Nos terminais, a interconectividade entre passageiros, companhias aéreas, agentes aeroportuários, autoridades e prestadores de serviço está apenas começando
Por Edmundo Ubiratan Publicado em 16/05/2015, às 00h00
Estudo para o novo Heathrow
Os aeroportos evoluem mais lentamente do que as aeronaves. A última grande inovação antes da era digital aconteceu na década de 1960, com a popularização das pontes de embarque e a criação de sistemas de auxílio ao voo e de segurança. Somente nos anos 1990, a informática e a internet criaram condições para que tivesse início uma nova transformação nos terminais do modal aéreo, com automatização de uma série de processos antes feitos de forma manual e extremamente lenta. Os dados dos cartões plásticos ou de papelão usados no check-in migraram para a tela de um computador enquanto o talão com papel carbono virou um aplicativo dentro de um smartphone. A próxima fronteira dos aeroportos será a interconectividade, com a ampliação do uso de recursos da chamada Internet of Things (IoT). Desenvolvida pelo MIT Auto-ID Laboratory, a IoT representa hoje o futuro da computação e da comunicação, fazendo amplo uso da plataforma wireless, e possivelmente da nanotecnologia, para interligar sistemas, dispositivos e serviços de modo a criar ambientes cada vez mais automatizados.
Os aeroportos continuarão investindo maciçamente na criação de soluções integradas, que permitam a passageiros, empresas aéreas, prestadores de serviço e toda a cadeia aeroportuária interagirem de forma conjunta. “A tendência para os próximos 20 anos é a interconectividade completa do aeroporto”, resume Mauro Pontes, vice-presidente da Sita do Brasil.
O estudo “Future Traveller Tribes 2030: entendendo o viajante do futuro”, conduzido pela Future Foundation em parceria com a Amadeus, prevê que até 2030 mais de 1,8 bilhão de pessoas irão viajar internacionalmente todos os anos. De acordo com o documento, não existirão consumidores completamente desconectados de tecnologias de comunicação e redes Wi-Fi, que estarão presentes em todos os lugares. Um estudo da Sita afirma que 97% dos passageiros utilizam atualmente algum dispositivo móvel em suas viagens, enquanto 84% dos aeroportos hoje já investem em tecnologias de comunicação móvel. “Estar conectado durante o tempo todo se tornou quase um padrão de vida”, considera Ju Kun, engenheiro de comunicação da D-link, referência global em sistemas wireless. “O desenvolvimento dos smartwatch, os relógios inteligentes, confirma essa tendência”.
Nos próximos anos, os passageiros poderão contar com novas facilidades, como o monitoramento da mala despachada. Já existem alguns tags para bagagem que funcionam por meio de Bluetooth e permitem ao passageiro saber quando a mala chegou à esteira. No futuro, sistemas melhorados poderão monitorar a mala durante todo o processo, do despacho à restituição, incluindo o embarque no avião. “Esse sistema proporcionará não apenas uma segurança ao passageiro, mas a todo o sistema, evitando extravios de bagagem”, acredita Mauro Pontes, da Sita.
Outras tecnologias já estão em funcionamento nos aeroportos atuais, como os e-gates. Neles o passageiro realiza o embarque automaticamente e, em alguns casos, o sistema lê os dados enviados a smartphones e tablets. Há aeroportos, ainda, que contam com sistemas de imigração automatizados, em geral, destinados aos cidadãos do próprio país. As autoridades e os administradores aeroportuários já trabalham em conjunto para ampliar o serviço a todos os passageiros, que poderão realizar a imigração sozinhos. Sensores biométricos verificarão instantaneamente a identidade do viajante, cruzando seus dados com os de uma rede global de registro. “Em poucos anos, muitos países terão concluído o compartilhamento do banco de dados referente a seus cidadãos, permitindo automatizar o sistema”, prevê Ricardo Cavalcante, ex-policial federal e consultor de segurança. “Além de facilitar o processo, aumentará a segurança já que criminosos terão sérias dificuldades para burlar o sistema”.
