Depois de décadas desde o início dos experimentos, primeiros veículos totalmente movidos a eletricidade mostram potencial comercial
Por Ernesto Klotzel Publicado em 25/03/2015, às 00h00
O e-FAN é um dos pioneiros na aviação elétrica
Para muitos, a idéia de um avião elétrico traz consigo a imagem de estruturas muito leves de formatos inusitados, revestidas por películas diáfanas, asas de enorme envergadura cobertas por pilhas solares (fotovoltaicas) e uma sofisticação extrema na utilização de novos materiais. Para outros, sobretudo aqueles que acompanham a aviação leve, esportiva, arrojada, a presença da propulsão elétrica é reconhecida em um grande número de projetos de motoplanadores, ‘trikes’ e até pequenas aeronaves de asas rotativas. Mas o atual estágio de evolução tecnológica já permite que se associe essa nova fonte energética à instalação de motores elétricos aeronáuticos, alimentados por baterias, em plataformas modernas, substituindo os motores a pistão.
Até pouco tempo atrás, as soluções encontradas, a maioria elegante e viável, não pareciam ter como foco o avião elétrico como um produto a ser comercializado, observando, claro, as características particulares de sua fonte energética: a ainda limitada bateria. Mas, hoje em dia, as novas fontes estão anos-luz à frente das antigas, pesadas e corrosivas caixas com suas placas de chumbo em eletrólito ácido, ainda que a mais moderna bateria de íons de lítio não possua – e dificilmente possuirá – a mesma densidade energética de um combustível como a gasolina, pelo menos 13 vezes maior.
Por enquanto, o máximo que se pode esperar em termos de aviação totalmente elétrica, mesmo com uma fonte adicional de energia gerada por pilhas solares, é uma aeronave moderna, fácil de pilotar, para dois lugares e autonomia de uma a duas horas e uma velocidade de cruzeiro perfeitamente aceitável para suas missões principais: ensinar as técnicas primárias de voo ou proporcionar minutos de esporte e lazer nos céus. Em breve, deveremos contar com ao menos três modelos modernos e confortáveis de aeronaves para dois ocupantes, devidamente certificados pelas autoridades aeronáuticas a preços de aquisição razoáveis. E, ainda mais importante, a um custo operacional por hora de voo muito baixo quando comparado aos mais simples monomotores biplace utilizados atualmente para a primeira familiarização do aluno-piloto com o maravilhoso mundo do voo.
O caminho para se chegar aos primeiros aviões totalmente elétricos é uma verdadeira conquista tecnológica da aviação leve para a qual contribuíram, por décadas, dezenas de projetos: dos sofisticados e milionários projetos técnico-científicos (tripulados ou autônomos) a uma avalanche de modernos motoplanadores, plataformas já existentes, adaptadas à eletroeletrônica para, finalmente, chegarmos a poucos modelos com potencial para uma fabricação seriada ou montagem de ‘kits’ comercializados à semelhança de certos ultraleves.
Mesmo com suas limitações energéticas, a aviação totalmente elétrica, dentro de mais um par de anos será uma opção legítima e altamente vantajosa para o segmento de treinamento de pilotos e para todos aqueles que desejam voar em um ambiente puro, silencioso e accessível. Em futuro mais remoto, também se pode pensar no que seria a única solução para a utilização da propulsão elétrica numa aviação comercial de médio e grande porte: a “propulsão elétrica integrada” ou o avião híbrido.
Alguns quesitos têm mobilizado os investimentos em programas de pesquisas e desenvolvimento realizados em ambientes acadêmicos, órgãos governamentais até instalações de ensaios de certos fabricantes renomados da aviação comercial, no âmbito da propulsão elétrica. Em primeiro lugar, a eficiência da fonte de energia, que se reflete no menor impacto do avião elétrico no meio ambiente, já que ele não utiliza combustíveis fósseis. Um jato comercial – para utilizar um exemplo extremo – consome cerca de 5 galões de querosene por milha voada ou cerca de 36.000 galões em um voo de 10 horas. Imagine o que pode acontecer daqui a 20 ou 30 anos quando a propulsão elétrica (provavelmente híbrida) permear para as grandes aeronaves comerciais.
