BELL 429

A nova versão WLG ganha alcance em missões de longa distância e mostra-se dócil, intuitivo e estável

Por Rodrigo Duarte Publicado em 06/10/2019, às 00h00 - Atualizado às 18h23

Desenvolver um helicóptero moderno, confortável, com baixo custo operacional, e que atendesse tanto o mercado civil como o de serviços públicos, além de fazer frente a um concorrente já testado e bem aceito pelos operadores em sua categoria. Os desafios da Bell Helicopter ao se propor a lançar um novo helicóptero depois de muitos anos de recesso pressupunham um projeto audacioso. Certificado em 2009, o bimotor leve Bell 429 nasceu promissor e se mostrou pronto para disputar mercado com oponentes de peso.

O programa de entregas da aeronave se deu de modo que as primeiras 10 unidades voassem exclusivamente nos Estados Unidos. Era uma forma de assegurar que diante de eventuais falhas, quando identificadas, os helicópteros pudessem ser prontamente reparados e ter seus respectivos “boletins de serviço” emitidos. Também por razões estratégicas, a Bell escolheu um cliente com alta demanda de voos, no caso, um operador de resgates aeromédicos.

NOVO MOTOR

Passados cinco anos desde então, a empresa já contabiliza quase 200 aeronaves entregues pelo mundo – a de número 200 foi vendida para um cliente brasileiro – e 50.000 horas acumuladas de voo sem qualquer acidente. Somente no Brasil, já são 27 aeronaves voando com a expectativa de mais cinco entregas até o final de 2014.

O hiato de quase uma década sem lançamentos – o último havia sido o Bell 427, em 2000 – custou participação de mercado ao tradicional fabricante norte-americano ante os concorrentes, mas fez do projeto do Bell 429 um marco na história da Bell Helicopter, hoje pertencente ao grupo Textron, que congrega, ainda, marcas como Beechcraft e Cessna. O novo helicóptero representava não só que a Bell estava de volta à briga como também que novas tecnologias e conceitos fariam parte de sua cultura dali em diante, o que significou a adoção de materiais compostos na fuselagem e a troca do tradicional fornecedor de motores Rolls-Royce pela canadense Pratt&Whitney.

Desde seu lançamento, com a oferta somente de versão com esquis, a Bell era questionado pelo mercado sobre uma opção do 429 com trem de pouso retrátil. Em 2014, a empresa finalmente apresentou ao público a nova versão WLG que tem sua primeira entrega prevista para o segundo semestre deste ano. Convidados pela Bell Helicopter, tivemos a oportunidade de voar a aeronave antes de sua chegada, em uma demonstração do helicóptero nos céus de São Paulo.


A versão com trem retrátil do Bell 429 pesa 111 kg a mais do que a com esquis e dois motores PW207D1 disponibilizam 1.100 shp de potência contínua

MAIS VELOCIDADE

Equipam o Bell 429 os motores PW207D1, disponibilizando 1.438 shp de potência de decolagem e liberando 1.100 shp para a sua transmissão. Pude perceber rapidamente que não teria problemas de potência e de limitações com a transmissão nessa aeronave. Os rotores do helicóptero, tanto o principal quanto o de cauda, possuem quatro pás e foram desenvolvidos para produzir menos ruído. A disposição das pás, principalmente as do rotor de cauda em “X”, chama muito a atenção para a aeronave. Nunca um sistema similar havia sido utilizado em aeronaves civis.

As diferenças entre as duas versões do Bell 429 são pequenas, mas existem. Além dos óbvios aspectos estéticos, o operador que optar pelo trem de pouso retrátil carregará 111 kg a mais de peso, no mínimo, pois novos itens têm de ser instalados no helicóptero para suportar esse dispositivo, ainda que o sistema desenvolvido para esta versão seja elétrico, e não hidráulico, como normalmente acontece em outras aeronaves. Segundo o fabricante, o sistema elétrico é mais leve e facilita a manutenção.

Embora inevitável, a pergunta “qual das versões é a melhor?” é totalmente descabida, uma vez que o modelo com esquis pode ser mais adequado para determinadas operações nas quais o sistema de trem retrátil seria inútil. É o caso do pouso em locais desprovidos de pavimentação e preparo prévio. O helicóptero é uma ferramenta muito versátil e pode ser empregada em diversos tipos de missões desde as mais complexas como, por exemplo, militares, policiais e resgates aeromédicos, até as mais tradicionais, como o transporte VIP e uso corporativo. Ou seja, a avaliação qualitativa das versões depende do tipo de missão que a aeronave irá cumprir.

