Após a tempestade, a bonança

Apesar dos efeitos do furacão Sandy, a maior feira de aviação executiva do mundo sinaliza para uma gradual retomada dos negócios, puxada principalmente por países como o Brasil

Christian Burgos, De Orlando Publicado em 21/11/2012, às 14h56 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


Com a retomada gradual dos negócios no mercado norte-americano de aviação executiva, a 65ª convenção anual da National Business Aviation Association (NBAA) mostrou um otimismo um pouco menos contido do que o de 2011, apesar do furacão Sandy. Horas após a abertura oficial da feira, realizada entre os dias 31 de outubro e 1º de novembro deste ano, em Orlando, na Flórida, Estados Unidos, podíamos tirar fotos com poucas pessoas aparecendo no angulo de visão. Era o sinal de que a tempestade que assolava a Costa Leste do país, responsável por milhares de voos cancelados (leia mais no artigo da p. 38), também "atingiria" o evento com a maior concentração de aeronaves privativas do mundo - assim como o fechamento do espaço aéreo por conta da campanha de Barack Obama no estado. Mais tarde, circularia nos corredores do Orange County Convention Center a informação de que os donos de 12.000 crachás não conseguiram chegar para a exposição. Ainda assim, os números da NBAA 2012 impressionam. Segundo o presidente da entidade, Ed Bolen, a feira recebeu 25.150 visitantes de 50 estados norte-americanos e 87 países - um número comparável ao total de 26.077 pessoas que compareceram em 2011 e 24.206 de 2010 -, que circularam entre os estandes de 1.073 expositores, uma quantidade significativamente superior à do ano passado, e viram na exposição estática um total de 105 aeronaves, além de mais quatro modelos expostos dentro do centro de convenções.

QUEDA ESTABILIZADA
A sensação é a de que o mercado estabilizou sua queda, e começa a se reaquecer nos Estados Unidos, embora ainda permaneça em declínio na Europa. Uma projeção da Honeywell, divulgada na semana da NBAA, prevê a entrega de 10.000 jatos nos próximos 10 anos, com um movimento de US$ 250 bilhões. Para 2013, revela o estudo, o número de vendas de jatos seguirá estável, porém, com ampliação da importância dos modelos de longo alcance e cabine larga, que responderão por cerca 70% das receitas e 40% das vendas nesta próxima década. Mesmo na Europa, esse segmento foi o único que ampliou sua atividade operacional em 2012.

Os fabricantes anunciaram novos programas com vistas ao esperado reaquecimento das vendas. Os BRIC continuam em pauta como as regiões em ampliação de negócios, segundo o estudo da Honeywell, com 46% dos pesquisados planejando compras nos próximos anos, sendo que 40% planejam comprar nos próximos dois anos, um patamar 10% maior do que no ano passado. China e Brasil eram os nomes mais citados em qualquer conversa, pendendo para o Brasil a importância de participar deste mercado como player global, não só pelo vistoso estande da Embraer como também pela inédita presença na feira como expositor da Líder Aviação. "Somos o único operador com presença em todas as cidades-sede da Copa do Mundo de 2014", diz Junia Hermont, diretora superintendente da Líder Aviação (leia mais no box da p. 36).

A Honda, que conta com quatro aeronaves em testes de voo, espera certificar seu HondaJet no final de 2013, e confirma a tendência de foco no Brasil ao revelar que, ainda no ano que vem, pretende estabelecer seu distribuidor para o país. Mas a notícia que sacudiu o mercado foi a de que a Hawker Beechcraft abandonou a negociação com os chineses e anunciou seu plano alternativo de reestruturação, desistindo de produzir jatos (que continuam à venda) e surgindo mais uma vez como uma nova companhia, a Beechcraft Corporation, saudável economicamente e focada em modelos de motores a pistão e turbo-hélices, sobretudo a familia King Air, com a fantástica marca de 7.000 unidades entregues desde seu lançamento em 1964.


