Abastecimento garantido

Francelino Paes - Gerente-executivo de produtos de Aviação da Petrobras Distribuidora

Christian Burgos | | Fotos Rodrigo Cozzato Publicado em 14/06/2012, às 07h37 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45

Francelino da Silva Paes trabalha com aviação desde os 19 anos, quando ingressou na FAB (Força Aérea Brasileira). Hoje, aos 42, o gerente-executivo de Produtos de Aviação da Petrobras Distribuidora conhece como poucos o lado operacional do transporte aéreo brasileiro. Administrador de Empresas com pós-graduação em Qualidade Total e MBA em Marketing, ele gerencia o abastecimento em 101 aeroportos do país, o que inclui desde áreas remotas com dois voos regulares por semana até terminais movimentados como Guarulhos, Congonhas, Santos Dumont e Brasília. Durante a Expo Aero Brasil, Francelino Paes recebeu a reportagem de AERO Magazine no estande da BR Aviation e falou com exclusividade sobre as perspectivas do país em relação ao preço do combustível e ao abastecimento diante do aumento da demanda. Segundo o executivo, o combustível não será um gargalo para a expansão da aviação no Brasil. "Pelo contrário", ele garante.

AERO MAGAZINE - O combustível é o termômetro da aviação. Como está o consumo hoje no Brasil?
FRANCELINO PAES -
De 2010 para 2011, o consumo cresceu 13%, este ano está crescendo cerca de 8%. No ano de 2010, cresceu 19% (o Brasil consome, segundo a própria BR Aviation, cerca de 600.000 m³ mensais de querosene de aviação).

- Qual é a participação da BR nesse mercado?
- Fechamos o ano passado e mantivemos no acumulado de janeiro a abril deste ano 61,6% de market share. Uma liderança consolidada num mercado com dois grandes concorrentes, inegavelmente muito bem-estruturados também, e com sócios internacionais estabelecidos mundialmente.

- Como está o comportamento do preço do querosene de aviação no exterior e no Brasil?
- É o mesmo comportamento. As três distribuidoras do Brasil adquirem o combustível da Petrobras, apesar de existir liberação para importação. E a Petrobras adota a política do import parity, ou paridade ao custo de importação. Isso significa que o comportamento do QAV no Golfo do México é desdobrado aqui no Brasil.

- Há algum delay, ou gatilho?
- Não, é mensal. A fórmula prevê acompanhar a variação do preço dia 23 do mês N menos 2 ao dia 23 do mês N menos 1, entrando em vigor no mês N. Além do preço do barril do Jet US Gulf, o câmbio também tem alguma influência na fixação desse preço.

- Qual é a tendência internacional do preço do combustível de aviação?
- Este ano, de janeiro a maio, ele aumentou 8% em reais. Há muitas causas distintas no comportamento do preço do QAV (querosense de aviação) que dificultam a previsibilidade. Por exemplo, quando chega o inverno norte-americano, o QAV tende a ter seu preço elevado porque as refinarias passam a fazer mais diesel para abastecer equipamentos de calefação. É que o diesel e o QAV são produtos primos na cadeia de refino. Mudam-se o ponto de corte e algumas outras especificidades, mas são produtos primos. Então, em determinadas plantas de refino pode-se extrair mais diesel ou mais QAV. Nos Estados Unidos, perto do inverno, temos mais diesel e menos QAV em produção e o preço acaba subindo. Outro exemplo foi o pico de preço no mês do Katrina nos EUA.

- Como é a dinâmica de autossuficiência de QAV no Brasil?
- O Brasil atualmente produz 75% do QAV consumido no país e, portanto, importa 25%.

- Quais as perspectivas de abastecimento para a Copa do Mundo e as Olimpíadas? Como a BR está se preparando para esse período?
- Hoje estamos nos capacitando cada vez mais e investindo para, além do crescimento anual projetado de 8 a 10% ao ano, atender a essa fortíssima demanda futura que começa já no ano que vem, com a Copa das Confederações.

- Existe um plano específico para esse período?
- Estamos investindo bastante em tancagem fixa nos aeroportos, a fim de aumentar nosso estoque, se necessário, e também investindo muito em instalações móveis, que são os nossos caminhões. Nos últimos três anos, deixamos de alienar caminhões. Ou seja, nessa estratégia não nos desfazemos de nenhum caminhão independente de sua idade, ao mesmo tempo em que estamos adquirindo outros caminhões. Ano passado, adquirimos 47 caminhões, e agora abrimos uma licitação para mais 56. No próximo ano, serão mais 56. A ideia é atingir nosso pico de capacidade no ápice da demanda. Depois, quando a demanda não for a mesma da época de Olimpíadas e Copa, vamos alienar os caminhões mais antigos, focando em uma frota mais nova, e reduzindo os custos de manutenção.

- Quantos caminhões vocês têm hoje?
- Atualmente temos 424 caminhões.

- Estamos falando de um incremento superior a 10% ao ano na frota?
- Exatamente. É uma senhora frota, mas na aviação você precisa estar preparado para a simultaneidade. Se existem num determinado aeroporto seis aviões para decolar às 5 horas, você não pode dizer que só tem quatro caminhões e pedir para dois esperarem um pouquinho (risos). Você tem que dimensionar sua estrutura para abastecimento simultâneo no pico, independente de haver ociosidade posterior.

- Fiquei impressionado com o número de aeroportos atendidos pela BR Aviation no Norte do país.
- Exato, dos 101 aeroportos por nós atendidos, 24 estão na região Norte.

