Novos aeroportos executivos, privatização de aeródromos do interior e intermodalidade com linhas férreas e rodovias prometem acomodar a latente demanda das aeronaves privativas no principal centro de negócios do país
Por Giuliano Agmont Publicado em 07/10/2013, às 00h00
Maquete do Aeródromo Privado Rodoanel, na Zona Sul paulistana
O mercado brasileiro de aviação executiva passa por um momento de profunda transformação. Às vésperas de sediar os dois principais eventos esportivos do mundo, o país assiste a uma sequência de decisões que abre caminho tanto para a exploração comercial de aeródromos privados quanto para a privatização de aeroportos estaduais regionais. O epicentro dessa mudança, que promete absorver parte da demanda de voos não regulares, é o estado de São Paulo. O Daesp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo) anunciou que pretende iniciar um processo de concessão à iniciativa privada de 11 dos 27 aeroportos que administra, começando por Amarais, em Campinas, Jundiaí, Bragança Paulista, Itanhaém e Ubatuba, cujos contratos devem estar assinados em breve, com validade de 30 anos. Paralelamente, a Secretaria de Aviação Civil (SAC) conferiu poderes a dois aeródromos privados paulistas, um na capital e outro em São Roque, para cobrar tarifas de seus operadores, uma outorga inédita nesse segmento. A SAC também autorizou o plano de exploração de aeródromo civil público do Helicidade Heliporto e está analisando o mesmo requerimento do empreendimento Aerovale, no município de Caçapava, próximo a São José dos Campos.
O presidente do Conselho Consultivo da Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), Eduardo Marson, acredita que os dois novos aeródromos voltados à aviação executiva em São Paulo, um da empresa Harpia Logística e outro da construtora JHSF, representam um passo estratégico para o setor. “Desde que eles possam receber voos internacionais”, ressalva o dirigente. “As autoridades precisam entender que só assim esses aeródromos conseguirão, de fato, desafogar o tráfego dos grandes aeroportos”. O ministro-chefe da SAC, Moreira Franco, garante que trabalhará para que órgãos como Polícia Federal, Receita Federal e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) despachem nesses novos terminais. “Concedemos a outorga com essa perspectiva”.
Na esfera regional, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, reconhece a relevância da infraestrutura aeroportuária para o desenvolvimento do estado, e aponta o modal aéreo como o que mais cresce no país, citando a expansão de cidades como Guarulhos e Campinas, mas admite a carência de melhor intermodalidade e dá como certas algumas medidas promissoras para suprir essa demanda: “Fecharemos o rodoanel interligando 10 rodovias que cruzam São Paulo, teremos linhas férreas de acesso aos aeroportos de Guarulhos e Congonhas e viabilizaremos o trem intercidades, que cruzará municípios servidos por aeroportos regionais, como Jundiaí, Sorocaba e São José dos Campos”. Com velocidade média de 120 km/h, o trem intercidades terá dois trajetos – um de Americana a Santos e outro de Sorocaba a Pindamonhangaba –, cruzando-se em São Paulo, provavelmente em uma estação do metrô. O governo promete iniciar as obras dessa PPP (Parceria Público-Privada) em 2014 e concluí-las em três anos. Já a conexão com o GRU Airport, que será feita pela linha 13-Jade da CPTM a partir da Zona Leste da capital (estação Engenheiro Goulart), deverá estar pronta em 2015, embora ainda não tenha saído do papel. A construção do ramal Aeroporto de Congonhas da futura linha 17-Ouro do Metrô, em compensação, está em curso, com prazo para terminar até o fim de 2014.