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AINDA MAIS RÁPIDO
Os importantes lançamentos deste ano e o anuncio de novos projetos permite com segurança concluir que tempos melhores estão por vir após a passagem do furacão.

Falcon LXS
Gulfstream G650 Boeing BBJ Max

Dentre eles, destaca-se a grande vedete da feira, o Gulfstream G650, juntamente com seu irmão G280. Ao mesmo tempo, o fabricante anunciou crescimento de 30% nas receitas do terceiro trimestre de 2012 e backlog de US$ 16 bilhões. A companhia espera começar as entregas do G650 (US$ 64,5 milhões) e do G280 (US$ 24 milhões) antes do fim deste ano. O desempenho do G650 acabou provando-se ainda melhor do que o antecipado, tendo revisado seu alcance a 0,9 Mach de 5.000 nm para 6.000 nm (9.260 km a 11.110 km). Ao mesmo tempo foi reduzida a distância de decolagem dos originais 1.830 m para 1.785 m. Larry Flynn, presidente da Gulfstream, declarou que "o G650 se mostrou ainda mais rápido, com maior alcance e precisando de menos pista".

Ver de perto o G650 impressiona qualquer um. Com seção transversal totalmente nova, ele tem janelas ainda maiores (cerca de 30%) do que as do G550. Ao embarcar no jato de ultralongo alcance, fica evidente a preocupação da Gulfstream em ampliar o espaço interno de cabine não só para os passageiros como também para os tripulantes. Um detalhe bem-vindo é a divisão da galley em duas zonas, com armário e banheiro separados da área de trabalho da comissária, permitindo que os pilotos usem o toalete sem interferir no serviço de bordo. O cockpit é praticamente o mesmo do G550, com incorporação do fly-by-wire, o que demonstra a filosofia conservadora da Gulfstream, por conta da comunalidade. Também embarcamos no G280, que preservou apenas a fuselagem do G200. O resto é novo. As asas são as mesmas do G550 em escala menor (tem uma área de cerca de 2/3 em relação à de seu irmão maior). Com cauda redesenhada, motores Honeywell HTF7250G e painel Rockwell Collins Pro Line Fusion, o G280 pode decolar de uma pista de 1.500 m e alcançar 3.600 mn.

As aeronaves G150, G280, G450, G550 e G650 voaram a Orlando utilizando o Honeywell Green Jet Fuel, uma mistura de 50% de combustível convencional com 50% de um combustível à base de camelina. Segundo a Honeywell, essa mistura reduz a emissão de CO2 de 65% a 85% e pode ser utilizada com a tecnologia dos motores atuais.

NOVO FALCON LXS
Também foram apresentados pela primeira vez, na NBAA, o Learjet 75 (que deve fazer seu primeiro voo até o fim do ano e entrar em serviço na primeira metade de 2013 ao preço de US$ 15,5 milhões) e o Global 6000, ambos da Bombardier. O fabricante canadense revelou, ainda, os planos para os outros dois Global, o 7000 e o 8000, grandes e confortáveis jatos com alcance estimado em 7.300 nm e 7.900 nm (13.520 km e 14.630 km), respectivamente, a uma velocidade de 0,85 Mach.

Aparentemente, construir o jato executivo mais rápido e com maior alcance do mundo parece ser o objetivo de todos os fabricantes. A Cessna torna a batizar seu Citation Ten, como Citation X, atendendo a pedidos de clientes que preferiam a manutenção do antigo nome, e com a aeronave planejada para certificação no próximo ano pretende reclamar o título de velocidade mais alta, com 0,935 Mach. O fabricante norte-americano ainda anunciou uma nova versão do Citation Sovereign com winglets, inaugurando um novo território aerodinâmico para a companhia, que também estuda um novo jato leve, cujo mock-up, com fuselagem mais longa do que a do Mustang e mais curta do que a do Citation XLS, podia ser visitado no estande.

