A evolução tecnológica e os desafios enfrentados pelo avião mais avançado da Airbus
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 17/01/2025, às 17h00
Há dez anos, o A350 realizava seu primeiro voo comercial nas cores da Qatar Airways, demonstrando ser uma das apostas mais arriscadas e corretas feitas pelos conselheiros da Airbus.
Desde sua entrada em serviço, em janeiro de 2015, o A350 acumulou 10,6 milhões de horas e 1,6 milhão de ciclos de voo, sendo a variante -900 a mais popular, com 37 mil horas e 7.800 decolagens.
O A350 foi criado como uma resposta intermediária aos Boeing 787 e 777-300ER, nascendo em um ambiente de incertezas, mas consolidando a Airbus no segmento de aviões de dois corredores.
Em meados dos anos 1990, com o mercado de transporte aéreo crescendo rapidamente, viagens de média e longa distância tornaram-se populares, mas aeroportos e o espaço aéreo começaram a mostrar limitações. O grande volume de voos internacionais e de conexão, aliado aos jatos de dois corredores, saturava os aeroportos globalmente.
A solução, segundo a Airbus, era oferecer aviões ainda maiores, com mais do dobro da capacidade do 747, o que permitiria aumentar o volume de passageiros com menos voos. A Boeing, por sua vez, avaliou que não havia demanda para um avião maior que o 747, no máximo uma versão ligeiramente maior.
A Airbus lançou o A380, que não chegou a levar o dobro que o 747, mas se tornou consideravelmente maior. Já a Boeing optou por desenvolver o 787 Dreamliner, uma aeronave intermediária entre os 767 e 777, que introduziu materiais compostos, novos motores e aerodinâmica avançada, que permitiria oferecer mais voos ponto a ponto, evitando grandes hubs.
A Airbus ganhava cada vez mais mercado com a família A320/A321 e apostava no A380, mas avaliava que o movimento da Boeing exigia uma resposta imediata. Uma resposta tardia comprometeria o futuro dos A330, que tinham uma importante carteira de clientes na Europa, Ásia e uma presença significativa nos Estados Unidos.
Já o A340 seguia patinando nas vendas, sobretudo por oferecer uma capacidade ligeiramente superior ao irmão bimotor, mas com custos operacionais consideravelmente mais altos.
Inicialmente a Airbus ofereceu uma versão remotorizada e com aerodinâmica refinada do bem-sucedido A330. A resposta do mercado foi bastante negativa, considerando a proposta aquém do 787. A primeira voz contrária foi Steven Udvar-Hazy, então presidente da International Lease Finance Corporation (ILFC), que afirmou que o A350 não atenderia às reais necessidades dos clientes.
Sem alternativas, a Airbus reviu o projeto e lançou, no Farnborough International Airshow de 2006, um projeto clean sheet, ou seja, projetado do zero. O A350 foi batizado de XWB, acrônimo de Xtra Wide-Body, em referência à sua fuselagem mais larga que a do A330/A340, superando até mesmo o 787, com um cross section interno de 5,61 metros, ante 5,46 do rival.
Ainda que tenha obtido uma boa aceitação de mercado, inclusive com a TAM (atual Latam) como cliente de lançamento, o A350 foi introduzido em um período de dificuldades para a Airbus.
O A380 enfrentava atrasos, estouros de orçamento e baixa demanda, especialmente nos Estados Unidos, onde operadores do 747 migravam para o 777 ou consideravam o 787. Os A340 se aproximavam do final de sua carreira, enquanto o A330 mantinha boas perspectivas, mas podia ter as vendas canibalizadas pelo A350.
Internamente, o novo A350 oferecia oportunidades e riscos. As oportunidades estavam relacionadas ao potencial de obter vendas entre potenciais clientes do 777-300ER e do 787, oferecendo uma aeronave capaz de atender a ambas as demandas. Já os riscos estavam no elevado custo, nos prazos maiores para entregar o avião e na perspectiva, posteriormente confirmada, de drenar vendas do A380, que ainda estava em fase final de certificação.
Para tornar o ambiente ainda mais desafiador, a Airbus havia implementado um grande programa de corte de custos chamado Power8, que comprometia a capacidade de realizar grandes investimentos e deixava pouca margem para erros. Entretanto, os avanços tecnológicos do 787 colocavam pressão para o desenvolvimento de um avião que seguisse pelos mesmos caminhos, sobretudo em relação ao uso extensivo de materiais compostos e à adoção de novos motores.
Para evitar perder mais tempo em relação à Boeing, assim como mitigar os riscos, a Airbus optou por desenvolver a fuselagem do A350 em painéis de carbono, e não em uma peça única, como as seções de fuselagem do 787. A estratégia evitava gastos milionários com gigantescos fornos autoclaves, além de reduzir o tempo de desenvolvimento e manter os custos sob controle. A Airbus ainda argumentava que o uso de painéis, em vez de uma peça única, facilitaria eventuais reparos, ao mesmo tempo que não agregaria maior peso.