O que vale considerando é que uma aeronave mais limpa aerodinamicamente produz menos arrasto e, portanto, oferece mais eficiência e rapidez. No caso do Bell 429 WLG, pode-se esperar pelo menos 7,4 km/h (4 kt) a mais de velocidade. Em termos práticos, se considerarmos a velocidade indicada para missões de máximo alcance, em 4 horas e 24 minutos, que é o tempo de voo divulgado pelo fabricante, o helicóptero que testaremos poderia voar 35 km (19 milhas náuticas) a mais do que o modelo com trem do tipo esqui. Para essa comparação, consideramos o peso máximo de decolagem, 1.220 m (4.000 pés) de altitude de voo, 27 graus de temperatura do ar, vento nulo e torque em LRC (Long Range Cruise), podendo haver variações para diferentes pesos, altitudes ou condições de voo.

Os 35 km (19 nm) parecem pouco, mas podem fazer a diferença entre realizar um voo ou não. Os requisitos da regulamentação brasileira exigem que um planejamento considere a autonomia da aeronave para cumprir o voo da origem até o destino, além de um heliponto ou aeródromo de alternativa e mais 20 minutos de voo (para casos de voo sob as regras visuais). Na velocidade esperada e demonstrada nos gráficos disponibilizados nos manuais da aeronave, estamos falando de uma distância extra em voo determinada pela diminuição do arrasto causado pelos esquis.


Ganho de velocidade chega a 4 nós

O sistema de aviônicos integrado ao piloto automático reduz carga de trabalho no cockpit

A BORDO

Ao entrar na aeronave, deparo-me com um painel totalmente condizente ao conceito glass cockpit. Tudo novo: conceitos, equipamentos, tecnologia. No modelo que testaremos, a Bell instalou dois GPS Garmin com sistemas integrados de navegação e comunicação e telas sensíveis ao toque e de fácil manuseio. É claro que os pilotos que pretendam comandar aeronaves com essa tecnologia precisam receber treinamento específico, mas, já em voo, o sistema mostra-se extremamente amistoso e intuitivo no que diz respeito a comandos e funções.

O painel de comando do piloto automático, que fica no console inferior da cabine, poderia estar em posição mais adequada. Para voos em locais de tráfego denso, como São Paulo e Rio de Janeiro, em que devemos olhar constantemente para fora e fazer valer a máxima do voo visual “ver e evitar” – o que inclui uma quantidade enorme de urubus voando justamente nas altitudes mais comuns em nossos voos –, manter a atenção voltada para o lado externo da aeronave pode fazer a diferença nas manobras evasivas realizadas com o intuito de se evitar quaisquer tipos de colisões em voo.

Não vejo na cabine comandos na parte superior ou painéis de fusíveis elétricos. Esse conceito ganha muita força em todos os segmentos da aviação ao reduzir consideravelmente a carga de trabalho dos pilotos nas operações normais, no gerenciamento de panes e também na execução de procedimentos de emergência.

Quase tudo foi pensado para esse helicóptero. Quase porque, até o momento, a opção de SVS (Synthetic Vision System), que permite ao piloto visualizar em seu horizonte artificial as elevações de relevo, não está disponível para as telas Rogerson Kratos instaladas na aeronave. Em que pese o custo de se disponibilizar essa facilidade, a função poderia ter sido prevista e disponibilizada aos operadores que optariam por tê-la ou não, como já acontece com outras máquinas.

PILOTO AUTOMÁTICO

O sistema de aviônicos totalmente integrado ao piloto automático de quatro eixos reduz a carga de trabalho do piloto, deixando-me avaliar com mais tranquilidade o voo e mantendo minha consciência situacional com o meio externo em níveis elevados. Aplico todos os comandos do sistema pressionando os botões “beep trim” situados tanto no cíclico quanto no coletivo (de acordo com o que eu quiser no momento).

Em pleno voo, o piloto de demonstração da Bell me mostra uma indicação na tela da aeronave. É uma mensagem da máquina para mim. Algo como “ei, não me atrapalhe, deixe que eu voo sozinho”. Sim, o quarto eixo do piloto automático está “chamando minha atenção”. Além do controle automático de torque, sensores mostram minha “intenção” de sobrepor meus comandos ao piloto automático. Isso porque o hábito e o treinamento me fizeram deixar os pés apoiados nos pedais da aeronave. Apesar da presença de interfaces para controlar todo o voo de forma automática, o piloto não pode se iludir e deve ter em mente que a máquina somente funcionará com eficiência e segurança se for bem programada e monitorada, e isso somente um aeronauta treinado pode fazer.