O silêncio de operação também é um fator bem-vindo em aeronaves elétricas que serão sempre mais ‘amigas do ambiente’ nas pistas e no entorno de aeroportos. A redução nos custos operacionais é mais um dos fatores para a adoção dos aviões elétricos. Para uma avaliação, basta considerar os tratores-rebocadores elétricos capazes de levar e trazer um avião para e da pista sem o auxílio dos motores. Para taxiar um Boeing 747 são consumidos 330 galões de combustível, na ida e na volta. Em um sistema elétrico de reboque que será lançado neste ou no próximo ano, o consumo será de 8 galões. A economia anual para um Boeing 747 na comparação com o sistema de reboque ortodoxo pode chegar a US$ 200 mil.
O futuro do avião elétrico depende inicialmente da tecnologia de baterias, as quais precisam de peso e volume menores e maior capacidade de armazenamento de energia. Materiais ultraleves e muito resistentes, como os modernos compósitos, são vitais para viabilizar projetos de aeronaves mais leves ao exigirem menor grau de energia para sua propulsão.
Com baixo custo da hora voada, aviões elétricos são opção para instrução
A energia solar para a aviação é até hoje pesquisada como tecnologia renovável, barata e disponível em climas ensolarados. Embora seja consenso que jamais a energia solar, por si, possa ser uma opção viável para a utilização rotineira do mais leve avião produzido em série, as experiências com as enormes e levíssimas estruturas se sucedem tendo como mérito o impulso que têm dado ao desenvolvimento de componentes para a propulsão elétrica a bateria. Exceção feita a aeronaves não tripuladas, que, a elevada altura e com grande autonomia, têm sido cogitadas como satélites de baixa órbita de comunicação e de observação – poderiam ser classificados como drones a energia solar.
A asa voadora ‘Helios’, não tripulada, chegou a atingir uma altitude de 29.500 m, recorde absoluto. Em 2010, o drone “Zephyr’ permaneceu no ar durante duas semanas. Finalmente, a versão mais recente do suíço tripulado ‘Solar Impulse’ tem atraído atenções mundiais por voar mesmo à noite graças a suas baterias recarregadas por pilhas solares que recobrem suas asas. Após cruzar os Estados Unidos, o ‘Solar Impulse” está empenhado na circum-navegação da Terra, partindo e chegando em Abu Dabi, EAU.
O estado da arte atual da propulsão elétrica é suficientemente evoluído para viabilizar dezenas de projetos que surgiram principalmente a partir de 2000. O aproveitamento de novos materiais como os compósitos, aliado ao know-how de experientes projetistas de planadores em diversos países, que puderam lançar mão de componentes elétricos ‘de prateleira’ – como motores e hélices muito leves e uma grande lista de componentes para controlá-los – permitiu aos construtores elevar seus elegantes pássaros a altitudes onde normalmente se dispensa o avião rebocador e ainda voltar ao ponto de origem ou aeródromo alternativo com toda a segurança.
Diversos modelos de aeronaves elétricas, dependentes totalmente de baterias, também têm sido projetados e construídos comprovando sua viabilidade operacional. O denominador comum na maioria dos casos é seu caráter artesanal, fazendo uso do grande número de componentes desenvolvidos na última década. Entres os projetos de destaque estão o Antares 23E’, da Lange Aviation alemã, o Taurus Electro G2, da Pipistrel, da Eslovenia, Sunseeker Duo, da California (membro de uma família ilustre de planadores que começou nos anos 1990 e que, uma vez no ar, pode voar com a energia de pilhas solares) e o Front Electric Sustainer Propulsion, da LZ Design, também esloveno.
