Com a saída de operação dos Mirage 2000 no fim deste ano, Brasil cogita comprar aviões de combate usados e teria enviado oficiais aos EUA para inspecionar células estocadas do F-16C/D
Por Edmundo Ubiratan / Fotos USAF Publicado em 10/11/2013, às 00h00
Os veteranos Dassault Mirage 2000, adquiridos da França com anos de uso para substituir os ainda mais veteranos Mirage III, serão definitivamente aposentados no dia 31 de dezembro próximo. Os aviões, produzidos na década de 1980, chegaram ao Brasil com o único objetivo de manter em níveis aceitáveis a defesa aérea nacional até que o governo definisse o vencedor do Projeto F-X2. Os Mirage 2000 deveriam ser desativados em meados de 2011, quando as primeiras unidades do escolhido no F-X2 chegassem ao Brasil. Com o impasse, a Força Aérea Brasileira conseguiu expandir a vida útil dos Mirage até 2013, porém, nem mesmo a Dassault, fabricante dos aviões, assegura que eles possam voar após esse prazo.
O Brasil está agora diante de uma questão importante, que vem sendo postergada há mais de uma década e meia. Nesse período, os dois programas de compra dos novos caças (F-X e F-X2) tiveram diversos competidores e vários favoritos. O primeiro a vencer extraoficialmente a concorrência foi o então Saab Gripen. Paralelamente, o Mirage 2000BR, oferecido pela Dassault em parceria com a Embraer, parecia ser o vencedor político. Após o cancelamento do F-X em janeiro de 2003, os principais players mundiais se movimentaram para uma nova disputa. Ao longo do F-X2, os favoritos variaram do Dassault Rafale, que chegou a ser anunciado como sendo o escolhido, passando pelo favoritismo do Gripen NG e, posteriormente, pela escolha quase certa do Boeing F/A-18E/F Super Hornet.
O impasse prossegue, mas a FAB se vê diante de um novo desafio: manter tanto a soberania aérea na capital federal como a capacidade operacional do GDA (Grupo de Defesa Aérea). A opção imediata, que vem sendo discutida no Comando da Aeronáutica e no Ministério da Defesa, é deslocar algumas unidades de Northrop F-5M para Anápolis (GO). O problema é que a FAB dispõe de uma frota limitada de F-5 e estes não possuem a capacidade dos Mirage 2000.
Atualmente não existem Mirage 2000 disponíveis no mercado, e os poucos que poderiam ser adquiridos estão próximos do final de sua vida útil. A opção plausível, à primeira vista, seria a compra de mais unidade de F-5 no mercado internacional. Porém, há poucas unidades disponíveis no momento, e todas são antigas.
Nos bastidores discutem-se soluções provisórias. Uma delas é o Lockheed Martin F-16 Fight Falcon. Interlocutores da FAB confirmaram que um grupo de oficiais brasileiros viajou para os Estados Unidos, em agosto último, para avaliar as centenas de células de F-16 que estão armazenadas no AMARG (309th Aerospace Maintenance and Regeneration Group), em Tucson, Arizona. Os números são desconhecidos, mas acredita-se que a quantidade total chegue a 24 unidades operacionais, além de algumas células adicionais para servirem como suprimento de peças. A Presidência da República e o Ministério de Defesa não desmentem a informação, mas também não confirmam, dizem apenas que a compra de caças “continua sob análise”.
O interesse da FAB pelo F-16 remonta à década de 1980, quando os estrategistas brasileiros planejavam um substituto para os Mirage III e os F-5, que já exigiam uma modernização extensa, enquanto o mundo assistia a uma importante evolução tecnológica. A escolha do F-16A/B pela Venezuela reforçava o interesse do Brasil pelo modelo. O orçamento da FAB, contudo, estava bastante comprometido com o programa AMX, em parceria com os italianos, e as diversas crises econômicas pelas quais o país passava não permitiam nenhum tipo de investimento de grande monta.
Outra solução seria o Sukhoi-35. Aproveitando-se da assinatura de um contrato de
R$ 2 bilhões para a exportação de baterias antiaéreas ao Brasil, os russos fizeram uma nova proposta para seus caças usados. O ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, sugeriu que o governo de Dilma Rousseff faça, a partir de janeiro de 2014, o leasing do Sukhoi-35. A proposta, embora não tenha sido formalizada, sugere o aluguel de uma ou duas dezenas de Su-35, que seriam utilizados na Foça Aérea como caça provisório, até a escolha definitiva do F-X2.