Ainda durante nosso voo, realizo diversas manobras na aeronave. O Bell 429 WLG se revela dócil nos comandos e estável nas mais diferentes situações testadas. Ao comandar uma simulação de perda de um dos motores e voar monomotor, o PW207D1 fez valer toda a sua potência e me possibilita realizar até mesmo um voo pairado sem extrapolar qualquer limite. Estamos em uma condição de três passageiros, dois pilotos, pouca bagagem e 225 kg (500 lb de combustível). Provamos com isso que os gráficos de performance são absolutamente fiéis ao que o helicóptero cumpre.

Na aproximação final e no pouso, o transiente entre as fases do voo é feita de forma bastante suave e tranquila, proporcionando conforto aos passageiros e tripulantes. Não noto tendências de disparo de rotação ou afundamento excessivo nas etapas finais do voo. Realmente é uma aeronave muito bem projetada aerodinamicamente.

ESPAÇOSO BABAGEIRO

No quesito espaço interno, o helicóptero apresenta diversas configurações possíveis, proporcionando um confortável vão entre os assentos, que podem ser instalados na opção convencional ou “club seat”, em versões de cinco ou seis assentos. Estou à vontade na cabine, que oferece bom espaço interno para o piloto. Só não encontro um local adequado para carregar toda a papelada que a Anac nos exige transportar a bordo, como manuais, checklists, mapas, pastas com procedimentos de voo, entre outros itens. Como os bancos são desenvolvidos com a tecnologia anti-crash e podem aguentar tremenda força g em uma situação de emergência, não podemos acomodar nada debaixo deles.

Ouço de uma passageira que havia realizado um voo de demonstração, e que já possui helicópteros há mais de 15 anos, que a altura do assento em relação ao piso da aeronave é um pouco baixa, tornando a posição dos joelhos um pouco mais elevada.

O interior originalmente oferecido é de boa qualidade. Para os que quiserem algo diferenciado e estiverem dispostos a gastar um pouco mais por isso, uma nova opção de fornecedor de interior foi apresentada na última edição da Heli-Expo, em Anaheim, Califórnia. O fabricante Mecaer Aviation Group, por meio de sua subsidiária MAG Design, disponibiliza uma versão VVIP para quatro assentos, além de vasta gama de cores, acabamentos e combinações possíveis.

São muitas opções de escolha para a aeronave e o operador poderá customizá-la de acordo com a sua necessidade, o que significa aviônicos, equipamentos, trem de pouso retrátil ou fixo do tipo esquis, tipo de interior e acabamentos, cores, enfim, tudo para se moldar uma aeronave adequada para o uso esperado e investindo seus recursos sem desperdícios (além de não exagerar no peso extra que levará em seu helicóptero).

O bagageiro também merece um destaque à parte, pois é incrivelmente grande, o que acaba com os problemas de espaço para as malas, mas também diminui o peso útil da aeronave se a opção for carregá-lo por completo. Aos pilotos, é preciso cuidado para não ter de desembarcar passageiros ou reduzir autonomia para não exceder o peso máximo de decolagem da aeronave.


Existem diversas configurações de interior do Bell 429

PROGRAMA MSG-3

Um grande e impressionante avanço nessa aeronave é o seu programa de manutenção. O plano em si não é novidade no mercado, mas sua aplicação em helicópteros, sim, é inédita. Tanto que, comercialmente falando, as oficinas de manutenção não simpatizam muito com o Bell 429, pois a aeronave demanda poucas intervenções mecânicas, parando basicamente para inspeção a cada 200 horas de voo.

As estatísticas das oficinas no Brasil apresentadas pela Bell confirmam que a despesa de manutenção desta aeronave é menor do que o de aeronaves monomotoras de menor porte. A empresa diz que o custo operacional direto do helicóptero (incluindo apenas mão de obra de manutenção, peças e combustível) gira em torno de US$ 690/h. Essa redução no custo de operação se deve tanto ao projeto da aeronave, moderno e inteligente, quanto à incorporação do MSG-3. O Bell 429 foi a primeira aeronave de asas rotativas certificada por meio desse sistema.