- Há coerência econômica nessa concentração ou é um posicionamento estratégico de empresa nacional?
- Diria que tem coerência econômica, mas também tem esse posicionamento de atuar como catalisador para o crescimento das diversas regiões e para integração regional. Cerca de 40% do território brasileiro só é acessado eficientemente por meio da aviação. Estou falando da Amazônia Legal, onde não há estradas, e é difícil ter; onde não há ferrovias, e é difícil ter, visto que o impacto ambiental é muito grande. Então, você tem algumas cidades nas quais só se chega por transporte fluvial ou aéreo. Acontece que o fluvial demora muito. Um trajeto que leva dias de barco pode ser feito em três horas de avião. Dependendo do aparelho, em até uma hora você chega.

- É uma questão clara de integração nacional.
- Sempre falo que, além disso, não é só o transporte de pessoas, de brasileiros. É o transporte de pessoas doentes, é viabilizar a chegada de itens de primeira necessidade em determinadas cidades nas quais tudo chega por avião.

- E como você trata a análise econômica dessas localidades carentes de integração?
- Perdemos dinheiro? Não. Procuramos fazer os investimentos e esticar o tempo de retorno. Pois você não pode imaginar que em dois, três ou quatro anos vai recuperar o investimento. Tem que ser um plano de investimento de longo prazo e você inclui esse aeroporto na sua cesta. Por exemplo, já tivemos negociações em que uma empresa aérea nacional me pediu: "Francelino, preciso de Altamira". OK. Revitalizamos e investimos num aeroporto que hoje está muito mais demandado por conta da usina hidrelétrica de Belo Monte e pelo próprio desenvolvimento da região. Naquela época, era muito pouco. Essa companhia ia ter um voo regular duas vezes por semana. Não pudemos cobrar um preço que viabilizaria o retorno do investimento no curto prazo, mas solicitei como contrapartida mais volume em Congonhas, onde também estamos, e onde temos concorrentes.

- É dessa estratégia mais ampla que vem a rentabilidade para os investimentos da companhia?
- Sim, se você analisar apenas o projeto Altamira, ele não se paga nem em 10 anos, mas, se analisar que por causa de Altamira, melhorei Congonhas, aí passa a fazer sentido. Passa a fazer sentido econômico, e passa a fazer todo o sentido em nossa função de ajudar o desenvolvimento inter-regional do país.

- Um posto adicional aumenta sua competitividade?
- É um composto de rede. Você não pode olhar um negócio isolado como o aeroporto São Gabriel da Cachoeira. É uma cidade que, voando de Caravan, fica a três horas de Belém do Pará, floresta adentro. E hoje conta com dois voos semanais regulares.

- Você colocou essa cidade no mapa...
- Isso mesmo. E mais, a estrutura ali obviamente não é a mesma de Congonhas, mas temos de garantir qualidade e segurança. O QAV tem que ter a mesma qualidade e especificação de um aeroporto no Sudeste. Você tem que fazer o treinamento de quem está controlando, quem está manuseando, controlar como o produto chega, como é manuseado, como fica no tanque.

- Nesses casos o processo de qualificação se dá sobre a mão de obra local?
- Depende do caso. Mas, hoje, nossos operadores que dirigem os caminhões e fazem o abastecimento, antes de estarem formados e irem para a pista, passam por no mínimo quatro meses de treinamento, fazendo em torno de 18 cursos que vão de movimentação de cargas explosivas e direção defensiva a cursos na Infraero. Além desses cursos, ele faz uma prova de procedimentos específica do aeroporto em que vai operar. Por exemplo, um operador do Santos Dumont faz a prova escrita e prática e, quando aprovado, recebe uma carteira de certificação que anda no crachá dele e tem validade de um ano. Após esse prazo, ele precisa repetir o curso e refazer a prova. Se esse operador está certificado e é transferido para o Galeão, ele deve fazer o curso e a prova específica nos procedimentos desse aeroporto. Porque o tráfego e a movimentação variam de aeroporto a aeroporto.

- Qual é o papel hoje dos BR Aviations Centers?
- São bases de serviço para usuários de aviação executiva nos quais temos serviços para o executivo, para o piloto e para a aeronave. Em diversos hangares, o piloto chega com o executivo de manhã e pode utilizar uma suíte para descansar, dormir, ver televisão. Um local em que o piloto pode se refazer, além de contar com a sala de pilotos, onde pode fazer o plano de voo e ter acesso às informações meteorológicas. Para o executivo, temos business centers, de onde ele despacha e tem acesso à internet e à sala de reunião (que em Congonhas é muito utilizada). Vários executivos marcam as reuniões de negócios em nossa sala de Congonhas. Assim, ele chega e não precisa pegar carro, enfrentar trânsito. Faz a reunião ali no próprio aeroporto e de lá já parte de volta ou vai para outro lugar. Também temos serviços para a aeronave. Além do combustível, oferecemos hangaragem, limpeza interna, externa, polimento, auxílio na partida, serviços estes cobrados à parte. Temos hoje 13 unidades BR Aviation Centers e devemos inaugurar mais duas até o fim do ano.

- E basta ser cliente da BR para ter acesso?
- Não precisa necessariamente ser nosso cliente. Há o caso no Aeroporto de Porto Seguro, no qual o BR Aviation Center é a única instalação com ar condicionado. Um comandante de helicóptero foi abordado por nossa equipe e disse que sua passageira precisava usar o toalete, mas que ele era cliente do concorrente. Nós os convidamos, demos água, gelo, e o comandante ficou tão grato que, sem nenhuma obrigação, abasteceu conosco (risos). Nosso objetivo com os centers é tratar bem o cliente que já tem o cartão BR ou o potencial cliente.

- Como a BR Aviation se prepara para a chegada de novos combustíveis de aviação?
- O posicionamento da BR Aviation é de prestador de serviços de abastecimento e correlatos. Vamos abastecer com gasolina de aviação e QAV hoje, com etanol amanhã, com biojet depois de amanhã e com células de hidrogênio mais à frente.