Projeto do aeroporto executivo da JHSF, em São Roque
O primeiro empreendimento privado a receber do governo federal licença para cobrar tarifas de táxis-aéreos e operadores corporativos foi o Aeródromo Privado Rodoanel, um projeto da Harpia Logística, empresa controlada por André Skaf e Fernando Augusto Botelho. Os dois sócios estiveram no estande de AERO Magazine durante a Labace 2013 e detalharam os planos do que será o terceiro aeroporto da cidade de São Paulo. Localizado no bairro de Parelheiros, no extremo sul da capital, a menos de 25 km em linha reta de regiões como a da Avenida Paulista, o novo aeródromo receberá investimento de R$ 1 bilhão durante 10 anos e deve iniciar suas operações entre o final de 2014 e o início de 2015 – caso obtenha a licença final, incluindo as ambientais, até o começo do ano que vem. Sua capacidade será de até 156 mil pousos e decolagens por ano. “Queremos ser um centro de aviação geral para São Paulo, que tem uma demanda latente. Estamos a 6 minutos de voo com um Esquilo da região do Itaim, são 17 km em linha reta até lá. Por terra, esse percurso sobe para 32 km, mas pode ser feito em menos de 20 minutos de carro, sem trânsito, com acesso exclusivo pelo Rodoanel (Mario Covas)”, informa André Skaf.
O empresário-piloto Fernando Botelho diz que já estão prontos os procedimentos para homologação da pista de 1.830 m do novo aeródromo. “Ela terá procedimento MDA (Minimun Descend Altitude) e poderá receber voos com teto de até 400 pés (120 m). Projetamos um índice de fechamento correspondente ao de Congonhas, que é de 10%. Nesse cenário, o investimento em um sistema ILS não se justifica”, explica o sócio, que destaca, ainda, os 160 m de área de escape (RESA) nas duas cabeceiras, além de duas saídas rápidas. “É uma segurança adicional, sobretudo para decolagens de grandes jatos com peso full em dias quentes, já que estamos a 2.500 pés (760 m) de altitude”.
Segundo os sócios, o projeto da Harpia Logística oferecerá alguns benefícios peculiares do ponto de vista operacional. A pista estará “alinhada com o vento”, obedecendo às mesmas rotas de aproximação de Congonhas. “Nossa pista será paralela à de Congonhas, com diferença de cerca de 20 km entre os eixos de cada uma delas. Serão os mesmos números de cabeceiras, 17/35. Essa condição facilitou a emissão de um parecer favorável do Decea para a futura acomodação das nossas operações no controle de tráfego da Terminal São Paulo”, diz Botelho. “Além disso, não teremos obstáculos para pousos e decolagens, já que não há morros na região e a vegetação do entorno será preservada, sem a construção de edificações”.
O Aeródromo Privado Rodoanel prevê a operação de voos internacionais, mas essa definição depende do aval de autoridades alfandegárias, sanitárias e de imigração, o que só poderá acontecer após uma visita técnica quando o empreendimento estiver operacional. “No início, teremos apenas voos domésticos, mas estamos conversando com órgãos como Receita Federal e Polícia Federal para passarmos a atender a voos internacionais já no primeiro ano de funcionamento do aeroporto”, revela André Skaf. Segundo ele, o aeródromo terá um FBO internacional com 30 mil m².
Além de infraestrutura com heliponto, torre de controle, terminal de passageiros, segurança particular e centro comercial, o aeroporto que será erguido na Zona Sul de São Paulo oferecerá em uma primeira etapa espaço para 33 hangares, que poderão ser concedidos ou alugados. “Queremos ter preços competitivos. Pretendemos cobrar 28 a 32 reais por metro quadrado da área para construção de hangares, valores menores do que os de Congonhas e próximos aos dos praticados em Sorocaba. Já o preço da hangaragem deve ser bastante inferior ao praticado em Congonhas”, adianta Skaf. “Pretendemos ter tarifas de pousos e decolagens mais baixas do que as praticadas pelos grandes aeroportos e, também, preços de combustíveis mais competitivos, por conta da nossa proximidade com uma unidade da Petrobras pelo Rodoanel”.
