Giuliano Agmont E Christian Burgos Publicado em 13/12/2012, às 12h08 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45
Donna Hrinak, presidente da Boeing Brasil |
A diplomata Donna Hrinak assumiu a presidência da Boeing do Brasil pouco antes de ver nascer seu primeiro neto. Agora, na iminência de completar um ano à frente do recém-criado escritório regional do maior fabricante norte-americano de aeronaves, ela mal consegue conter o orgulho ao falar do pequeno Hunter: “Assim como meu filho, que hoje mora em Nova York, meu neto também será brasileiro”. A executiva tem uma relação antiga com o Brasil. E foi embaixadora dos Estados Unidos no país durante a transição dos governos FHC e Lula. Viu de perto o começo da ascensão da Gol, hoje uma das principais parceiras da Boeing, e a emergência de uma nação que se tornaria uma nova potência econômica global. Na guerra de números com a Airbus, que se gaba de ter mais entregas e diz que número de pedidos não é o melhor parâmetro de comparação, Donna é rápida em sua resposta: “Entregas são passado, pedidos são o futuro”. Mas, além da disputa histórica com sua concorrente europeia pelo mercado latino-americano, ela sabe que tem outro grande desafio para fomentar seus negócios na região, aproximar os Estados Unidos do Brasil. Nesta entrevista, Donna Hrinack fala sobre as parcerias da Boeing com a Embraer, o projeto F-X2, o novo avião presidencial e a situação das companhias aéreas brasileiras. E garante: “Seria lógico a Latam voar com o 787 para o Brasil”.
AERO MAGAZINE – Embarcamos recentemente no 787 da LAN e nos chamou a atenção a preparação para receber a nova aeronave. Como foi o trabalho da Boeing com a LAN?
DONNA HRINAK – Temos 30 pessoas no Chile. A LAN está recebendo seu terceiro 787, dos 30 que pediu. Precisamos estar prontos para atender a empresa aérea no caso de eventualidades. Depois, essa equipe migra para outro país que também receberá o avião. A preparação para começar a operar um avião tem que começar com pelo menos um ano de antecipação. É preciso definir locais para estacionamento e centro de manutenção, identificar expertises nos quadros de funcionários e avaliar as áreas que precisam de contratação, saber qual será a ajuda que virá do fabricante, já que algumas precisam mais do que outras, dimensionar investimento financeiro, porque não se compra só o avião, a companhia se compromete com manutenção, treinamento de pilotos e mecânicos. Enfim, quando uma companhia aérea faz um pedido de aeronaves que só serão entregues daqui a quatro ou seis anos, não quer dizer que não fará nada durante esse período. É o caso da Gol, que encomendou 60 aviões 737 MAX. Os aviões só vão chegar em 2018, mas em 2016 a companhia já começa a montar um esquema para discutir, por exemplo, quais aviões serão aposentados e em quais rotas as novas aeronaves vão entrar.
- O presidente da Gol declarou que 2012 foi o pior ano da história da empresa em termos financeiros, com prejuízo bilionário e demissões em massa. Qual é a avaliação da Boeing sobre a situação econômica de seu principal parceiro na América do Sul?
- A Gol tem sido um cliente excelente para a Boeing. Tem a quinta maior frota mundial de jatos Boeing 737. Apostamos no futuro dessa relação, com um cliente com quem temos boa experiência. E a Gol está fazendo a mesma aposta em relação à Boeing, buscando aviões mais eficientes. Uns dizem 1/3 enquanto outros falam que 40% dos custos de um avião estão no combustível. Então, um avião mais eficiente, que usa 8% menos combustível do que seu antecessor, dá uma vantagem para a empresa aérea. O MAX preenche uma necessidade da Gol de reduzir os custos e a Gol também está olhando para o futuro dizendo que podem ampliar suas rotas no exterior, voando para outras cidades dos Estados Unidos, mas também que precisam reduzir custos, e os que mais pesam são com combustível. É claro que a redução de custos dos novos 737 MAX não se resumirá ao combustível. Os freios são diferentes e o que os técnicos me dizem é que ele vai parar mais rápido e gastar menos pneu. Em suma, será uma aeronave mais fácil de se manter e menos custosa, como o 787.
"O Brasil não está simplesmente comprando caças avançados. Está comprando uma relação estratégica com um país. E não há correlação entre o F-X2 e a concorrência do Super Tucano. O que é uma pena, porque acho que a Embraer vai ganhar lá nos EUA"
- Pela primeira vez em sua história, o Brasil tem mais passageiros sendo transportados de avião do que de ônibus. Por que as companhias aéreas não conseguem fazer dinheiro em um ambiente tão promissor?
