Quando a missão do patrão coloca em risco a segurança de voo
Redação Publicado em 01/09/2014, às 00h00
Em sua edição 75, a revista Frequência Livre publicou um artigo assinado pelo comandante Gustavo Albrecht, presidente da Abul (Associação Brasileira de Aeronaves Leves), que merece ser lido. O autor elenca as 10 “qualidades” de um piloto de verdade. A terceira da lista chama a atenção para uma questão delicada em aviação, e oportuna, a autoridade do comandante: “Piloto de verdade não tem medo de cancelar voo”. Na aviação regular, esse tema se dá de modo menos conflituoso, já que os tripulantes técnicos, com a porta do cockpit fechada, têm contato quase nulo com os passageiros. Se a meteorologia não permitir o pouso no destino, ele não saberá das reuniões canceladas, dos negócios que não se realizarão, de um início de férias adiado ou qualquer outra frustração. Apenas cumprirá as rotinas operacionais e os procedimentos preconizados no MGO (Manual Geral de Operações) da empresa.
Na aviação executiva, as relações mudam, o contrato é outro. O patrão tende a estabelecer uma relação pessoal e de longo prazo com seus pilotos. A subordinação é direta e os laços, de confiança. Assim, com o tempo, os pilotos se envolvem cada vez mais com os anseios dos passageiros, pois conhecem as implicações do cancelamento de um voo. As coisas tendem a se intensificar quando o dono do avião passa a jantar com seus pilotos, a dar presentes especiais de fim de ano e a convidar suas famílias para subirem a bordo. Inconscientemente, os funcionários acabam fazendo mais do que poderiam, ou deveriam, para atender às necessidades do patrão, em atitudes que denotam certo “heroísmo”. Além de resolver o problema de um sujeito bacana, é também uma forma de “mostrar serviço” ao chefe.
O curioso é que nem sempre o passageiro se dá conta disso. Os próprios pilotos confirma que aquele patrão que demitia seu tripulante depois de uma decolagem abortada está em processo de extinção no Brasil, embora ainda existam alguns. Atualmente, a tendência é que eles queiram garantias de seus pilotos de que todas as missões serão as mais seguras possíveis e, ao contrário do que acontecia há poucas décadas, os aviadores que submeterem seus patrões a riscos desnecessários têm mais chance de perderem o emprego do que aqueles mais prudentes e criteriosos.
Fazer o que o patrão precisa em detrimento da segurança de voo, por ego, lealdade ou receio de ter seu emprego ameaçado, é uma prática indesejável entre pilotos de aviação executiva. Os tripulantes estão ali para garantir um transporte aéreo seguro, e não necessariamente zelar pelos compromissos da agenda dos passageiros. Como diz Albrecht em seu artigo, “um piloto de verdade não sente vergonha nenhuma em cancelar um voo, quer seja devido à meteorologia, a problemas mecânicos ou apenas por não se sentir capaz de realizá-lo. A menos que você seja um piloto militar, nenhum voo vale a tua vida”.