DAESP pretende assinar contratos de concessão de cinco aeroportos executivos até o início de 2014
O principal desafio dos sócios agora é obter a licença ambiental. Eles estão otimistas. Argumentam que vão usar apenas 20% de uma área de 4 milhões de m2 e garantir um manejo sustentável do local, que antes estava ameaçado por ocupação clandestina. “A área que será desmatada possui vegetação composta 100% por reflorestamento de eucaliptos, não mata nativa. Faremos ocupação diferenciada para preservar tanto os mananciais como a flora e a fauna, com destinação adequada de óleo, graxa e esgoto e um plano de proteção de pássaros, que não porão em risco as operações do aeródromo. Além disso, queremos garantir emprego e capacitação para a população da região, que tem um dos mais baixos IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do município”.
Segundo aeródromo privado a receber autorização da SAC para operar voos comerciais, o Novo Aeroporto Internacional Executivo de São Paulo (Naesp/Catarina), localizado a 60 km de São Paulo, no município de São Roque, ao lado da Rodovia Castello Branco, deve absorver parte da demanda já durante a Copa da FIFA no Brasil, sobretudo por conta de seu pátio com capacidade para 500 aeronaves. O projeto prevê a construção de um ambicioso empreendimento de uso misto com outlet, centro comercial com oito torres, distritos com serviços hoteleiros, hospitalares e educacionais, campo de golfe e residenciais horizontais e verticais, além do aeroporto executivo servido por duas pistas, uma de 2.470 m e outra de 2.000 m. A pista principal e o pátio devem ser inaugurados “em condição pré-operacional” no primeiro trimestre de 2014, juntamente com um terminal provisório. As obras tiveram início, mas estavam embargadas até o fechamento desta edição por questões ambientais.
Segundo o diretor de incorporações da JHSF, Rogério Lacerda, o aeroporto receberá investimentos de R$ 1,2 bilhão e ocupará uma área de 2 milhões de metros quadrados. O investimento total será de R$ 2 bilhões, podendo chegar a R$ 6 bilhões por conta das 120 lojas a serem instaladas no local, e a área total chegará a 7 milhões de m2. “Em 2015, esperamos estar com o empreendimento pronto”, estima o executivo. “Do Itaim, estamos a 10 minutos de helicóptero e a 25 minutos de carro sem trânsito. Além disso, teremos o trem (intercidades) que irá até Sorocaba com uma estação em São Roque”.
De acordo com o sócio-estratégico do investimento, o comandante Francisco Lyra, diretor da consultoria C-Fly Aviation, o Catarina poderá atender a praticamente todos os jatos executivos em operação no Brasil, mesmo em altas temperaturas. Segundo ele, a pista está quase alinhada à de Guarulhos. Ela terá número 10/28 enquanto GRU conta com cabeceiras 9/27. “Ofereceremos uma ótima proa para aproximação, sem interferências para Guarulhos, Viracopos ou Congonhas, ou seja, o aeroporto não impede o crescimento do tráfego aéreo na Terminal São Paulo”, afirma Lyra.
O executivo diz que o fato de a pista ser alinhada à rodovia Castello Branco não é por acaso. “Tivemos a mesma motivação dos engenheiros dos anos 1960: a ausência de obstáculos. O aeroporto conta com duas rampas de aproximação com gradiente de 2%”, explica Lyra. “Vamos oferecer também ILS de precisão com teto de 200 pés (60 m) e visibilidade 6/6 (céu totalmente encoberto)”.
Equipado com EPTA (Estação Prestadora de Serviços de Telecomunicações e de Tráfego Aéreo) privada, o novo aeródromo da JHSF deverá operar voos internacionais e desafogar os principais aeroportos do país, sobretudo durante grandes eventos. “Ocasiões como a Copa do Mundo são uma excelente oportunidade para os patrocinadores se aproximarem de parceiros estratégicos indisponíveis. É a chance de colocá-los num avião e num camarote, com a família, para realizar uma reunião difícil de ser marcada em outras circunstâncias. Por isso o movimento da aviação executiva cresce tanto nessas ocasiões”, analisa Francisco Lyra.