A Dassault anunciou uma nova versão de seu Falcon 2000LX, o mais eficiente jato de cabine grande em consumo de combustível. Será o Falcon 2000LXS, que substituirá o modelo LX na linha de montagem a partir de 2014. "Depois de entregar mais de 500 aeronaves da linha Falcon 2000, nós ainda encontramos maneiras de acrescentar melhorias a este produto de sucesso", declarou Jean Rosanvalon, presidente da Dassault Falcon Jets. A nova aeronave pesará 150 kg menos do que o LX e necessitará de 340 m menos para decolar e 130 m menos para pousar. Ele ainda será capaz de transportar seis passageiros com alcance de 4.000 nm a (7,400 km) 0,80 Mach.


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Um dos segredos da versão LXS é justamente a incorporação de recursos do 2000S, este, aliás, exposto pela primeira vez na NBAA. Na pratica, é um LX Maxcom slats internos adicionais nas asas e presença de um conjunto de autobrake (freio automático), que permitem sua operação em aeroportos restritos, como o London City. O painel é o Easy 2, com visão sintética e capacidades FANS, como a comunicação via datalink. Ainda sobre a Dassault, a Aviation Partners anunciou a aprovação FAA STC para a instalação dos seus High Mach Blended Winglets no Falcon 50, capazes de otimizar o desempenho da aeronave a velocidade 0,8 Mach ou mais, reduzindo o arrasto e incrementando em 5% o alcance da aeronave.

Estande da Embraer, que promete voar o Legacy 500 ainda este ano

LEGACY 500 VAI DECOLAR
A importância da Embraer no mercado está cada vez mais patente, e pode ser medida pela grande atenção que a mídia internacional especializada tem dedicado à empresa brasileira e aos seus lançamentos. Na NBAA, a Embraer divulgou o primeiro protótipo do Legacy 500, o midsize que acompanhou o lançamento de seu irmão midlight, o Legacy 450, diminuindo o gap entre o Phenon 300 (que agora passa a ser produzido também na planta de Melbourne, na Flórida, EUA) e o super-midsize Legacy 600. Os Legacy 500 e 450 compartilham grande parte de seus sistemas e são motorizados com os turbofans Honeywell HTF7500E, embora com diferentes potências. Ambos os jatos são os pioneiros na utilização total de comandos fly-by-wire em suas categorias.

O Legacy 500 deve voar até dezembro próximo. Ele terá alcance de 3.000 nm (5.550 km) com quatro passageiros e 2.800 nm (5.185 km) com oito passageiros, a 0,8 Mach. Seus concorrentes são o Learjet 85, o Gulfstream G150, o Hawker 900XP e o Cessna Citation Sovereign. Já o Legacy 450 terá alcance de 2.300 nm (4.260 km) com quatro passageiros e 2.200 nm (4.075 km) com oito passageiros, a 0,78 Mach, competindo com os Learjet 60XR e 45 XR, os Cessna Citation Latitude e XLS+, e o Hawker 750. A Embraer ainda atraiu atenção ao trazer para "dentro de casa" o desenvolvimento das cabines de suas aeronaves, formando um time próprio cuja estrela foi a contratação de Jay Beever como vice-presidente de Design de Interiores, um ex-gerente de Design para novos projetos da Gulfstream, que trabalhou no G650, entre outros projetos.

Os projetos e decorações dos interiores das cabines de passageiros foram, como sempre, alvo de atenção na NBAA, sobretudo nos lançamentos dos gigantes Airbus e Boeing. O consórcio europeu apresentou seu novo ACJ318 Enhanced com novo interior e Sharklets, incrementando seu alcance de 4.200 nm (7.780 km) para 4.350 nm (8.055 km). O luxuoso interior do ACJ318 Enhanced continua sendo responsabilidade da Lufthansa Tecknik. Já a Boeing Business Jets lançou o BBJ MAX8, com maior eficiência em consumo, permitindo 14% de aumento em seu alcance para cerca de 6.325 nm (11.715 km). Segundo Steve Taylor, presidente da BBJ "o BBJ MAX8 será um sucesso de vendas pela sua combinação de performance, espaço e conforto", com as primeiras vendas acontecendo para substituição dos antigos BBJ1, que agora alcançam 15 anos de serviço. Taylor ainda salientou este como "um tremendo ano" para a Boeing Business Jets, cujas receitas estão batendo US$ 2 bilhões a preços de lista.

