Tentamos responder se a atual designação adotada para definir a categoria de aplicações de jatos leves, turbo-hélices e modelos a pistão compreende o leque de missões de aeronaves utilizadas como ferramenta de trabalho
Por Ernesto Klotzel Publicado em 24/04/2015, às 00h00
Utilização de qualquer aeronave da aviação geral para finalidade de negócios”. Eis a definição dada pela toda poderosa NBAA (National Business Aviation Association, ou Associação Nacional da Aviação de Negócios) para a atividade que, no Brasil, insistimos em chamar de “aviação executiva”. O rótulo não reflete as operações realizadas no país e no exterior por uma imensa frota (considerada a segunda no mundo) de aeronaves de asas fixas mono ou multimotoras, com motores a pistão, turbinas ou motores a jato, para transportar de um a uma dezena de ocupantes, e onde o “executivo” não é presença tão frequente. Operadas, muitas vezes, pelo proprietário-empresário ou até por pilotos administrados por um verdadeiro departamento de aviação interno. Tudo isso apoiado por uma infraestrutura de oficinas próprias, autorizadas pelos fabricantes ou independentes, devidamente certificadas pelos órgãos de regulamentação.
Na maioria dos países a atividade se denomina “business aviation” em inglês, “aviation d’affaires” em francês, “aviación de negócios” em espanhol, “geschäftsflugverkehr” em alemão e assim por diante. Não é preciso ser poliglota para concluir que a tônica na denominação tem a ver, sim, com os negócios. Para os americanos, a atividade é tão integrada na comunidade que mereceu a abreviação BizAv (de “business aviation”), amplamente utilizada pela mídia.
Jatos e “jatinhos” que voam entre nós têm naturalmente muito mais visibilidade e charme mesmo constituindo uma população de menos de 800 unidades baseada em território nacional, diluídas em uma imensa frota superior a 10.000 aeronaves da aviação geral. Uns e outros servem principalmente às atividades extrativistas, agricultura e pecuária, construção civil pesada, entre outras. Transportam engenheiros, técnicos, homens de venda e até, claro, executivos. Para a maioria, principalmente no caso dos jatos, com velocidade e alcance elevados, a aviação de negócios – que pode até tomar o formato de táxi-aéreo ou propriedade compartilhada – propicia contatos frente a frente com clientes ou prospects, visitas em instalações no campo e demonstrações de equipamentos de maneira ágil, proativa, independente de horários da aviação comercial quando existe no local, sempre de modo discreto ou até sigiloso. O que pode ser realizado, guardadas as devidas proporções, com um monomotor a pistão ou um gigante capaz de voar mais de 12.000 km. E cruzeiro Mach .85 sem abastecer – em travessias intercontinentais ou transoceânicas. As regras do jogo são simples e lógicas: para cada missão, a aeronave mais adequada.
O Learjet foi um dos pioneiros na aviação de negócios
A NBAA é hoje uma espécie de consultora, orientadora e defensora dos interesses do universo da aviação de negócios. A associação se faz ainda mais presente longe de suas raízes norte-americanas apoiando feiras internacionais na Europa, na Ásia e também na América Latina, por meio da já popular Labace, promovida anualmente em São Paulo pela ABAG (Associação Brasileira de Aviação Geral).
Pouco depois do término da Segunda Guerra, lá por 1946, um grupo de homens de negócios se reuniu no Wings Club, sediado no Biltmore Hotel de Nova York, para discutir como cada um deles via o cenário do transporte aéreo, concluindo que havia dois aspectos contrastantes que mereciam consideração. De um lado, o ressurgimento da aviação regular e pessoal, já que as companhias aéreas iniciavam um novo período de evolução. Do outro, empresas aéreas independentes, de carga e passageiros, surgiam em todos os cantos. Na ocasião, empresas e homens de negócio, recordando o desempenho dos aviões na guerra, descobriram a aviação comercial como valiosa ferramenta para dinamizar suas atividades. E também o lado negativo desta nova onda: as agências reguladoras do governo pensavam propor medidas drásticas e pouco inteligentes para lidar com os problemas do controle de tráfego aéreo.
Diante daquele cenário, o pequeno grupo reunido em Nova York entendeu que os interesses da incipiente aviação de negócios só teria a perder em qualquer eventual disputa pelo espaço aéreo e reconhecimento da atividade, já que era o único segmento das operações aéreas que não estava organizado. As companhias aéreas tinham a Air Transport Association (ATA), os pilotos tinham sua Airline Pilots Association (ALPA) e mesmo os pilotos de aviões leves tinham a Aircraft Owners and Pilots Association (AOPA).