O terceiro empreendimento que solicitou autorização da SAC para explorar economicamente seus operadores da aviação geral é o Aerovale, de Caçapava, a 25 minutos de helicóptero de São Paulo e 1h40 do Rio de Janeiro. O aeródromo conta com pista de 1.550 m, terminal de passageiros de 27,4 mil m2 e helicentro 12,8 m2 com terminal próprio de passageiros. Trata-se de um condomínio fechado, à margem da Rodovia Carvalho Pinto, a 4 km da Rodovia Presidente Dutra, servido por um aeroporto com capacidade para até 1.500 aeronaves em 124 lotes aeronáuticos.
O processo burocrático para concessão do primeiro lote com cinco aeroportos administrados pelo Daesp à iniciativa privada deve estar concluído até novembro próximo. Os contratos dessas PPPs podem estar assinados ainda neste ano, mais tardar no início de 2014. O segundo lote de aeroportos a serem privatizados inclui outros seis aeródromos estaduais, estes voltados mais à aviação regular. São eles os de Ribeirão Preto, São José do Rio Preto, Bauru/Arealva, Marília, Araçatuba e Presidente Prudente.
Segundo o Daesp, a reestruturação dos aeroportos executivos paulistas localizados no entorno da cidade de São Paulo já começou e deve se intensificar com as privatizações. O aeroporto de Campo dos Amarais, em Campinas, recebeu investimentos para acomodar novos servidos por vias de serviço e pista de rolamento. Jundiaí teve melhorias nos sistemas de auxílio à navegação. Sorocaba, que é considerado um dos aeródromos com maior possibilidade de expansão, também está sendo ampliado com a construção de novos hangares, como o da Embraer, além dos existentes de fabricantes como Dassault Falcon e Gulfstream.
O vertiginoso crescimento do mercado de helicóptero em São Paulo também movimenta empreendimentos na região com a maior frota mundial de aeronaves com asas rotativas. O Helicidade Heliporto, situado no bairro do Jaguaré, teve seu plano de outorga aprovado pela SAC para operar como aeródromo civil público. Com mais de uma década de existência, o heliponto opera uma média de 60 pousos e decolagens por dia e conta com um dos maiores centros de serviço especializados para helicópteros da América Latina. Em sua área de 18 mil m² há um prédio de quatro andares, um heliponto, 11 spots, 4.500 m² de hangaragem com capacidade para 80 aeronaves, oficina para manutenção e espaço para manobra e abastecimento.
Outro empreendimento a ser erguido no entorno da capital paulista é o HBR, no município de Osasco, próximo à Rodovia Anhanguera. O empreendimento pretende oferecer hangaragem, oficina apta a fazer até o overhaul de componentes dos principais modelos das cinco marcas mais presentes no país (AgustaWestland, Eurocopter, Robinson, Sikorsky e Bell), três cabines de pintura, serviço especializado de tapeçaria e abastecimento de combustível. Pelo projeto do HBR, os pilotos terão sala de convivência com vista para o pátio de aeronaves com 19 slots. O heliponto funcionará 24 horas por dia, sem operações de táxis-aéreos, apenas voos privativos.
Com a conclusão das obras de infraestrutura em São Paulo, a aviação executiva brasileira ganhará um grau inédito de eficiência ao oferecer um nível de serviço compatível com as necessidades de empresários e executivos que tomam decisões sobre grandes investimentos e não têm tempo a perder. A expectativa internacional em relação à economia do Brasil sofreu uma acomodação, um choque de realidade talvez, mas o país ainda tem uma margem de crescimento acima da média mundial, sobretudo na própria área de infraestrutura, e os jatos executivos, turbo-hélices, aviões a pistão e helicópteros terão um papel crucial nesse processo, sem dúvidas.