precisão dos comandos. Por utilizar hastes no lugar de cabos, os comandos são extremamente leves e precisos. Vale destacar que o TTx é certificado como utilitário, permitindo a realização de manobras como “chandelle” e “oito preguiçoso”, além de curvas acentuadas. Em todos os casos a velocidade de entrada é de 150 KIAS. Um ponto positivo do projeto é contar com freio aerodinâmico, que é útil em diversas situações e não agrega nenhuma complexidade mecânica nem aumenta consideravelmente o peso do avião. Esse pode ser um detalhe interessante para a Cirrus incluir numa nova geração do SR22.
O SR22, mesmo utilizando cabos e polias, possui excelentes características de voo. Porém, o TTx se destaca por ter comandos mais firmes e permite ao piloto sentir mais o voo. Considerando o número de melhorias já aplicadas à família SR, surpreende o fato de os engenheiros ainda não terem empregado hastes de comando, ainda que o yoke do Cirrus possua uma ergonomia melhor do que a do modelo da Cessna.
De forma geral, os dois aviões se comportam bem em todas as condições de voo, mesmo em situações próximas ao estol. Com quase 60° de ângulo de curva (em atmosfera calma), os dois aviões oferecem total controle do aileron. Tal fato se deve ao Leading Edge Cuff, que divide a asa em duas partes e define dois perfis diferentes. A seção externa da asa voa com menor ângulo de ataque em relação à seção interna, impedindo, com isso, o descolamento do fluxo de ar na região dos ailerons, mesmo em grandes ângulos de ataque. O princípio é similar ao do slat, com a vantagem de não perturbar o rendimento laminar da asa, além de ser fixo, evitando, assim, a complexidade mecânica e o peso extra de um dispositivo móvel.
Ter a chance de voar estes dois aviões possibilitou comparar de forma muito mais ampla as características de cada modelo. Embora a Cirrus hoje seja líder de vendas, o TTx desponta como uma máquina mais completa, oferecendo uma performance consideravelmente superior, uma suíte de aviônicos mais moderna e uma pilotagem mais agradável ao piloto. Faltou à Cessna ter incluído o paraquedas, o que tornaria o TTx mais competitivo. A diferença de espaço interno é praticamente desprezível e na maior parte das operações o manual mostra que o consumo de ambos é bastante próximo, o que equaliza o custo operacional – considerando que detalhes operacionais e custos variam de acordo com a operação.
* Publicado originalmente na AERO Magazine 256 · Setembro/2015