- Em parte por causa dos custos. Muita carga tributária e o combustível consumindo 40% dos custos. O combustível é mais caro aqui do que em outras partes do mundo. Empresas que podem abastecer fora, como a TAM, têm mais vantagem do que a Gol, por exemplo, que, em geral, paga o preço brasileiro do combustível, já que não tem tantas rotas internacionais.
- Como estão as vendas do 787 na América Latina e quando ele voará para o Brasil?
- A Aeromexico vai receber o seu primeiro. A Avianca acaba de anunciar a compra de mais três Dreamliners, somando-se aos outros 12 já pedidos em 2007. Há ainda outras rotas possíveis caso adquira a TAP. E a LAN pediu 30. Imaginamos que teremos o 787 no Brasil, pela Latam. Seria lógico trazer 787 para o Brasil.
- A Boeing considerou boa a fusão entre LAN e TAM?
- Sim. Ambas tem frotas mistas, tanto Airbus como Boeing. A LAN está muito contente com o 787 depois desses mais de dois meses voando. Acho que vamos ampliar nossa relação com o agora cliente único.
- Quais as novidades sobre o 777X?
- Nada concreto. Ainda não sabemos o que quer dizer o “X”. Saíram artigos com especulações sobre esse assunto em publicações como o Wall Street Journal (segundo a qual a Boeing tem um desafio grande de reformular um avião de sucesso e sofre pressões dos clientes pela indefinição). Mas não tenho nada para adiantar. A cada ano há uma reunião em janeiro com todos os executivos, talvez tenhamos novidades no início de 2013. Até agora, não há uma decisão. Temos conversas a cada duas semanas. Tivemos uma delas há uma semana e não me disseram nada.
"A Gol tem a quinta maior frota mundial de jatos Boeing 737. Apostamos no futuro dessa relação. O MAX preenche uma necessidade da companhia de reduzir os custos, principalmente de combustíveis. Mas a Gol também está olhando para o futuro e dizendo que pode ampliar suas rotas no exterior, voando para mais cidades dos EUA"
#Q#- Como a Boeing lida com a maturação de seus produtos, como é o caso do 787 da ANA, que apresentou problemas?
- Houve alguns problemas com motores, que são os motores da GE, portanto, este é um assunto que temos com fornecedores. Mas é interessante falar do 787. Acredito que a demora no seu lançamento deu à Boeing a oportunidade de solucionar alguns problemas que normalmente apareceriam depois do lançamento formal do avião, durante o processo de fabricação. E o desafio de um fabricante é descobrir quais são os melhores fornecedores, que porcentagem a empresa tem que manter dentro de sua linha e quais podem entregar para fornecedores, e não só nos Estados Unidos, afinal, o 787 é um avião internacional. Como comprova o Dreamlifter, que chega a ser mais impressionante do que o Dreamliner. Ele transporta os componentes do avião. Diante dos 97 a 98% de cumprimento da agenda para os clientes, considero que a demora no lançamento do 787 foi tempo útil.
- A Boeing está negociando com o governo brasileiro a venda de um novo avião presidencial, possivelmente um 747, com alcance superior ao atual modelo da Airbus?
- Tem que falar com a Presidência. Eles que podem falar sobre isso. Não sabemos nada. Tem muita fofoca, muita informação não confirmada. O que posso dizer é que, evidentemente, não negaríamos a oportunidade de vender um avião para a Presidência da República do Brasil.
- Sua experiência como embaixadora dos Estados Unidos no Brasil pode ajudar nas relações com o governo em discussões como o programa F-X2?
- Não sei se minha experiência vai ajudar ou não, mas espero que não atrapalhe (risos). Com relação ao F-X2, o Brasil não está simplesmente comprando um caça avançado. Está comprando uma relação estratégica com um país. Tem implicações para relação bilateral. Gosto muito desse trabalho em particular. Combina experiência de entender quais são as aspirações de um país, não só do Brasil, mas dos Estados Unidos também, nessa relação bilateral, com o interesse comercial, que pode beneficiar os dois países. Beneficiar não somente a empresa, mas pode ampliar o setor aeroespacial, já que estamos sempre procurando parceiros industriais. E temos uma colaboração com Embraer, que se torna cada vez mais produtiva. A Boeing cresceu com a indústria aeroespacial nos Estados Unidos e o setor aeroespacial no Brasil também é uma área prioritária na Estratégia de Defesa Nacional e também do Brasil Maior. Esse setor vai crescer junto com o papel do Brasil no mundo.
- O que a Boeing vai efetivamente oferecer caso ganhe a concorrência para fornecer caças ao Brasil?