Taurus G4 Corrida tecnológicaOs diferentes estágios de evolução das aeronaves elétricas O estágio anterior ao de um projeto de célula totalmente nova para a propulsão elétrica é o aproveitamento de plataformas existentes movidas com motores a pistão que são removidos com seus componentes e convertidos para a propulsão elétrica. Um dos exemplos é a conversão pela EADS do bimotor a pistão ‘Colomban Cri-Cri’, que data de 1970, no Cri-Cri ‘E-Cristaline’, equipado com dois motores elétricos Eletravia, que atingiu o recorde de 262 km/h no Show de Paris 2011. Outro caso é um ‘Long-EZ’, um projeto do famoso Bob Rutan, vendido às centenas em sua configuração de asa canard e hélice ‘pusher’. Modificado, com a inclusão do mais potente motor elétrico já instalado com 192 kW refrigerado a água, seu criador Chip Yates tem ideias que vão muito além de mais um recorde mundial, como a travessia do Atlântico Norte como Lindberg, com o recarregamento ou substituição das baterias em pleno voo. O passo seguinte foram projetos com sistemas totalmente elétricos. O monoplace BL1E ‘Electra’, da Electravia francesa, foi o primeiro avião elétrico registrado no mundo. Voou pela primeira vez em 23 de dezembro de 2007, permanecendo no ar durante 48 minutos e cobrindo 50 km. O motor de 18 kW (24 hp) era alimentado por uma bateria ‘Kokam’ de polímero de lítio pesando 47 kg. Antes dele, apenas uma pequena aeronave elétrica alimentada por 160 pilhas AA voou 391 m, numa parceria da japonesa Matsushita Electrical Industrial Co. e o Instituto de Tecnologia de Tóquio. Depois vieram programas como o ‘Sky-Spark’, um projeto conjunto da empresa de engenharia DigiSky e a Universidade Politécnica de Turim, Itália; o biplace “Pioneer Alpi 300” com motor de 75 kW (101 hp) e baterias de polímero de lítio, que bateu um recorde mundial de velocidade registrando 250 km/h; o ‘Paratrike E-Fenix’, primeiro trike elétrico de dois lugares, desenvolvido pela Planéte Sports&Loisirs da França. Mais recentemente, em julho de 2011, a Pipistrel apresentou o “Taurus G4” de fuselagem dupla, monomotor de 4 lugares, fabricado com a junção de duas fuselagens do planador (com dois assentos cada) e propelido por hélice tratora cujo motor é montado entre as duas fuselagens.As baterias de polímero de lítio pesam 499 kg e seu peso de decolagem é de 1,497 kg. É atualmente o avião elétrico de maior peso, atingindo 161 km/h. |
Roll-out do chinês Ruixiang RX1E
No momento, ao menos três projetos parecem apresentar um potencial de comercialização. O mais bem encaminhado é o “Sun Flyer”, de dois lugares, fabricado sob a licença do parceiro tecnológico alemão pela Aero Elctric Aircraft Corp. (AEAC), do Colorado, EUA. Tem uma autonomia de até 2 horas quando alimentado apenas pelas baterias, podendo atingir até o dobro de autonomia quando se recorre à carga das baterias solares que recobrem a superfícies das asas. A conhecida escola de pilotagem pertencente à Spartan College of Aeronautics and Technology foi a primeira a encomendar 20 aeronaves “Sun Flyer” para treinamento primário de pilotos. Considerando os custos atuais de manutenção e de combustível, o modelo deve apresentar um custo horário de operação de apenas US$ 5,00 comparado com cerca de US$ 73,00 para um Cessna 172, utilizado frequentemente nos cursos de pilotagem. O preço de um “Sun Flyer” varia entre US$ 180 mil e US$ 200 mil (ante US$ 370 mil para um Cessna 172 novo) conferindo uma nova dimensão ao mercado de treinamento de pilotos.
Também o Airbus Group já apresentou sua aeronave elétrica E-Fan, um elegante bimotor com motores de 30 kW capaz de voar a 160 km/h com autonomia superior 1h30 ou abaixo de uma hora quando o piloto decidir testar sua velocidade máxima de 220 km/h. A propulsão do E-Fan é realizada por dois fans (ventiladores) que giram dentro de carenagens (ducted fans). O biplace francês será fabricado pela Daher (antiga Daher-Socata).
A China também figura neste cenário de pioneirismo em propulsão elétrica com o biplace Ruixiang RX1E para o qual está sendo erguida uma fábrica, cuja linha de produção entrará em operação até o final do ano. O projeto do postulante chinês, que foi desenvolvido pela Universidade Aeroespacial Shenyang, tem uma autonomia inferior a 60 minutos, desenvolve até 160 km/h e já foi certificado pelas autoridades aeronáuticas da China. Os três modelos, independente dos aprimoramentos próprios da indústria aeronáutica, já reúnem características para sua plena aceitação em dois segmentos específicos do voo. Com lugares para dois ocupantes e autonomia superior à 1h, escolas de pilotagem e aeroclubes despontam como alvo principal. Dificilmente um instrutor submete o aluno a mais de uma hora de instrução primária. O custo-hora de instrução é um atrativo adicional. O voo esportivo e a lazer também deverá ser um potencial mercado para os ‘elétricos’.