Uma organização para promover e proteger os interesses dos operadores de aviões de negócios era urgente e os primeiros passos foram dados pelo grupo de 13 pessoas que se reuniu informalmente no Wings Club, em 17 de maio de 1946. O principal porta-voz foi Palmer J. (Bud) Lathop, então vice-presidente da Bristol-Meyers e, mais tarde, presidente da Cameron Machine Co. Sua experiência em aviação vinha da Força Aérea do Exército dos EUA, durante a Segunda Guerra Mundial. Lathrop escreveu para os presidentes de diversas companhias, convidando-os para novo encontro em 21 de novembro de 1946, que reuniu 16 representantes de empresas com o lançamento provisório da Corporation Aircraft Owners Association (CAOA). Durante meses, o conselho temporário contou com a presença de representantes de dez empresas de primeira linha: Republic Steel, Sinclair Oil, Champion Paper, Bristol-Meyers, Howes Brothers, American Rolling Mills, B.F.Goodrich, Burlington Mills, United Cigar-Whelan e Socony Vacuum. A primeira reunião anual, com participação de 19 empresas, teve, além dos 12 membros-fundadores, outros sete da elite industrial da época, incluindo Al Buchanan Drilling Co., Corning Glass Works, General Electric Co., Goodyear Tire and Rubber Co., Hanes Hosiery Mills Co., National Dairy Products Corp., Reynolds Metals Co., L.B.Smith Co. e Wolfe Industries.
Em 1997, por ocasião do 50º aniversário, a CAOA mudou sua denominação para NBAA, “para refletir seu compromisso de atender às necessidades da aviação de negócios como um todo”. Hoje, a NBAA está na linha de frente dos esforços para a solução de problemas relacionados a acesso ao espaço aéreo, aeroportos e ruído em aeroportos. O foco atual se concentra em questões como segurança aérea, eficiência operacional, acesso igual e justo, reforma da FAA, ruído e utilização compatível da terra, taxas de pouso em horário de pico, aeroportos alternativos, apoio aéreo, modernização do controle do tráfego aéreo, reforma da responsabilidade civil do produto, pesquisa e desenvolvimento, advocacia da aviação de negócios e diversas questões sobre impostos. O órgão oferece assistência a cerca de 10.000 empresas associadas no mundo que, juntas, faturam anualmente em torno de US$ 5 trilhões – um valor que se aproxima dos 30% do Produto Nacional Bruto dos Estados Unidos – e empregam mais de 19 milhões de pessoas no mundo.
A partir de 1931, com a compra de seu primeiro avião, um biplano Fleet usado, por apenas US$ 2.500, o autodidata William (Bill) Lear pôde revelar seu talento inato pela eletrônica com a criação, desenvolvimento e comercialização de uma série de equipamentos de radiocomunicação e navegação, o primeiro piloto automático e, para automóveis, os primeiros receptores montados no painel. Com seus produtos ‘Lear Avian’, sua primeira firma faturou cerca de US$ 100 milhões ao longo da Segunda Guerra Mundial. Foi também o fundador da Motorola, que existe até hoje. Em 1960, Lear mudou-se para a Suíça com a finalidade de adquirir os direitos de fabricação do mal-sucedido avião de combate FFAP-16 no qual via grande potencial para a primeira fabricação em série de um avião de negócios. Assim, em outubro de 1963, já com sua fábrica em Wichita, o Learjet 23 fazia seus primeiros voos com sucesso total.
Com capacidade para oito ocupantes, o jato podia voar a 560 mph. Ao preço de U$ 650.000, totalmente equipado (repleto com aviônicos Lear). Em 1967, William Lear vendeu a Lear Jet Corp. e partiu para outras empreitadas aeronáuticas. A Canadair de Montreal se interessou por seu projeto de um jato de negócios de maior porte, que se transformou no Canadair ‘Challenger’, hoje pertencente ao inventário da conhecida Bombardier Aerospace.
Os primeiros passos para o que se tornaria a gigantesca indústria da aviação de negócios, principalmente nos Estados Unidos, foram inspirados logo no pós-guerra. Nos anos 1950, os modelos utilizados eram adaptações ou conversões de aeronaves como o bombardeiro A-26, o C-47, o Lockheed ‘Lodestar’ l, surgindo em meados de 1950 o bimotor Cessna 310 e o Aero Commander, ambos projetos civis.