- Primeiro os três concorrentes receberam pedidos de estender as ofertas até o fim de julho. Em junho, recebemos o pedido de estender por mais seis meses. Agora, estamos olhando para 31 de dezembro, quando vencem as ofertas dos três concorrentes. Como a decisão não deve ser tomada em 2012, devemos receber um novo pedido de extensão. Está ficando difícil manter os preços. Os três concorrentes têm fornecedores que estão elevando os preços. Estamos negociando, mas seria interessante saber o prazo desse próximo pedido. Esperamos um novo pedido de renovação das ofertas. Depois da decisão, haverá pelo menos um ano de negociações para aclarar o que efetivamente entrará na oferta. Essa é a parte difícil, veja o que está acontecendo na Índia, após a escolha do Rafale. Estão num período difícil de negociação. Qualquer um dos concorrentes que vença irá definir uma relação de duas gerações. Não estamos falando somente da compra de 36 aviões, estamos falando de uma relação duradoura. E tem também o prazo de pagamento. Digamos que haja um anúncio em janeiro, quando será o primeiro pagamento? Em 2013 serão discussões após discussões e até 2014 não se pagará nada.
- Por que os EUA seriam um parceiro geopolítico ideal nesse momento para o Brasil?
- Por razões um pouco românticas. Seria a realização de algo que escreveu o Barão de Rio Branco há mais de 100 anos. Ele falou de duas âncoras fortes no continente americano, o Brasil no sul e os Estados Unidos no norte. Nunca realizamos o potencial dessa relação. Esse programa abre uma oportunidade não somente para ampliar nossas relações bilaterais, mas para abrir mercados mundiais juntos. O Super Hornet voa na Austrália, Inglaterra, Canadá. Temos oportunidades de abrir outros mercados. O Brasil seria um parceiro durante as duas gerações inovando, melhorando o avião. Veja a situação do F-5. O casco fica, mas os sistemas mudam. A Embraer está inovando. Podemos desenvolver o avião sempre modernizando e inovando juntos. Não somente para a gente, mas para outros consumidores.
- A ambição máxima do Brasil ainda é uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU?
- Não posso imaginar isso. O Brasil ainda procura um lugar permanente, mas o país é tão diferente agora que acho que talvez não precise. O papel do Brasil é diferente. O Brasil tem confiança em exercer sua liderança. Não precisa de um chancela da comunidade internacional. O Brasil já chegou. Está sendo consultado no G20. Há 10 anos, estávamos discutindo a possibilidade de convidar alguns países emergentes para as reuniões, hoje é uma necessidade. O cenário global mudou. O Brasil está emocionalmente preparado para assumir seu novo papel global. Competência sempre teve com seus diplomatas. Mas agora tem confiança com economia estável e democracia consolidada. Sem aquela hiperinflação, com pessoas correndo de noite para o supermercado antes da remarcação dos preços. A estabilidade doméstica dá confiança para o Brasil exercer um papel global mais forte e mais importante. E o parceiro lógico seria os Estados Unidos, pois compartilhamos valores, temos países parecidos, comunidades de imigrantes, recursos naturais... Se vamos solucionar alguns problemas globais, como segurança alimentar, o Brasil tem de estar na mesa com os Estados Unidos, se formos tomar decisões sobre mudanças climáticas sérias, Brasil e EUA tem de estar lá. Somos atores essenciais em questões como energia e líderes naturais nos nossos respectivos hemisférios.
- Historicamente os Estados Unidos olharam pouco para o Brasil, dando mais atenção ao Oriente Médio, por exemplo.
- Existe uma contradição. Os países reclamam que os Estados Unidos não prestam atenção suficiente e, depois, reclamam quando os EUA fazem intervenções em seus assuntos internos. Nos últimos anos, para uma pessoa que tem passado quase toda sua carreira na América Latina, é algo difícil de aceitar, mas os EUA não tem prestado tanta atenção na região. Mas a região tomou conta de sua própria casa. Disseram ‘a gente pode fazer’, e fizeram.
- Mas o mundo exige hoje mais do Brasil do que estabilidade doméstica...
- É verdade. Exige inovações, competitividade. O Brasil ainda precisa dar alguns passos nesse sentido. A Dilma (Rousseff) reconhece isso. E a Boeing pode ajudar nessa área, com nosso Centro de Pesquisa e Tecnologia aqui no Brasil. Porque temos grande experiência em ligar institutos de pesquisa e universidades com a indústria. No Brasil, existe uma brecha entre indústria e centros tecnológicos. A geração passada de acadêmicos no Brasil achava que ligar-se com a indústria era algo sujo. ‘Isso é comercial, nós somos acadêmicos. Fazemos investigação pura, não vamos ser influenciados pela parte comercial’, diziam. Diferente dos EUA, onde a iniciativa privada sempre deu muito dinheiro para pesquisa e a sociedade como um todo obteve inovações importantes dessa relação. Temos experiência e expertises que talvez combinem bem com necessidades e ambições do Brasil agora.
