Avião de ex-ditador líbio faz parte de uma complexa disputa que inclui credores, governo da Líbia e justiça internacional

Aeronave é mantida em condições de voo na França

Por Santiago Oliver | Imagens: Divulgação Publicado em 12/07/2019, às 11h00 - Atualizado às 12h11


© Björn Düwel

Mesmo após quase 8 anos da morte do ex-presidente líbio, Muammar al-Gaddafi, seu espólio e história continuam gerando controvérsias. O mais recente caso se refere a um de seus aviões pessoais que está estacionado na França desde 2012.

Conhecido como 5A-One (por sua matrícula), o Airbus A340 VIP conseguiu se livrar da fúria da guerra civil que tomou conta da Líbia em 2011. Com a escalada do conflito, alguns aviões oficiais deixaram o país em busca de segurança internacional. As aeronaves da força aérea que ficaram em Tripoli, capital da Líbia, ou em outros aeroportos, foram destruídos, danificados ou estão há vários anos abandonados.

A história do 5A-One se mistura agora a um imbróglio jurídico internacional, com diversos reclamantes desejando a posse do avião. Segundo matéria do jornal britânico Independent, um juiz francês determinou que a aeronave era propriedade soberana da Líbia e, portanto, não pode ser confiscada. Ao considerar o A340 como parte da equipe presidencial, o juiz manteve um status especial a aeronave, que ganhou imunidade diplomática e não pode ser confiscado. O grupo Al Kharafi, do Kuwait, reivindica a posse do avião como parte de uma dívida deixada pelo ex-ditador, que contratou a empresa para construir um resort na Líbia, que não foi concluído e deixou uma dívida de quase € 1 bilhão. Avaliado em pouco mais de € 60 milhões, a aeronave seria utilizada para amortizar parte do que o governo líbio supostamente deve ao grupo Al Kharafi. Supostamente, pois até mesmo o uso do Airbus para quitar parte das dívidas é questionado na justiça.

O 5A-One foi originalmente encomendado pelo governo de Brunei, em 1996, quando serviu ao pequeno país até 2000, quando foi repassado a Kingdom Holding Company, uma holding de investimentos com sede em Riyadh, Arábia Saudita. Durante quase seis anos o avião serviu alguns dos mais importantes líderes sauditas, até ser vendido para a Líbia em 2006. Com al-Gaddafi o avião ganhou um novo interior, ainda mais luxuoso do que o anterior, contando inclusive com cinema a bordo. Considerado um dos déspotas que mais esbanjava com luxos e exageros, o líder líbio utilizou o A340 como aeronave pessoal até ser morto em 2011.

Com a tomada da capital por opositores e grupos rebeldes, o aeroporto se tornou um local bastante inseguro para funcionários do governo e para as aeronaves oficiais. O A340 foi alvejado antes de poder ser transferido para a França, o que obrigou os pilotos a voarem a baixa altura, com aeronave despressurizada e com trem de pouso baixado. O voo fora dos padrões de um voo de rotina elevou consideravelmente o consumo, reduzindo as opções de destino.

O avião pousou no pequeno aeroporto de Perpignan–Rivesaltes, no sudoeste da França, onde aguarda um desfecho para sua história. De forma pouco clara o A340 recebeu uma manutenção completa, inclusive recuperando os dados dos buracos de bala, e uma nova pintura com as cores da Líbia, substituindo a antiga e característica pintura com a sequência 9999 no estabilizador vertical. A pintura original remetia a criação da União Africana, criada por al-Gaddafi em 9 de setembro de 1999, um de seus maiores orgulhos em sua última década de vida.

O futuro do avião continua incerto, visto que o atual governo Líbio deseja a posse do 5A-One, mas grupos políticos locais também reclamam a legitimidade do atual governo. Enquanto isso, um dos únicos A340-200CJ do mundo continua recebendo manutenções constantes, sem saber a origem do dinheiro.

ÚLTIMO PEDIDO DE AL-GADDAFI

Airbus A350 XWB chegou a ser encomendado pela Afriqiyah Airways quatro anos antes da Primavera Árabe

Em dezembro de 2007, a Afriqiyah Airways, empresa de bandeira da Líbia, encomendou o então recém lançado A350 XWB, da Airbus. O pedido estava entre os maiores feitos por empresas do norte da África, com seis A350-800, quatorze A320 e três A330-200. A intenção na época era manter a Afriqiyah Airways entre as companhias mais modernas da região. E encomenda surpreendeu diversos países, visto que Trípoli sofria pesados embargos para compra de aeronaves modernas, e a venda do A350 XWB representava uma mudança nas políticas internacionais com a Europa.

Airbus A340 Líbia al-Gaddafi Primavera Árabe Kadaffi Lybia