Segurança também deverá ser beneficiada pela integração dos sistemas, que, além de barrar suspeitos na chegada ou saída de um país, permitirá monitorar atitudes suspeitas. Alguns aeroportos já testam ferramentas que conseguem identificar ações suspeitas na multidão. Complexos algoritmos processam comportamentos e cruzam com dados que podem levar à identificação de um potencial criminoso ou terrorista. No futuro, será possível cruzar os dados biométricos de determinado indivíduo com o vasto material disponível na internet, como redes sociais e perfis online. “Já existem sistemas que reconhecem ações suspeitas e alertam as autoridades. Os fabricantes trabalham em plataformas que podem cruzar esses dados com o Facebook, por exemplo”, diz o engenheiro Ju Kun. O sistema identifica o rosto do suspeito e faz uma busca no banco de dados das autoridades e nas redes sociais. Ao encontrar algo que possa identificá-lo como suspeito, incluindo comentários preconceituosos, apoio a ações de grupos extremistas e fotos com armas, o dispositivo alerta automaticamente as autoridades.
Totem da Sita para controle automático de imigração
“Nossa pesquisa mostra não só que o tipo de experiência exigido pelos viajantes será diferente em 2030, mas, também, que o modo como os viajantes compram e envolvem-se com a indústria está prestes a mudar”, antevê Nick Chiarelli, diretor da Future Foundation. O compartilhamento de experiências tem sido amplamente utilizado pelos principais aeroportos do mundo, que apostam na criação de softwares que tornem a experiência mais gratificante e simples. Alguns aplicativos, como o desenvolvido pelo aeroporto de Dubai, permitem ao viajante obter em tempo real informações referentes ao status do voo e a opções de alimentação e compras, além de compartilhar suas experiências com demais passageiros. O sistema ainda funciona como uma espécie de GPS, dando a localização exata no aeroporto por meio da triangulação de sinais Wi-Fi. Outros aeroportos querem levar esse sistema a um novo patamar, ao localizar no terminal um passageiro que se encontra distante do seu portão e enviar a ele uma mensagem de alerta informando a iminência do encerramento do embarque.
A IATA ainda aposta na racionalização de serviços aeroportuários para os próximos anos. A associação espera que seus membros invistam em sistemas integrados e comuns, visando reduzir os custos e facilitar o acesso a todos. O objetivo é reduzir a carga de trabalho de passageiros, agentes de aeroportos e especialistas em tecnologia da informação, criando plataformas unificadas que possam executar uma maior amplitude de tarefas. A ideia é que uma plataforma possa servir para realizar check-in, despacho de bagagens, controle de passaporte, informações de voo para empresas aéreas e assim por diante. Seria como um sistema operacional único, que realiza determinada aplicação dependendo do momento e da necessidade.
Projeto do novo aeroporto do México
Outra inovação nos aeroportos será com relação à operação das aeronaves, que poderão no futuro receber todos os dados referentes a peso e balanceamento, combustível, manutenção, documentação de voo e demais informações via rede Wi-Fi. O piloto receberá esses dados no EFB (Electronic Flight Bag) e a aeronave fará o processamento dos itens de performance, inserindo-os automaticamente no sistema. Da mesma forma, o avião informará às equipes de terra diversos parâmetros. Além de reduzir o tempo e o custo das operações, promete ampliar ainda mais a segurança.
O taxiamento também deve mudar com a introdução de dispositivos elétricos de reboque, que permitirão às aeronaves permanecer com os motores desligados até quase o momento da decolagem. Se a economia de combustível justificar os gastos com a nova tecnologia, essa deve ser mais uma tendência nos aeroportos do futuro, que continuarão tendo pelo menos uma pista e um terminal de passageiros e cargas, mas pela primeira vez com os sistemas integrados.
A segurança e a privacidadeCruzamento de dados biométricos com informações disponíveis O tema ainda é polêmico. Para alguns, os novos processos de vigilância nos aeroportos ferem a privacidade, podendo colocar em risco liberdades individuais e mesmo o direito de ir e vir dos cidadãos. “É inconcebível que tornemos corriqueiro o cruzamento de dados pessoais, especialmente biométricos”, critica Alexandre Freire, advogado especializado em política de Direitos Humanos. Por outro lado, atualmente poucos conseguem manter a privacidade. “Excluindo dados bancários e informações relativas à saúde, pouca coisa é privada. Ao usar o Facebook, o Twitter e a maior parte dos provedores de e-mail, o cidadão concorda em compartilhar publicamente seus dados”, pondera Ricardo Cavalcante. “Para manter completa privacidade, é necessário estar praticamente desconectado do mundo”. O próprio Amadeus acredita na popularização do domínio público de informações ao considerar que muitos no futuro vão estruturar suas férias com o público online em mente, considerando as recomendações dos usuários para validar as suas decisões. |