Em 1967, com o projeto inicial do Boeing 747, inspetores da FAA, membros da indústria aeronáutica e operadores uniram-se em um grupo para buscar alternativas de melhoria nos padrões de segurança, confiabilidade e redução dos custos de manutenção. Dessa forma, surgiu o MSG-1, que é uma coordenação de todas as áreas que envolvem o projeto de uma aeronave em prol da segurança de sua operação. Desde a criação, a construção e a operação de uma aeronave, cada item é avaliado e obtém garantias em relação à extrema segurança do seu funcionamento, classificando, organizando e determinando o programa de manutenção ideal e mais eficiente individualmente. O MSG dividiu a manutenção da aeronave em tarefas aplicadas a componentes e fuselagem.

Já no início dos anos 1970, surge o MSG-2, um modelo adaptado do MSG-1, só que menos específico e mais voltado para outras aeronaves. A este programa também foram feitas algumas alterações que permitiram seu uso também na Europa, dando, assim, origem ao EMSG (European Maintenance Steering Group). O MSG-2 manteve a distinção entre o programa de manutenção das aeronaves e o dos componentes, destacando a separação por capítulos ATA (Air Transport Association of America – capítulos que determinam cada sistema da aeronave por números).

Finalmente, o MSG-3 nasce como evolução do MSG-2 e um dos mais atuais e modernos programas de manutenção. Mesmo com a taxa de acidentes em declínio a partir do advento do MSG-2, a indústria percebeu que seria possível manter a segurança operacional em altos índices e realizar um programa de manutenção de menor custo. Surgiu, então, em 1980, o MSG-3. Iniciado com a introdução das aeronaves Boeing 757/767, a análise do MSG 3, além das tarefas de segurança, incluiu tarefas de impacto econômico. Com essa filosofia do MSG-3 os famosos checks A, B, C e D podem ser dispensados.

As principais vantagens desse programa de manutenção são a maior disponibilidade das aeronaves, a diminuição das grandes paradas para manutenção e o maior contato e monitoramento da aeronave, além de se estar menos suscetível ao fator humano de erros por menos intervenções de manutenção, que é hoje um dos maiores fatores contribuintes em acidentes aeronáuticos.

* Publicado originalmente na AERO Magazine 241 · Junho/2014

Simulações de desempenho

Três exemplos do que cumpre o novo helicóptero da Bell com peso máximo de decolagem e potncia máxima contínua disponível 

De: Heliponto Av. Faria Lima (SP)
Para: Aeroporto Jacarepagua, RJ 
Regra de voo: visual 
Temperatura origem  28º C
Distância aproximada 370 km (200 nm)
Combustível necessário 450 kg
Capacidade disponível de carga/passageiros  803 kg
Tempo de voo  01h32min
Altitude de cruzeiro 2.285 m (7.500 pés)
Velocidade cruzeiro (VA): 250 km/h (134 kts)
De: Aeroporto Campo de Marte (SP)
Para: Aeroporto de Florianópolis (SC)
Regra de voo: visual 
Temperatura Origem  28º C
Distância aproximada 520 km (280 nm)
Combustível necessário 610 kg
Capacidade disponível de carga/passageiros 643 kg
Tempo de voo  02h00min
Altitude de cruzeiro 1.370 m (4.500 pés)
Velocidade cruzeiro (VA): 260 km/h (142 kts)
De: Aeroporto de Curitiba – Bacacheri (PR)
Para: Aeroporto Jacarepagua (RJ)
Regra de voo: visual 
Temperatura origem  22º C
Distância aproximada 665 km (360 nm)
Combustível necessário 726 kg
Capacidade disponível de carga/passageiros 527 kg
Tempo de voo  02h40min
Altitude de cruzeiro 1.675 m (5.500 pés)
Velocidade cruzeiro (VA) 255 km/h (139 kts)

BELL 429 WLG

Fabricante Bell Helicopter (Textron Company)
Preço aproximado (FOB) US$ 7.200.000,00
Motores Pratt & Whitney PW207D1
Potência máxima contínua 1.100 shp
PESOS
Máximo de decolagem 3.402 kg
Básico (configuração padrão) 2.149 kg
Carga útil 1.253 kg
DIMENSÕES
Comprimento 13,11 m
Largura 10,98 m
Altura máxima 4,04 m
Capacidade do bagageiro 2,1 m³
PERFORMANCE
Velocidade máxima 285 km/h (155 kt)
Alcance (modelo WLG) 765 km (412 nm)
Capacidade de combustível (tanque standard + auxiliar) 969 litros (775 kg)
aeronave notícias de aviação avião helicóptero Pratt&Whitney piloto automático Bell Helicopter Bell 429 WLG PW207D