Aeroportos executivos em São Paulo

Terminais privados, com pistas de mais de dois mil metros, atendimento VIP e bases FBO, prometem desafogar Guarulhos e Congonhas e acomodar melhor a aviação geral no principal centro de negócios do país

| Giuliano Agmont E Robert Zwerdling | Fotos | Divulgação Publicado em 06/08/2012, às 07h11 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

A imagem de jatos executivos perfilados na grama do aeroporto de Lanseria, na África do Sul, sempre vem à tona quando o assunto é a infraestrutura aeroportuária para aviação geral durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. Na final do torneio da FIFA de 2010, a capital sul-africana recebeu mais de 300 aeronaves e, apesar de contar com um aeroporto dedicado a voos irregulares, faltou pátio para tantos aviões. No Brasil, o governo espera atender pelo menos 800 jatos executivos durante o mundial de futebol, com um acréscimo de 200 na final, transportando patrocinadores, comitivas governamentais, celebridades e empresários em geral. A Rio+20, conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente, mostrou que é possível acomodar voos extras com a imposição de restrições à aviação regular em grandes aeroportos, como o Galeão e o próprio Santos Dumont, além do uso de bases aéreas militares e aeroportos menores. Mas existem investimentos, principalmente em São Paulo, que prometem amenizar não só os picos de pousos e decolagens de aeronaves executivas, como o que acontecerá em 2014, mas também o dia a dia do empresário que precisa partir e chegar da capital paulista para fazer negócios.

Pelo menos três iniciativas de organizações privadas prometem erguer nas proximidades de São Paulo aeroportos com infraestrutura capaz de atender a grandes jatos executivos, até 2014. A mais adiantada é a de Araçariguama, no noroeste do estado, patrocinada pela construtora JHS-F. Outra, que também já teria recebido autorização para construção de um aeroporto próximo ao trecho de Campinas do Rodoanel Mário Covas, é encabeçada pelos empresários Fernando Botelho Filho e André Skaf. A terceira, da qual pouco se tem notícia, seria nas proximidades de São José dos Campos e Caçapava. A intenção dos empreendedores é construir pistas com extensão de pelo menos 2 mil metros, homologadas para atender operações ILS, no mínimo CAT I, e também terminais dedicados com atendimento VIP e FBO (Fix Based Operation). No projeto da JHS-F, a pista teria 2.750 metros e capacidade de atender a mais movimentos que qualquer outro aeroporto do estado. Como se sabe, os operadores precisam de boa extensão de pista em São Paulo, que está 2 mil pés acima do nível do mar, principalmente se a temperatura estiver alta, em torno de 30º C. Só assim eles conseguem decolar com combustível suficiente para cumprir voos intercontinentais sem escalas.

O desafio dos investidores agora é obter junto às autoridades aeronáuticas autorização para operar voos comerciais, locais e internacionais. Isso significa receber aval para cobrar tarifas pelo uso da pista, já que o projeto depende desse tipo de arrecadação para se tornar viável como alternativa aos aeroportos centrais. Significa também dispor de infraestrutura para o controle de tráfego aéreo – não apenas informações de voo –, que poderia surgir de uma parceria com Infraero ou Decea, e suporte de Receita Federal, Polícia Federal e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para atender aos passageiros durante o horário de funcionamento do aeroporto. Nas palavras de um interlocutor próximo aos empreendedores, “se estiverem operacionais, esses aeroportos têm boas chances de absorver o movimento de aeronaves executivas durante grandes eventos”.

Importante frisar que os investimentos não devem se limitar aos campos de aviação. É necessário, por exemplo, investir no setor de climatologia e previsão de tempo para que o aviador possa contar com prognósticos mais apurados. Hoje em dia, o piloto que vem ao país tem de levar em conta as condições meteorológicas previstas em seu destino pelo TAF (Terminal Aerodrome Forecast) ao abastecer seu avião. Mas há necessidade de se investir mais na precisão das informações. O piloto precisa, ainda, considerar que suas alternativas podem estar com os pátios superlotados, isso quando elas não possuem espaço para qualquer vaga extra, como é o caso de Vitória (ES) e Florianópolis (SC). O Controle de Tráfego Aéreo também tem de ser melhorado, com controladores mais bem-preparados, além de recursos tecnológicos mais avançados que permitam a esses profissionais gerenciar satisfatoriamente suas atividades com aumento da produtividade sem deixar de lado a segurança de voo. Hoje, o controlador do radar não tem como visualizar ao mesmo tempo alvos de aeronaves e a imagem de uma formação meteorológica em sua tela de monitoramento do tráfego aéreo, o que já acontece nos centros de controle dos Estados Unidos e da Europa.