F-16C Block 42 da Força Aérea do Egito
Em 1996, quando o Brasil passou a definir o Programa F-X, a Lockheed Martin ofereceu a possibilidade de produzir os F-16 no país, em parceria com a Embraer, que havia acabado de ser privatizada. Um acordo entre a Embraer e a Dassault levou a empresa brasileira a defender o Mirage 2000BR, que seria montado em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Na ocasião, não apenas o Brasil, mas também Argentina, Chile, Peru e Venezuela buscavam novos caças no mercado, o que atraia a atenção dos gigantes internacionais para uma parceria com a Embraer com objetivo de suprir essa demanda na América Latina.
Anos mais tarde, percebendo que o Programa F-X não seria concluído a tempo, a FAB passou a buscar um caça de segunda mão que pudesse ser entregue em curto prazo. Em meados de 2002, a Lockheed, em parceria com a Varig, passou a oferecer um lote composto por 16 unidades do F-16 MLU, montados sob licença na Holanda pela Fokker, ao preço unitário de US$ 12 milhões, num custo total de US$ 192 milhões. A proposta previa que boa parte da infraestrutura de operação seria transferida ao Brasil, incluindo a manutenção dos motores, que seria feita pela Powerpack do Brasil com parte das revisões realizada pela VEM (Varig Engenharia e Manutenção). A proposta ganhou o apoio do COMGAP (Comando Geral de Apoio da FAB), pois oferecia um lote de aviões em bom estado, com uma vida útil estimada em mais de 20 anos, amplas possibilidades de atualizações e custo quatro vezes menor do que o orçamento do F-X, cotado na época em US$ 800 milhões.
Como forma de estimular a venda dos F-16, a proposta oferecia, ainda, integração do sistema de armas com o míssil brasileiro MAA-1 e com o americano AIM-120 Amraam. Com as pressões políticas, o impasse na escolha do modelo definitivo e a crise da Varig, a FAB optou por receber algumas unidades usadas do Mirage 2000, que encerrarão sua carreira no fim do ano.
A Lockheed Martin ainda tentaria novamente oferecer o F-16, dessa vez no programa F-X2. O Brasil pediu informações sobre o F-35 Lightning II, que estava em fase de desenvolvimento pelo mesmo fabricante. Porém, a empresa respondeu à proposta com o chamado F-16BR, uma versão voltada para as necessidades brasileiras do F-16E/F Block 60. A proposta nem sequer foi incluída na shortlist elaborada pela COPAC (Comissão Coordenadora do Programa Aeronave de Combate), responsável pelos programas de aquisição de aeronaves para a FAB.
Passados mais de quatro anos desde o início do processo de avaliação final das questões técnicas e políticas envolvendo a concorrência para o F-X2, nenhum avião foi escolhido e o F-16 volta à cena, agora como favorito a ocupar o espaço de caça provisório. Dentro do Comando da Aeronáutica e do Ministério da Defesa é dado como certo que o vencedor do F-X2 será o F/A-18E/F Super Hornet, oferecido pela Boeing. Fontes que preferiram não se identificar confirmaram a AERO que, se não fossem os escândalos de espionagem americana, a assinatura do contrato teria acontecido no último mês de outubro. O governo federal, porém, não quer se indispor politicamente confirmando a compra de um vetor militar americano. Nos bastidores do Palácio do Planalto fala-se em deixar a assinatura do contrato para depois das eleições de 2014.
O problema é o prazo. Diante de um hipotético acordo firmado no final do próximo ano, os primeiro aviões chegariam ao Brasil entre 2016 e 2018. Com isso, a FAB teria de conviver com um hiato de espera de, no mínimo, dois anos. Embora oficialmente a FAB negue qualquer interesse pelo F-16, integrantes do próprio Comando da Aeronáutica revelam que os modelos vistoriados nos EUA foram os F16C/D, Block 40/42, todos produzidos no início da década de 1990. Ou seja, o F-16 surge como uma opção que pode até ser questionada sob alguns aspectos, mas não do ponto de vista tátil. No âmbito político, a escolha do F-16 ajudaria a reduzir os atritos nas relações políticas entre Brasil e EUA, assim como tiraria do debate eleitoral a definição do Projeto F-X2. Do lado militar, o F-16 é reconhecido como uma aeronave com excelentes qualidades, atendendo perfeitamente às necessidades multiemprego vislumbradas pela FAB.