Turbo-hélice Pilatus PC-12 e avião a pistão Cessna TTX
Em agosto de 1958, a Gulfstream lançou o primeiro turbo-hélice bimotor dedicado à aviação de negócios: o modelo G-1, vendido à petroleira Sinclair Refining. Cerca de 200 exemplares foram vendidos antes da desativação da linha. A marca Gulfstream de jatos “grandes” é hoje uma das de maior reputação neste segmento da aviação geral. Paralelamente a esta evolução, vale destacar a “improvisação” da conhecida fábrica de rolamentos Timken Roller Bearing de Canton, Ohio, que adquiriu um jatinho militar francês de quatro lugares Morane-Saulnier MS760 para o deslocamento rápido de suas equipes de vendas e assistência técnica. E, provavelmente, de um ou outro executivo!
A aviação geral é toda atividade aérea que não pode ser enquadrada na aviação regular ou militar. O que permanece é um universo imenso de operações – do turno de pista de um pequeno monomotor de 65 hp a um voo sem escalas de um jato de negócios intercontinental – onde podemos encontrar aeronaves com todos os tipos de propulsão das marcas mundiais mais representativas e idades que podem variar entre várias décadas e o novo saído de fábrica.
É intuitivo que as atividades de negócios não poderiam ficar restritas a uma frota relativamente pequena de jatos, independente de seu modernismo. Muito se pode creditar a uma respeitável frota composta por aviões turbo-hélices, há até pouco tempo sempre bimotores e, em data mais recente, monomotores modernos, totalmente equipados, muitos deles pilotados pelo proprietário-empresário envolvido com o agronegócio, construção civil, assistência técnica, vendas e assim por diante. Já as aeronaves com motores a pistão correspondem a 72% da nossa frota total de aviação geral.
São em torno de 10.620 modelos, dos quais 8.300 monomotores e 2.300 bimotores, segundo levantamento de 2014 da ABAG. Cerca de 8% da frota nacional é constituída por 1.555 turbo-hélices, divididos entre 769 biturbinas e 386 monomotores a turbina. Finalmente, 5% da frota de aviação geral fica para 776 jatos de todos os portes e das mais expressivas marcas, divididos entre 756 bijatos e 20 trijatos. A frota de asas fixas da aviação geral, como um todo, desafia generalizações em termos de idade: modelos muito antigos podem voar lado a lado com lançamentos do ano de uma das muitas representantes das mais tradicionais marcas mundiais implantadas há muitos anos no país.
Os jatos de negócios evoluíram enormemente nos últimos 50 anos, deixando para trás a imagem de improvisação e desperdícios de combustível, trocando-os por modelos refinados e eficientes formando um leque que começa com os pequenos Embraer Phenom 100/300, Eclipse 550 e Cessna Citation M2, estendendo-se para gigantes das linhas Gulfstream, Dassault Falcon e Bombardier Global, além de outros cobrindo toda a gama de necessidades de empresas e empresários em todos os quadrantes do globo. Do menor ao maior, todos têm em comum os interiores bem decorados, acomodações confortáveis, aviônicos, motores e aerodinâmica avançados e as mais evoluídas cabines de comando. Não ficam devendo tecnologia aos mais modernos aviões comerciais de Boeing, Airbus, Embraer e Bombardier Historiadores selecionaram 15 modelos de jatos de negócios, fabricados em série, e seus respectivos períodos de maior relevância, que abrangem os anos de 1961 até os dias atuais, como referência da pujança dessa indústria que se consolida a cada ano.
(1961-1978)
Embora da melhor procedência, é descrito como “um monstro de 4 motores na cauda”, um verdadeiro “alcoólatra viciado em querosene”, o que não pôde ser corrigido com upgrades ao longo do tempo. Considerado por alguns como o primeiro jato de negócios, ainda existe um punhado em operação. Foi um dos meios de transporte particular de Elvis Presley. O Jetstar II utilizado pelo astro é de 1960 e estava exposto em Graceland.
(1963-1983)
Poucos são os jatos fora de produção que contam com tanto suporte técnico da Sabreliner Corp. Pilotos têm amor por estes jatos que a North American Aviation projetou conforme contrato da Força Aérea dos EUA e seus eficientes motores Garrett.
(1964-2013)
A família H125 da British Aerospace/Hawker Siddeley – depois Hawker Beechcraft – esteve em produção por mais tempo do que qualquer outra célula de jato de negócios.
(1965-1987)
Os produtos Commander/Westwind I/II, deselegantes e sem atributos esportivos, são jatos eficientes para 10 passageiros, capacidade que não era a oferecida por jatos menores quando o modelo entrou no mercado em 1965.
