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LSA, um divisor de ares

Entenda o que muda no mercado de experimentais com a criação da nova categoria que legaliza a fabricação de aeronaves leves para instrução, transporte pessoal e até atividades remuneradas


Evektor Sportstar
Evektor Sportstar

“Praticar a arte de voar, por puro prazer ou por esporte, é uma atividade que a tecnologia colocou ao alcance das pessoas em todas as partes do mundo. Os ultraleves são veículos aéreos classificados como aeronaves experimentais muito leves, construídos/montados por amadores ou não, com a finalidade exclusiva de uso privado, principalmente para o esporte e o lazer”.

Esse parágrafo inicial do Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica (RBHA) 103A ajuda a entender um fenômeno que já vem se manifestando em todo o mundo há quase três décadas: o aumento da quantidade de pilotos amadores voando sua própria máquina. No Brasil, o número de aeronaves leves cresce ano a ano, multiplicam-se os encontros de aviadores e a indústria aeronáutica leve evolui em ritmo acelerado. Novos materiais, projetos aperfeiçoados estrutural e aerodinamicamente, aviônicos digitais, técnicas de construção aprimoradas e motores renovados transformaram o ultraleve “cano e pano” – aquele construído com tubos metálicos e telas sintéticas, de cabine aberta – quase em relíquia. Os modelos antigos deram espaço a aeronaves que voam a mais de 200 km/h, esbanjam conforto e economia de combustível, oferecem autonomia para mais de 5 horas de voo e podem, por exemplo, levar um casal (com bagagem!) tranquilamente a uma viagem de férias, saindo do interior de São Paulo para qualquer cidade litorânea do Nordeste ou do Sul do Brasil que possua uma pista de pouso em condições razoáveis de uso.

Experimentais antigos deram espaço a ultraleves rápidos e econômicos, como o Quasar
Experimentais antigos deram espaço a ultraleves rápidos e econômicos, como o Quasar

Um desafio, porém, se impôs ao mercado aeronáutico mundial. A desatualização da legislação em relação aos avanços tecnológicos da indústria permitiu que pilotos de ultraleves primários migrassem para aeronaves com performance muito superior sem o devido treinamento, expondo-os a riscos de acidentes e interferindo perigosamente no tráfego aéreo comercial. Daí o início, já na primeira metade dos anos 2000, dos estudos para implantação da categoria LSA (Light Sport Aircraft) nos Estados Unidos. Muito se falou sobre as mudanças de regras advindas dessa nova categorização dentro da aviação leve, mas ainda há dúvidas no ar, sobretudo no Brasil. Por isso preparamos um verdadeiro “dossiê” sobre as perspectivas da comunidade aeronáutica no país no que se refere aos LSA.

O que é LSA?

Em se tratando de aviação geral (aeronaves que não se encaixam normalmente em transporte comercial de carga ou passageiros), excetuando-se os modelos homologados, que podem ser produzidos em série por qualquer empresa que se proponha a projetá-los e produzi-los a partir de uma certificação baseada nos requisitos dos RBAC 21 e RBAC 23 (para asas fixas) e RBAC 27 (para asas rotativas), toda aeronave usada para lazer, recreação ou transporte pessoal deve ser considerada como “experimental”. E nesta categoria se incluem, hoje em dia, as aeronaves históricas, réplicas ou restauração, de exibição, competição (planadores, principalmente), de construção amadora e, agora também, as LSA (aqui no Brasil definidas pela Anac como Aeronaves Leves Esportivas, ou ALE), que já estão substituindo os atuais ultraleves regidos pelo RBHA 103A.

Pela definição da FAA (Federal Aviation Administration), Light Sport Aircraft é uma aeronave fácil de voar, simples de operar e manter e que, desde sua certificação inicial, preserva as seguintes características construtivas e de performance:

Contudo, uma aeronave que possua essas características é somente elegível à categoria LSA/ALE. Para realmente ser certificada como LSA/ALE, deve ter sido projetada, ensaiada e aprovada de acordo com uma norma consensual (as normas ASTM aplicáveis ao tipo da aeronave, sobre as quais falaremos mais adiante), e seu fabricante deve garantir que os seguintes itens estejam em conformidade com as normas consensuais ou partes do FAR 21 (RBAC 21 no Brasil):