O aspecto questionável é que a escolha de unidades Block 40/42 imporia ao Brasil aparelhos com idades superiores aos 20 anos. E conseguir células em bom estado seria um problema, dizem os especialistas, já que são aviões usados nas guerras do Golfo, do Afeganistão e do Iraque, parados pelo tempo de uso e não por desatualização. A virtude no cenário atual é que seriam aviões aptos a entrar em operação em curto prazo. Por outro lado, o avião exigiria investimentos em áreas como infraestrutura, treinamento e suprimentos para depois ser abandonado. Fica a dúvida se não valeria a pena definir o F-X2 e só então buscar células usadas do avião vencedor para já trabalhar com um modelo que não seja provisório.
Para a Lockheed Martin, o acordo envolvendo o F-16 poderia ser interessante porque pavimentaria o caminho para um futuro acordo com o F-35, que vem sofrendo com cortes no orçamento e escalada dos custos de produção. Uma parceria com o Brasil para o fornecimento do novo caça ajudaria na diluição dos gastos.
O F-16 Fighting Falcon é um dos mais bem-sucedidos caças da atualidade, do ponto de vista tanto comercial, com mais de 4.400 unidades vendidas, quanto bélico, tendo sido vencedor em dezenas de combates aéreos. Originalmente desenvolvido pela General Dynamics, a partir do conceito experimental LWF (Lightweight Fighter), que posteriormente evoluiu para o ACF (Air Combat Fighter), o F-16 surgiu com o objetivo de ser um interceptor diurno de curto alcance, e logo provou suas qualidades, evoluindo anos mais tarde para um dos mais poderosos caças do arsenal da OTAN, já dentro do conceito multirole.
Ao longo dos anos, o F-16 recebeu diversas melhorias, o que levou à criação de blocos de produção de acordo com a série da aeronave. E esses blocos recebiam um upgrade pontual ou extenso, baseado nas necessidades da USAF e de seus aliados. Dentro dos blocos, aquele com maior número de unidades produzidas é o Block 40/42, que também apresentou um dos maiores níveis de atualização do modelo. O Block 40/42 surgiu de uma necessidade da USAF de dispor de um caça noturno, que pudesse operar em qualquer condição atmosférica. Essa variante, aliás, é conhecida extraoficialmente como Night Falcon.
Rússia reitera ao Brasil oferta de caças usados da Sukhoi
Entre as principais mudanças estão o sistema LANTRIM (Low-Altitude Navigation and Targeting Infra-Red for Night), que permitia navegar no teatro de operações e atacar com uso de um sofisticado sistema infravermelho. O sistema foi montado em dois casulos, em conjunto com um HUD holográfico e um sistema GPS (uma novidade na década de 1980). Além disso, o avião recebeu o radar APG-68V(5), com capacidade de localizar e rastrear mais de dez alvos simultaneamente, com funções ar, terra e mar. Para poder operar com os novos casulos, as pernas do trem de pouso foram ligeiramente alongadas, incorporando novos pneus, e os cabides receberam reforços. A estrutura do avião também recebeu reforços, ampliando o limite máximo de força G. Adicionalmente, foram aplicados, entre outros itens, novas contramedidas ALE-47 e sistema automático de controles digitais de voo.
A única diferença entre o Block 40 e o Block 42 está na motorização. O 40 utiliza o motor General Electric F110-GE-100 e o 42, o motor Pratt & Whitney F100-PW-220. O Block 40 foi o modelo escolhido pela USAF, tendo sido produzidas 602 unidades. Já os clientes internacionais dessa versão optaram pelo Block 40, com 197 unidades produzidas e entregues às forças aéreas de Bahrein, Egito, Israel e Turquia. Embora tenham representado um salto tecnológico na década de 1990, os F-16C/D Block 40/42 são aviões defasados em relação às aeronaves produzidas e entregues nos últimos 10 anos. Algumas forças aéreas que operam o modelo têm investido na modernização da aviônica e do sistema de armas, mantendo a frota com excelente capacidade operacional no cenário atual.