Ainda em São Paulo, outras duas iniciativas prometem melhorar o atendimento da aviação geral na Baixada Santista. O Guarujá deve ganhar antes da Copa de 2014 um aeroporto de 200 mil metros quadrados, que será construído em um anexo da Base Aérea de Santos. Ele teria pátio com capacidade para acomodar 300 aeronaves de médio porte. E em Itanhaém, o Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo (Daesp) tem investido no aeroporto municipal da cidade, melhorando os acessos, ampliando o pátio de aeronaves e regularizando o greide de faixa da pista de pouso e decolagem. “Com esses cinco aeroportos, a aviação executiva estaria bem-atendida em São Paulo e não precisaria ocupar os pátios já saturados dos grandes aeroportos paulistas”, acredita um analista ouvido por AERO.

Aeroportos de Lanseria, na áfrica do Sul, durante a Copa do Mundo de 2010 (à esq.), e de Teterboro, em Nova Jersey: terminais dedicados à aviação executiva

TERCEIRO AEROPORTO EM SP
A terminal aérea (TMA) mais congestionada do Brasil é a de São Paulo. Ela reúne os aeroportos de Congonhas, Guarulhos, Campo de Marte e os vizinhos de Jundiaí e de Viracopos, em Campinas, e atendem a 33% de todo o tráfego do país, concentrado em apenas 1,2% do território nacional. As estatísticas do Campo de Marte só não são maiores porque o aeroporto está construído na zona Norte da capital paulista e, como seu tráfego aéreo interfere nas operações em Guarulhos e Congonhas, há restrições operacionais. O mesmo acontece em Jundiaí, que, apesar de mais afastado, interfere nas aproximações e decolagens de Viracopos ou mesmo na descida para São Paulo, cujas rotas STAR (Standard Terminal Arrival Route) preveem o sobrevoo da região. Marte e Jundiaí acabam estrangulados, o que mina o desejo de muitos operadores da aviação executiva de intensificar o aproveitamento dessas pistas.

Esse também teria sido o motivo que levou a Aeronáutica a rejeitar o projeto de construção de um terceiro aeroporto na região metropolitana de São Paulo pela iniciativa privada. De acordo com a avaliação do Departamento de Controle do Espaço Aéreo, o plano apresentado pelas construtoras Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa para Caieiras, a 30 quilômetros do centro de São Paulo, seria inviável, já que causaria interferências nos aeroportos de Guarulhos, Viracopos, Congonhas e Jundiaí. O projeto previa duas pistas de pouso e decolagem e uma capacidade inicial para 22 milhões de passageiros. Como o projeto passa por reavaliação, a cidade de Mogi das Cruzes também está no páreo para receber o terceiro aeroporto, tanto que os vereadores da cidade já teriam aprovado uma comissão especial para tratar dos assuntos relacionados à instalação do aeroporto. Também com interesse no projeto está a cidade de Cotia, porém, com menos chances de sucesso em função da topografia bastante irregular do terreno.

INSPIRAÇÃO NORTE -AMERICANA
A melhor referência para a aviação executiva do Brasil vem dos Estados Unidos. As cidades norte-americanas, em sua grande maioria, operam diversos aeroportos vicinais bem-equipados com intuito de desafogar os terminais utilizados pela aviação de carreira e dar um bom atendimento aos operadores da aviação geral, em especial, a executiva. O aeroporto de Teterboro, localizado em Nova Jersey, oferece duas pistas para pousos e decolagens, a 01/19, com 2.134 metros, e a 06/24, com 1.833 metros. As cabeceiras 06 e 19 possuem sistema para aproximação por instrumentos do tipo ILS CAT I ou R-NAV, enquanto a pista 24 atende às operações por meio de procedimentos balizados por VOR/DME – para a pista 01, somente aproximações visuais. Além disso, o operador dispõe de serviço completo de Torre de Controle (Torre, Solo e Tráfego), além de sistema D-ATIS para transmissão das informações operacionais vias ACARS (Aircraft Communications Addressing and Reporting System). Contam, ainda, com iluminação noturna e boas bases de apoio em solo do tipo FBO, entre elas a Signature Flight Support e a Jet Aviation. A média de operações diárias chega a 420, sendo que apenas 75 aviões estão baseados em Teterboro. E a aviação geral responde por 99% desse movimento, sendo 34% atribuídos exclusivamente à aviação executiva.