  • Equipamentos requeridos para a operação e instalados na aeronave;
  • Um sistema de garantia de qualidade na produção da aeronave;
  • Testes de aceitação pós-produção executados em cada aeronave;
  • Instruções de operação da aeronave (geralmente descritos no Manual de Voo fornecido pelo fabricante);
  • Procedimentos de inspeção e manutenção, descritos geralmente em um manual;
  • Identificação e registro de grandes modificações ou reparos,
  • Sistema de aeronavegabilidade continuada (garantir meios para que o operador da aeronave a mantenha, durante sua vida operativa sempre de acordo com as características do projeto aprovado, por meio de manutenção adequada, cumprimento de boletins e assim por diante);
  • Instruções de montagem emitidas pelo fabricante (somente para os kits de LSA experimentais).

Na categoria LSA/ALE, há ainda que se diferenciar o Special LSA (S-LSA) do Experimental LSA (E-LSA), chamados aqui no Brasil, respectivamente, de ALE Especial e ALE Experimental. O Special LSA é o avião entregue ao operador totalmente pronto, já configurado, e que pode ser utilizado até para algumas atividades remuneradas, como reboque de planadores, instrução de voo em escolas de aviação, voos panorâmicos (no Brasil a Anac definirá quais atividades remuneradas poderão ser executadas pelos ALE-Especial, quando da emissão do novo RBAC 91). Sua manutenção deve ser executada sempre por oficinas homologadas ou mecânicos independentes habilitados, e não pode ser modificado sem aprovação do fabricante ou da autoridade aeronáutica.

Já o E-LSA é uma aeronave experimental construída por amador (ou por um especialista contratado, ou a própria empresa fabricante do kit) a partir de um kit oriundo do projeto do S-LSA com a vantagem de não se aplicar a regra dos 51% (maior porção), ou seja, o fabricante pode entregá-lo pronto ou praticamente pronto ao construtor/proprietário, deixando para este decidir a forma como será feito o acabamento e a instalação de equipamentos, por exemplo, desde que essas tarefas estejam previstas no manual de construção da aeronave. Para que exista a aprovação de comercialização do kit, o fabricante deve ter pelo menos uma aeronave do modelo certificada como S-LSA.

Para ser certificada como LSA, a aeronave deve ter sido projetada, ensaiada e aprovada de acordo com a norma ASTM

Ótima opção

O E-LSA tornou-se uma ótima opção para o entusiasta que não objetiva a exploração comercial da aeronave, mas também não tem qualificação suficiente para construir totalmente uma aeronave – há que se lembrar das frustrações pelas quais passam os construtores amadores no Brasil, por dificuldades de acesso a informações, falta de auxílio e restrições na importação de materiais e peças, o que leva muitos a abandonar seus aviões semiconstruídos nas garagens e fundos de hangares.

O E-LSA não pode ser utilizado em nenhuma atividade remunerada, assim como as demais aeronaves experimentais. Por outro lado, a sua manutenção pode ser executada pelo próprio construtor, e algumas modificações podem ser executadas durante ou após a construção (desde que as características e a performance da aeronave não ultrapassem as limitações da categoria LSA), sem a necessária aprovação do fabricante.

Além das aeronaves de asa fixa, a definição de Light Sport Aircraft nos EUA engloba os paraquedas motorizados, aeronaves pendulares (trikes), balões de ar quente, dirigíveis, planadores e autogiros (estes, somente na versão E-LSA).

Normas ASTM

As bases da certificação das aeronaves LSA/ALE são as normas consensuais específicas emitidas pela ASTM (American Society for Testing and Materials). Embora não sejam elaboradas especificamente por uma autoridade aeronáutica, tais normas são aceitas em praticamente todo o mundo, fornecendo uma base legal para a produção e comercialização seriada desse tipo de aeronave.

O processo de certificação utilizando normas consensuais permite, ainda, que o fabricante, após projetar, construir protótipos, efetuar os testes e ensaios requeridos e colocar em prática a produção com o atendimento a todos os requisitos cabíveis, emita o Manufacturer Statement of Compliance (MSoC), ou Declaração de Conformidade, sem necessitar se submeter à aprovação pelo FAA. Tem sido aceito desde a década passada nos EUA, o que permitiu a vários fabricantes economizar tempo e dinheiro evitando os morosos e caríssimos trâmites inerentes a uma certificação aeronáutica padrão. Baseados nesses procedimentos, vários fabricantes (norte-americanos, europeus, brasileiros) já vêm entregando seus produtos no mercado dos EUA e no resto do mundo.