- Considerando os 80 anos da Boeing no Brasil e a recente aproximação com a Embraer em programas como o KC-390, o de biocombustíveis e o de armamento para o Super Tucano, existe a possibilidade de uma fusão entre as duas companhias?
- Acho que ampliar colaborações e fortalecer parcerias é completamente possível, até provável. Mas criar uma empresa única eu duvido. Embraer é carro-chefe da indústria aeroespacial do Brasil, o governo detém o Golden Share (ou ações com direitos especiais de veto). Acho que é diferente do que aconteceu com outras companhias que foram incorporadas à Boeing.
- Qual é sua expectativa em relação à compra dos Super Tucano pela USAF, tendo em vista a situação da Beechcraft, que busca se reerguer? Não seria o momento de auxiliar uma empresa nacional?
- Mas existe o risco de comprar aviões de uma empresa quase em falência. Falando com os pilotos da USAF, eles adoram o Super Tucano. Falaram isso quando a Embraer ganhou, há um ano, e falaram isso quando tiveram de reabrir a licitação por falha nos procedimentos da própria Força Aérea, o que poderia levar a uma ação judicial. Eles dizem que é o melhor avião para a missão. Do mesmo jeito que estamos aguardando a decisão aqui eles estão aguardando a nova decisão lá.
- Há correlação entre os dois programas, o LAS (aeronave de ataque leve e apoio à tropa terrestre) nos EUA e o F-X2 no Brasil?
- Não. O que é uma pena, porque acho que a Embraer vai ganhar lá.
- Mas muita gente acredita que exista uma relação entre ambas.
- São duas coisas completamente diferentes.
- Quais as perspectivas em relação ao Embraer KC-390?
- Estamos colaborando em duas áreas. Uma é a de marketing, abrindo outros mercados, e outra é na parte de assistência técnica, a partir da experiência da Boeing com o C-17, que é um pouco maior, mas a experiência vale para a Embraer. Eles podem aprender com nossos acertos e nossos erros.
- O escritório da Boeing no Brasil completará 1 ano agora em janeiro. Qual sua análise do que foi esse ano?
- Fortalecemos a relação com a Gol, um logro muito importante para a Boeing. Também pude participar do programa “Ciências sem fronteiras”, algo excepcional para a Boeing. Levamos para os Estados Unidos estudantes que estavam se especializando em engenharia aeronáutica. Foram todos para Seattle, ficaram em casas de famílias de funcionários da Boeing, durante o verão. A gente aprendeu. Falaram muito dos estudantes do Brasil por lá. Porque não havia contato com o sistema de educação daqui antes. Os estudantes brasileiros se mostraram articulados, curiosos e dedicados. E eles cantavam no chuveiro (risos). Essa relação é importante para o futuro da Boeing também. Vamos continuar com nosso apoio ao programa. A colaboração que anunciamos com a Embraer também foi importante. Do ponto de vista da geopolítica, vale lembrar que firmamos a parceria com a Embraer no mesmo momento em que Hillary Clinton e Antonio Patriota (secretária de Estado dos EUA e ministro das Relações Exteriores do Brasil, respectivamente) assinaram o memorando de entendimento sobre a parceria em aviação entre os dois países.
- A Boeing tem uma parceria histórica com o Brasil na área de satélites. Quais as perspectivas do país nesse setor?
- Durante muitos anos, o Brasil não priorizou esse setor. Desde o acidente de Alcântara, o espaço perdeu prioridade, como tem perdido nos EUA. Mas o país já está repensando o que significa o espaço para a nação. Não somente em termos de investigar, mas também o que implica para competitividade e inovação. Pode ser um motor para a indústria, e a Boeing tem experiência nessa área. Podemos fazer parte desse novo enfoque. A Embraer com Telebras visiona trabalhar nessa área de satélites. É uma área de discussões e negociações, talvez colaborações.
- O que representa a reeleição do Barack Obama para a Boeing no Brasil?
- Não conheço bem o Obama, apoiava Hillary (risos)... Adoraria ver uma presidente dos EUA que se parecesse comigo, tenho essa oportunidade aqui no Brasil, lá não. Uma pesquisa informal mostrou que apenas 8% dos brasileiros apoiavam os republicanos. Ou seja, Obama tem muito apoio aqui. A Dilma e o Obama têm uma boa relação. Acho que a reeleição só pode ajudar a relação bilateral.