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Outro bom exemplo de aeroporto devidamente equipado para atender à demanda da aviação geral é o Aeroporto Executivo de Orlando (Flórida), localizado no centro da cidade, a apenas 12 quilômetros do Aeroporto Internacional de Orlando. A média diária de operações chega a pouco mais da metade de Teterboro, movimento que não o impede de oferecer excelente infraestrutura. Não por acaso sediará mais uma vez a exposição estática de aeronaves durante a 65ª convenção da NBAA (National Business Aviation Association), que será realizada entre os dias 30 de outubro e 1º de novembro deste ano. Mais de 25 mil profissionais ligados à área, além de jornalistas, deverão circular pelos pátios do aeroporto, que opera duas pistas transversais, a 07/25, com 1.830 metros de comprimento, e a 13/31 (auxiliar) com 1.410 metros. A cabeceira 07 opera ILS, enquanto a pista 25 pode receber voos por meio de procedimentos R-NAV ou balizados por LOC ou VOR/ DME. No solo, a estrutura conta com apoio da Torre “Executive” para movimentação operacional, e das FBOs Sheltair e Showalter Flying Services, com apoio para pernoite, manutenção, abastecimento e traslados.

No caso da cidade de Orlando, a aviação executiva não está restrita somente a dois aeroportos. O operador pode optar, também, por Kissimmee, localizado a 25 quilômetros do centro, onde o Aeroporto Gateway oferece outras duas pistas para pousos e decolagens, sendo uma delas com 1.829 metros de comprimento e outra, auxiliar, com 1.524 metros. O aeroporto opera dia e noite e o serviço de Torre de Controle é oferecido entre 7h e 22h (hora local). Durante a madrugada, opera-se na frequência da Torre, porém, as aeronaves devem se coordenar durante a partida e o pouso, informando posição antes de iniciar o táxi, antes da decolagem, a 10 milhas náuticas para o pouso, perna do vento, base, final e livrando a área operacional. É a frequência livre do Brasil, que, nos Estados Unidos, vem indicado com a sigla CTAF, de Common Traffic Advisory Frequency.

Aeroporto Executivo de Orlando, localizado no centro da cidade, sediará mais uma vez em 2012 a convenção da NBAA

AMPARO METEOROLÓGICO
Para obter as condições meteorológicas, os pilotos da aviação executiva não ficam desamparados nos Estados Unidos. Além de alguns aplicativos disponíveis para acesso via tablet ou smartphones, com os quais se consegue baixar informações completas de meteorologia, imagens de satélite em tempo real, entre outras, pode-se recorrer às frequências dos serviços automáticos de informações meteorológicas, também disponíveis via telefone. Enfim, durante o voo, conta-se com a ajuda preciosa do operador do Flight Service Station (FSS).

Ainda sobre Orlando, se o proprietário de uma aeronave tiver a intenção de pousar num aeroporto com um pouco mais de infraestrutura, mas deseja evitar os aeroportos centrais, pode recorrer a Sanford, distante 25 quilômetros, que oferece três pistas paralelas para pousos e decolagens, FBOs e até terminal de embarque e desembarque para voos domésticos e internacionais, não obstante o fato de que o movimento de linhas regulares representa apenas 4% de uma média de 545 operações diárias. Nos Estados Unidos, existem milhares de proprietários de aeronaves de pequeno porte que utilizam o avião como seu segundo automóvel. Não são poucos os casos de estudantes que recorrem ao seu monomotor para assistir a aulas numa cidade vizinha, ou mesmo de profissionais autônomos, como médicos e advogados, que não restringem suas visitas a pacientes numa única cidade.

Isso é possível graças às tarifas reduzidas, aos custos baixos de manutenção, à escassa burocracia e à boa infraestrutura de apoio à aviação. Mesmo onde não há a estrutura completa de um aeroporto, os proprietários de aeronaves não poupam investimentos no seu campo de aviação e, quando há necessidade, faz-se a mobilização para angariar recursos, aplicando o capital na reforma de uma pista ou mesmo na instalação de um sistema de balizamento noturno. O apoio oferecido pela FAA (Federal Aviation Administration), o departamento de aviação civil norte-americano, é incondicional, tanto na parceria para a instalação de um ILS, por exemplo, como para avaliar e aprimorar a segurança operacional dos aeródromos. Mesmo em meio à crise econômica, o norte-americano continua utilizando bastante o avião como ferramenta de trabalho ou mesmo para a recreação. Há alguns anos, durante uma visita à Torre de Controle do Aeroporto George Bush Intercontinental, de Houston, no Texas, um supervisor admitiu que havia relaxado na tarde do dia anterior voando durante o pôr do sol a bordo de seu próprio monomotor Piper Cherokee.