Em poucas décadas os painéis se tornaram quase totalmente digitais e mudaram a forma como se pilota uma aeronave
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 05/10/2023, às 17h00
Em sua já distante edição número 58, AERO Magazine publicou um suplemento especial intitulado “Aviônicos - A Era da Eletrônica”, mostrando a evolução dos cockpits prometida para o tão aguardado ano 2000.
Se há 23 anos os carros não estavam voando e as videconferências ainda precisariam de quase duas décadas até se tornarem realidade, as cabines com telas eletrônicas digitais, ou glass cockpits, já equipavam muitos aviões.
Hoje é raro achar aeronaves sem um painel digital. Mesmo modelos experimentais contam com a totalidade ou parte dos equipamentos eletrônicos. O sistema de posicionamento global (GPS, na sigla em inglês), que ainda era uma novidade em 1999, hoje está presente até nos smartphones, com aplicativos que permitem ao piloto planejar um voo completo, em uma aeronave leve esportiva ou em um grande jato de negócios capaz de cumprir missões intercontinentais.
Conheça os principais modelos em uso no mundo atualmente e suas diversas aplicações.
Um dos pioneiros na popularização dos painéis digitais foi o Garmin G1000, lançado no início dos anos 2000, como uma plataforma modular que podia atender a diversos tipos de projetos, desde pequenos monomotores a pistão até jatos e helicópteros.
O projeto foi tão acertado que, ainda hoje, a suíte G1000 é muito popular e recebeu uma série de atualizações e recursos personalizados de acordo com a aeronave. A Embraer foi um dos primeiros fabricantes a apostar no G1000, tornando-a suíte padrão na primeira geração do Phenom 100.
O sistema pouco diferenciava, em termos de arquitetura, do instalado no Bell 407GX, no Cessna 172 e no Kodiak. Quatro aeronaves com propostas completamente diferentes, mas que empregavam exatamente os mesmos hardwares básicos e o mesmo código fonte.
Não demorou para surgir algumas versões personalizadas, como o Cirrus Perspective, adotado na família de monomotores SR. Neste caso, a Cirrus optou por alterar a interface homem/máquina, usando menos knobs nas telas, que foram substituídos por um teclado e, logo depois, passou a contar com visão sintética. Uma série de melhorias continuaram sendo implementadas tanto na versão dedicada da Cirrus como em modelos de prateleira.
Atualmente, o G1000 NXi oferece configuração com dois ou três displays, com 10 ou 12 polegadas, além do Multfunction Display (MFD) de 15 polegadas, que incorporam uma série de recursos como um indicador de situação horizontal (HSI), tecnologia de visão sintética (SVT), marcador de rota de voo (flight path marker), observador de superfície (SurfaceWatch), sistema de incremento do sistema de posicionamento global (WAAS LPV), entre outros. Um ponto importante é a capacidade de integração com outros recursos, como piloto automático, rádio, radar meteorológico, ADS-B e assim por diante.
Em 2009, a Garmin lançou uma versão simplificada do G1000, batizado G500. Ainda que não tivesse apenas metade dos recursos, o nome era apenas uma referência a ser uma plataforma de entrada e dedicada a retrofit de aeronaves com painel analógico.
O modelo oferecia menores custos e não exigia um sistema elétrico tão robusto, sendo adotado também em aeronaves novas, em geral experimentais. A atual série G500 TXi oferece várias opções como telas horizontais ou verticais de sete polegadas, ou o formato horizontal de dez polegadas.
É possível até mesmo uma integração entre ambos os formatos de telas, assim como entre os opcionais estão parâmetros do motor, sistema elétrico e de combustível, HSI e mapa, entre outros.
Ainda assim, é possível ter apenas um PDF de sete polegadas e continuar usando os recursos analógicos. Ou integrar de forma bastante completa todos os sistemas, incluindo o piloto automático GFC 600 ou GFC 500, sistema de navegação com controle por toque GTN 750Xi.
Por exemplo, caso esteja equipado com o G500 TXi, GTN 750Xi e o GFC 500, é possível certificar o avião para aproximação ILS. Já aeronaves Part 23 podem ser equipadas com a suíte G600 TXi, uma evolução do G500, que conta com todos os recursos, mas oferece tela de até 10,6 polegadas e visão sintética.