Os motores seriam fornecidos pela Rolls-Royce, visto que a GE havia se comprometido a manter exclusividade com a Boeing, e seriam derivados do projeto Trent 900, criado para o A380, incorporando soluções do programa Trent 1000, do 787. Isso também permitiria reduzir os custos, o tempo e os riscos.
No lançamento, a Airbus ofereceu ao mercado três versões: o A350-900, como modelo padrão; o A350-800, como uma versão de menor capacidade e maior alcance; e o A350-1000, com maior capacidade e menor alcance. Todavia, apenas as variantes -900 e -1000 prosperaram.
O primeiro pedido firme veio da finlandesa Finnair, em março de 2007, seguido de uma robusta encomenda de oitenta unidades do A350 feita pela Qatar Airways. No entanto, a Emirates Airline, que era considerada uma das empresas-chave do programa e havia colocado um pedido firme para setenta aeronaves no Dubai Airshow de 2007, cancelou o pedido sete anos depois, alegando que estava focada na operação do A380 e do 777-300ER. Apenas em 2019, a empresa de Dubai reconsiderou o A350, com um novo pedido para 50 aeronaves.
Ao contrário do A380, que acumulou diversos problemas e atrasos, o A350-900 realizou seu primeiro voo em 14 de junho de 2013, sendo certificado em setembro do ano seguinte, dentro do cronograma básico e orçamento. Ainda assim, no lançamento, a Airbus prometia a entrada em serviço em meados de 2013, o que ocorreu apenas em janeiro de 2015, quando a Qatar Airways estreou seu novo avião na rota Doha–Frankfurt, na Alemanha.
Mesmo com uma mudança no calendário, o atraso não chegou a dois anos, estabelecendo uma importante vitória para a Airbus, sobretudo quando comparado ao 787, que, em 2013, foi impedido de voar por vários meses devido a problemas técnicos.
Enquanto a Airbus celebrava o primeiro voo do A350, a Boeing enfrentava o primeiro capítulo de sua grave crise, com os incêndios nas baterias do 787 e falhas na linha de produção. O A350-1000, além de oferecer uma capacidade e alcance próximos ao 777-300ER, mostrou-se um importante competidor contra os futuros 777X. Com custos operacionais relativamente similares, o A350 se destaca por já estar certificado e contar com versões de ultralongo alcance, como o A350ULR, derivado do A350-1000 e com alcance de 9.700 milhas náuticas (17.960 quilômetros).
A australiana Qantas e a Airbus ainda trabalham em uma versão com alcance que deverá superar as 9.800 milhas náuticas (18.150 km), permitindo voos de até 22 horas de duração, suficientes para ligar Sydney a Londres.
No início de 2021, ainda sob os efeitos da pandemia de covid-19, a Qatar Airways reportou uma série de problemas na pintura dos seus A350, que estariam comprometendo a estrutura. A Airbus alegou que o problema era pontual e sem impacto na segurança, mas o caso foi levado aos tribunais de Londres. O ápice da disputa foi o cancelamento do pedido dos A350 e a solicitação de uma indenização bilionária.
A resposta da Airbus foi ainda mais surpreendente: a empresa cancelou unilateralmente todos os pedidos da Qatar Airways, incluindo cinquenta A321neo. Como reação, a Qatar encomendou os Boeing 777-8 e 737 MAX 10. Embora, ao final, ambas as empresas tenham chegado a um novo acordo, o movimento favoreceu o 777X, que acumula mais de cinco anos de atrasos e promete ser o grande rival do A350 nos próximos anos.
Mais recentemente, a Emirates colocou em serviço seu primeiro A350, em um movimento de renovação da frota que passa pelo projeto de médio prazo de substituição dos A380 pelos A350. A empresa não descarta ampliar a encomenda caso o 777-9 não seja entregue até o ano que vem.
Já nos Estados Unidos, mesmo com a Boeing ainda passando por uma crise sem fim, que compromete o futuro do 777X e acumula atrasos nas entregas do 787, a Airbus ainda não foi capaz de obter grandes pedidos para o A350. A única operadora atual, a Delta Air Lines, destaca-se por ser um fiel cliente dos widebody da Airbus, sendo a única empresa norte-americana a contar com o modelo na frota.
A United Airlines, há vários anos, mantém uma opção de compra para até 45 unidades do A350-900, mas sem um prazo para confirmar o pedido. Alguns analistas acreditam que, no médio prazo, a United manterá o foco no 787, com um pedido total de até 237 aeronaves.
Por fim, a Airbus ainda enfrenta desafios com a cadeia de produção, que vem afetando todo o setor aeroespacial. Isso tem mantido reduzida a capacidade de entrega do A350, embora a meta seja atingir dez aeronaves por mês ainda este ano.