(1965-1988)
O Falcon 20 para oito passageiros inseriu firmemente a Dassault Aviation no “clube” dos fabricantes de jatos de negócios. Com uma produção total de 513 unidades (incluindo 38 F200 e um protótipo), o modelo atendeu a uma grande variedade de missões, sempre com excelente desempenho.
(1966-1979)
O Lear 23 lançou a indústria aeronáutica de Bill Lear no segmento dos jatos de negócios, mas foi o Lear 24 e modelos subsequentes que abriram o caminho para o sucesso. O Lear 24 foi o primeiro modelo certificado para uma altitude de 51.000 pés.
(1967-1977)
Quem diria que os jatos de negócios de cabines espaçosas seriam bem-sucedidos durante a temida recessão recente? A decisão da Grumman de transformar o turbo-hélice GI em um jato foi profética ao lançar uma extensa linha de modelos que ocupou seu lugar em 1978, após a aquisição do programa dos jatos de negócios por Allen Paulson e constituição da Gulfstream Aerospace.
(1969-1985)
Projetar e fabricar um novo jato foi uma decisão arrojada para uma companhia mais concentrada no “feijão com arroz” dos aviões a pistão e de bimotores turbo-hélices firmemente implantados. O Citation original, lento e nada sexy, porém, confiável e quase tão fácil de pilotar quanto qualquer Cessna, deu um retorno notável, gerando uma famosa família de jatos que preencheriam quase todos os nichos disponíveis do mercado, alguns desconhecidos até então.
(1997-2002)
O GV é a aeronave que gerou o mercado de ultralongo alcance e cabine muito espaçosa, tornando-se o meio de transporte preferido de celebridades. Sua cabine não é realmente maior do que a do GII, o que está sendo corrigido pela Gulfstream com o modelo G650. O GV original sobrevive como modelo 500/550.
(1996 até o presente)
O veloz jato não é muito maior do que outros modelos Citation. Feito para passageiros realmente apressados, o modelo X com seus motores Rolls-Royce dá conta do recado com uma velocidade de cruzeiro de Mach .92 (600 mph). O modelo modernizado, com motores mais potentes e winglets voa ainda mais rápido.
(1999 até o presente)
A Bombardier não poderia ficar tranquila de deixar a Gulfstream abocanhar para si o mercado dos voos ultralongos em jatos de cabines extraespaçosas com seu modelo GV. Daí nasceu o Global Express de desempenho superior. Agora, a família Global se multiplicou para quatro versões (5000, 6000, 7000 e 8000) com um alcance – em milhas náuticas – quase correspondente ao número do modelo.
(2001-2005)
Trata-se do primeiro jato de negócios com fuselagem totalmente em compósito, aproveitando os ensinamentos apreendidos com as perdas milionárias sofridas com o programa Starship, fabricado em materiais compostos. O bijato Premier podia ser operado por um só piloto. O upgrade do pequeno jato de elevado desempenho (modelo Hawker 200) parou enquanto a Hawker Beechcraft lutava pela sobrevivência.
(2006 até o presente)
A Eclipse Aerospace, que incorporou a falida Eclipse Aviation depois da entrega de 261 modelos Eclipse 500, relançou a produção deste jato muito leve. Primeiro lançou o Eclipse Total e, mais recentemente, certificou o Eclipse 550. A Eclipse foi um dos fabricantes que criaram as condições para o surgimento da categoria VLJ, ou Very Light Jet, um tipo de aeronave com desempenho surpreendente para um jato tão pequeno e leve.
(2007 até o presente)
Com o legado de projetista e fabricante de aviões militares sofisticados, a Dassault aplicou sua experiência em engenharia ao trijato 7X, o primeiro avião de negócios no mundo que não é derivado de modelos comerciais com o sistema fly-by-wire. O sucesso de vendas do 7X levou ao lançamento de outro trirreator pela Dassault, o Falcon 8X, cujos protótipos estão em fase de teste de voo.
(2009 até o presente)
O que a Embraer fez, primeiro com o Legacy 600 e depois com os modelos Phenom 100 e 300, foi fazer os concorrentes perceberem que um novo player havia chegado ao mercado. Não por acaso, o Phenom 300 foi o jato de negócios mais entregue do mundo nos últimos dois anos. Além disso, a Embraer avança no mercado dos super-midsize com o lançamento do Legacy 500 e o desenvolvimento do Legacy 450, ambos apresentando controles de voo fly-by-wire e a última palavra em cabines digitais.