Para modernizações em aviões certificados, ainda existe o G3X Touch, que oferece a partir de 8.600 de dólares os recursos das suítes G500 e G600, mas altamente personalizáveis e que oferece maior controle dos custos de modernização.
Ainda na aviação geral, a Garmin oferece a suíte G2000, voltado especialmente para aeronaves a pistão de alta performance. O modelo chegou a ser o padrão no Cessna TTx, que oferecia um completo e interessante pacote de aviônicos integrados pela Cessna.
Um dos destaques do G2000, em relação ao G1000, é seu controle por um display sensível ao toque. A interface lembra o conceito adotado nos smartphones, com ícones que levam as diversas páginas existentes na aviônica, permitindo controlar rádio, piloto automático, informações no PFD e MFD, entre outros.
O G2000 conta com telas de 12 e 14 polegadas, e prove visão sintética aperfeiçoada, com modelo tridimensional que, segundo a Garmin, oferece uma experiência quase de realidade virtual. Exageros à parte, o G2000 ainda conta com integração completa com o GMA 36, suporte ao ESP, sistema de comunicação por datalink GSR 5 etc.
Voltados para aeronaves de maior porte, em especial jatos de negócios intermediários, a suítes G3000 e G5000 foram lançadas quase simultaneamente. Diferem basicamente em complexidade, mas ambas oferecem completa integração com todos os sistemas da aeronave. O G3000 é usado nos Cessna Citation M2 e CJ3+, Embraer Phenom 100EV e Phenom 300E, Honda Jet, Piper M600, Cirrus Vision, Daher TBM 350 e TBM 940, entre outros.
Da mesma forma, o G5000 foi escolhido pela Cessna nos Citation Latitude, Longitude e Sovereing+ e equipa ainda os Learjet 70 e 75. Uma das curiosidades é que o G5000 deverá ser a aviônica padrão do Eviation Alice, um dos primeiros aviões elétricos com planos de ser produzido em série.
As principais diferenças entre o G3000 e G5000 estão na complexidade dos sistemas que podem ser integrados à plataforma. É possível integrar, por exemplo, funções como autothrottle, sistema de navegação, transponder, sistema de alerta de colisão em voo (TCAS), radar meteorológico, sistema de transmissão de dados (ACARS) e o sistema automático de controle de motores (Fadec).
Quando lançadas, as duas suítes já nasceram com completa integração de controle por toque, uma tendência que se mostrava sem volta há quase uma década.
Uma das suítes de aviônicos mais modulares e robustas foi desenvolvida pela Collins Aerospace com objetivo de atender a diversas aplicações, desde modernizações até customizações em projetos novos. Para se ter uma ideia da capacidade de personalização e diferentes aplicações do Pro Line Fusion, a plataforma foi adotada pela Embraer no lançamento dos Legacy 450/500 (atuais Praetor 500 e 600) e do cargueiro tático C-390.
Também utilizaram a solução da Collins a Textron (para modernizar a família King Air), a Gulfstream (no G280) e a Bombardier (nas séries Global 5000 e 6000). São três aplicações completamente diferentes, mas que usam basicamente o mesmo hardware e as mesmas linhas de comando.
Nos jatos de negócio da Embraer, foram instaladas quatro telas de 15,1 polegadas, sendo duas primárias (PFD), uma multifuncional (MFD) e uma de controle central, com visão sintética de série e head-up display (HUD) como opcional, além do sistema avançado de visão de voo (EVS), que mescla no HUD imagens da câmera de infravermelho.
O controle das funções é feito por meio de dois controles centrais do tipo touchpad. Já no C-390 o sistema ainda integra uma série de recursos táticos. Na plataforma adotada no King Air, por uma questão do layout do cokcpit do avião, a Beechcraft exigiu que todas as funções fossem por toques diretamente nas telas.
O mais impressionante é que um piloto que tenha familiaridade com o pro Line Fusion adotado, por exemplo, no King Air 350, em poucos minutos vai reconhecer onde estão as páginas e funções no C-390. Evidentemente, cada aeronave conta com suas páginas e recursos dedicados, mas a lógica e os sistemas são basicamente os mesmos.