Learjet 75 foi um dos destaques da Bombardier na feira

TURBO-HÉLICES EM VOGA
Mas nem só de jatos vive o mercado de aviação executiva. Uma excelente interpretação do especialista brasileiro em aviação, Antônio Siqueira Assreuy, é a de que nos EUA, proprietários de jatos pequenos estão reaquecendo o mercado de turbo-hélices à medida que buscam a otimização de custos ao preferir esse tipo de aeronave quando seus destinos estão a menos de 600 km de distância. A própria Beechcraft anunciou três novos modelos de turbo-hélices, e forneceu detalhes de dois deles, um será um bimotor para ocupar o nicho entre os King Air 90 e 250, e o outro pode ser uma muito esperada versão monomotora do King Air. O terceiro seria uma aeronave single pilot com configuração de oito a 11 passageiros e alcance de 1.750 nm (3.240 km) para 4 passageiros e velocidade máxima de cruzeiro de 302 nós (560 km/h) em FL250 (7.620 m). Também apontado, mas sem detalhes revelados, está um novo monomotor a pistão entre o Bonanza e o Baron.

A mensagem, apesar das turbulências e incertezas no lado Hawker da companhia, foi bem recebida pelos clientes Beechcraft. Um pedido de US$ 34 milhões foi assinado na feira para nove King Air 350i, dois King Air 250, dois King Air C90Gtx e quatro Baron G58 pelos distribuidores da empresa no México, Venezuela, Colômbia, Chile e Guatemala.

A Piper Aircraft esteve presente na NBAA demonstrando os monomotores turbo-hélice pressurizados e entregou seu 500º Meridian. O CEO Simon Caldecott declarou que "isso confirma a vencedora proposta de valor do Meridian nos atuais tempos de incerteza econômica, que está em crescente popularidade ao substituir outras menos econômicas, como os bimotores, sejam eles jatos ou turbo-hélices". Caldecott ainda confirmou que colocou definitivamente "on hold" o programa Altaire: "O modelo econômico de um monomotor a jato realmente funciona, mas quem estiver desenvolvendo um agora, precisa ter o bolso cheio". O foco em seus esforços está dando resultados para a Piper, que apresentou um crescimento de vendas sobre o ano passado com receitas no terceiro trimestre em US$ 37,9 milhões, e que espera produzir 40 aeronaves no quarto trimestre.

TBM 850 RECONFIGURADO
A Cessna anunciou um upgrade no seu Grand Caravan EX com os novos motores Pratt & Whitney PT6A-140, que vão gerar 867 shp (646 kW) em substituição aos atuais PT6A-114A de 675 shp (505 kW). A nova versão, com entregas esperadas para dezembro deste ano, aumentará a performance de subida em 30% e permitirá decolagens com 1.370 pés (415 m) e pousos com 915 pés (280 m) de pista.

A Daher-Socata aponta para a boa aceitação da nova versão para todos os novos TBM 850, que permite uma rápida reconfiguração do espaço interno com a remoção dos dois assentos traseiros de passageiros, transformando-as em aeronaves para um piloto, três passageiros e mais 230 kg de carga/bagagem.

Um pequeno contratempo parece estar atrapalhando a conectividade nas cabines, o novo Iphone 5 tem conexão diferente do Iphone 4 e difere de tudo para o que a indústria se preparou. A Apple vai lançar um adaptador que permitirá recarga e áudio, mas não permitirá as funções de vídeo. Os novos recursos embarcados de telefonia e os aplicativos para o tablets, aliás, monopolizaram as conversas entre pilotos durante a NBAA.

Colaboraram Daniel Torelli, André Danita e Santiago Oliver