O problema é que, mesmo existindo uma série de opções de modernização, a FAB não possui tempo nem recursos para investir em tais melhorias. Para o consultor Olavo Gomes, a modernização ou mesmo revitalização só teria sentido caso o Brasil optasse por adquirir um grande lote de aeronaves e pretendesse usar o F-16 como referência em sua defesa aérea. “No cenário atual, com caças de quinta geração, não tem sentido investir na compra de modelos com 20 anos e torná-los o caça definitivo”, avalia Gomes. Ainda assim, ele reconhece que os F-16, no estado atual que se encontram no deserto, possuem total capacidade para desempenhar provisoriamente a função de caça de defesa, já que, independente da escolha da FAB, os Mirage 2000 serão desativados no final deste ano e os primeiros F-5 modernizados começam a perder validade em 2017.
Vantagens e desvantagens do F-16 |
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Prós
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Contras
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Do outro lado da prancheta, está a oferta russa. Após a comprovada espionagem dos Estados Unidos contra o Brasil, as relações bilaterais entre os dois países ficaram abaladas e repercutiu de forma negativa especialmente na compra de novos caças pela FAB. De plenos favoritos, os F/A-18 passam a lidar com a cada vez mais forte possibilidade de serem deixados de lado, o que configuraria, num primeiro momento, uma disputa só entre franceses e suecos. Porém, a Rússia pretende se aproveitar dessa oportunidade. Além dos caças usados Sukhoi-35, a esperança dos russos é entrar na briga ao estender sua proposta ao PAK-FA T-50, o ambicioso projeto já em desenvolvimento de um caça de quinta geração. O modelo, que está realizando a campanha de voos, deverá ser o principal avião da Força Aérea Russa, podendo se tornar o primeiro rival do poderoso F-22 Raptor, de uso exclusivo dos EUA.
Embora à primeira vista seja uma oferta tentadora, dentro do Comando da Aeronáutica o clima é de incerteza para não dizer “pânico”. Os brigadeiros se baseiam na experiência da Venezuela, que comprou 24 caças Sukhoi-30, assim como diversos aviões de transporte e helicópteros de origem russa. Na ocasião, discutia-se o fato de a Venezuela caminhar a passos largos para se tornar uma potência militar, desequilibrando todo o cenário sul-americano. Na prática, o acordo com os russos mostrou que os militares brasileiros estavam corretos, e a compra se tornou um pesadelo. A praticamente inexistente rede logística de pós-venda russa forçou a Venezuela a manter apenas seis aviões em condições de voo, já que não dispõem de peças e manuais disponíveis, mesmo já tendo pago por manutenção e suprimentos. Atualmente, a média para entrega de itens primordiais passa dos dois anos. O mesmo ocorre com demais países que compraram equipamentos de ponta russos: não existe suporte pós-venda. Tal fato, aliás, tem sido a desculpa dos chineses para copiar sem autorização modelos de aeronaves, veículos blindados e demais armas da Rússia.
Finalmente, o acordo para o T-50 foi apenas uma proposta diplomática, sem nenhum termo oficial. Para oficializar o acordo, ambos os países teriam de debater os interesses comuns e capacidades. Do lado brasileiro, falta experiência total no projeto e desenvolvimento de caças, fato agravado por se tratar de um projeto de quinta geração e que a indústria brasileira não possui qualquer estudo. Do lado russo, o Brasil é visto como um país que pode fornecer acesso a tecnologias ocidentais fundamentais ao projeto. Os russos estão enfrentando sérias dificuldades em criar um motor que atenda a todos os requisitos técnicos e seja comercialmente viável. Assim como o sistema de radar, que não tem apresentado os resultados esperados.
O Brasil é o único dos países emergentes com acesso ao Ocidente. A China, embora uma potência militar e industrial, não possui tecnologia de ponta e muito menos credibilidade no mercado mundial. O país é famoso por suas cópias não autorizadas de tecnologia ocidental. A Índia, por sua vez, sofre com a falta de conhecimento técnico. Para o mercado mundial, o fator chave é simples, quando se compra qualquer produto militar não se leva em conta somente questões de natureza técnica, mas especialmente as questões geopolíticas.