Outra suíte modular da Collins é o Pro Line 21, que foi criado para permitir a modernização de diversos aviões de negócios, com destaque para as famílias Dassault Falcon 50 e Falcon 2000, Bombardier Challenger 300 e 605, Beechcraft King Air, Hawker Premier 1 e Hawker 700, 800XP e 850XP.
O Pro Line 21 oferece uma série de recursos como visão sintética, datalink e sistema integrado de informação de voo (IFIS), além de permitir às modernizadas que voem por navegação baseada em performance (RNP).
Nos anos 1990, a Honeywell deu início a uma plataforma básica de aviônica, que acabaria sendo o padrão adotado pela indústria na década seguinte, dando origem a diversas tecnologias e modelos de sistemas digitais.
O primeiro modelo foi o Primus 1000, que oferecia os mesmos hardware e código fonte como itens de prateleira, não exigindo o desenvolvimento dedicado de sistemas dedicados para cada novo avião lançado.
O sucesso foi tão grande que o Primus 1000 foi escolhido pela Bombardier no Learjet 45, pela Cessna nos Citation II, V e Excel e pela Embraer na família ERJ e, posteriormente, nos Legacy. Anos mais tarde, os Primus 2000 e Primus 2000XP foram adotados nos Bombardier Global Express, no Cessna Citation X, no Falcon 900 e no turbo-hélice regional Dornier 328.
Na sequência, a plataforma deu origem aos Primus Elite e Primus Apex, que integraram ainda mais recursos e passaram a ser oferecidos para modelos de aeronaves leves, como o Pilatus PC-12NG.
A mais recente evolução é a suíte Primus Epic e Epic 2, que se destaca por ter sido escolhida como base de projetos completamente diferentes, com uma interface criada especialmente para cada necessidade, mas novamente usando o mesmo código fonte e grande parte dos computadores.
Se o Primus 1000 era basicamente adaptado para cada aeronave, o Epic permitiu criar um sistema dedicado, com interface altamente personalizada para cada fabricante e aplicação.
Para se ter uma ideia, o Primus Epic na Dassault é conhecido como EASy e, na Gulfstream, como Planeview. Um piloto que usar o modelo francês possivelmente não vai acreditar que é o mesmo painel do rival norte-americano. Basta acessar o porão de aviônicos para ver que ao menos o hardware é quase idêntico.
Da mesma forma, é o Epic que equipa os jatos regionais da Embraer E-Jet E2 e o jato leve Pilatus PC-24. Se no caso da Garmin e Collins Aerospace a ideia era uma plataforma relativamente igual em tudo, visando reduzir os custos e permitir a fácil adaptação dos pilotos, a Honeywell seguiu um caminho diferente.
A ideia foi permitir que os fabricantes pudessem adaptar de maneira bastante completa suas necessidades na plataforma básica da suíte. Assim o funcionamento é praticamente igual, mas a interface e os recursos oferecidos são criados para cada necessidade.
O Entegra foi por alguns anos a suíte básica dos monomotores a pistão, sendo onipresente nos primeiros Cirrus, Columbia e em alguns modelos da Piper. A suíte permitiu criar o conceito modular na aviação geral, integrando também quase todas as funções, desde rádios, navegação e piloto automático até datalink.
Porém, a concorrência com o Garmin 1000 fez a Avidyne perder mercado, passando a focar seus projetos em modernizações. Embora haja milhares de aeronaves que nasceram na era digital, existem outros milhares da era analógica ou que surgiram na transição tecnológica.
O mercado de usados sempre foi importante na aviação geral, tornando a opção de modernizar modelos de sucesso uma oportunidade para mantê-los competitivos por mais alguns anos.
Com mercados como o norte-americano exigindo novos sistemas de navegação e recursos como ADS-B, a modernização ainda é necessária para quem deseja continua voando com aeronaves muitas vezes com poucos ciclos e número total de horas baixo.
A Avidyne oferece uma ampla linha de sistemas, incluindo PFD, MFD, rádio, navegação, transponder, entre outros. Dessa forma é possível criar um projeto especial para cada necessidade, combinando cada sistema da melhor forma. Além disso, alguns modelos permitem também serem instalados em aeronaves.