Em terras brasileiras, o processo foi um pouco mais tardio. O inicio da implantação oficial nos EUA se deu exatamente no início da transição entre o DAC e a Anac, quando a indústria aeronáutica leve brasileira, baseada no aumento de peso máximo de decolagem (PMD) permitido pelo RBHA 103A para 750 kg crescia a cada ano, abrindo espaço para que aeronaves com motores mais potentes, maior carga útil e maior velocidade voassem sob as mesmas regras dos ultraleves. Novas indústrias e novos projetos eram avaliados e caíam no gosto (e no poder aquisitivo) do aviador entusiasta brasileiro. Mas, já naquela época, a Abrafal (Associação Brasileira dos Fabricantes de Aeronaves Leves) notava a necessidade, junto a seus associados, de se preparar para mudanças significativas que estariam por vir na legislação.

A Anac logo iniciou seus estudos acerca da situação da indústria brasileira e das tendências mundiais, principalmente no que estava acontecendo nos EUA, o maior mercado mundial da aviação, representando grandes oportunidades para a indústria brasileira. A preocupação, na época, era a de que qualquer indústria que entregasse uma aeronave não certificada pronta ao consumidor o fazia sem amparo legal, correndo o risco de, a qualquer momento, ter sua atividade cessada, mesmo levando-se em conta que uma aeronave proveniente de uma indústria com sistema de qualidade, tecnologia e materiais aeronáuticos na construção e mão de obra especializada fornecia um produto significativamente mais seguro e confiável do que um avião feito em casa por um construtor não qualificado. Iniciou-se, então, um árduo trabalho conjunto entre a Anac e a Abrafal, em reuniões com pautas técnicas e jurídicas, a fim de se resolver esse grave problema.


Fabricantes nacionais, como a Inpaer, que produz o Conquest, tem até 2016 para se enquadrar totalmente às novas normas

Transição e prazos

Em junho de 2011, a Anac oficialmente iniciou a implantação do programa da categoria ALE no Brasil. Já foram revogados os RBHA 38 - Procedimentos para Fabricação de Conjuntos de Montagem de Aeronaves Experimentais (em dezembro de 2011) e o RBHA 37 - Procedimentos para a Construção de Aeronaves por Amadores, revogado em maio de 2012, cujos conteúdos foram em parte absorvidos pelo novo RBAC 21 – Certificação de Produtos Aeronáuticos, além de outras medidas já em andamento. A Abrafal está auxiliando a Anac por meio de contínuas interações com a GGCP (Gerência Geral de Certificação de Produto), baseada em São José dos Campos e que também apoia a Embraer.

De acordo com Jonas Lopez, diretor de Comunicação da Abrafal, uma das soluções encontradas foi adotar o LSA norte-americano, uma vez que praticamente toda a legislação brasileira é baseada nas regras do FAA, o que facilita bastante a criação de acordos bilaterais. “Sugerimos que, inicialmente, houvesse um período de transição, justamente o que estamos vivendo agora”.

Durante essa transição, empresas que fabricam aeronaves entre 600 kg e 750 kg de PMD (que já era fabricado no Brasil, no início do período de transição) podem entregá-las até dezembro de 2014 (e as acima de 750 kg somente até a metade de 2014). Modelos não produzidos atualmente não possuem esse benefício do prazo e, portanto, devem já ser tratados como Aeronaves de Construção Amadora.

Após dezembro de 2014, toda e qualquer aeronave cujo PMD seja maior que 600 kg será tratada como Aeronave de Construção Amadora (a não ser que seja homologada definitivamente com base no RBAC 23) e deve ser operada por pilotos com carteira de Piloto Privado, no mínimo.

Para as aeronaves elegíveis ALE/LSA (PMD máximo de 600 kg, hélice de passo fixo etc.) e que já vinham sendo produzidas no Brasil no início do período de transição (projeto e construção nacional, ou importados com mais de 50% construídos no Brasil), essa extensão vai até dezembro de 2016. Após esse prazo, a empresa deve ter comprovado o cumprimento pleno dos requisitos de projeto, fabricação e qualidade previstos nas normas ASTM e dos requisitos do RBAC 21 com documentação pertinente, além de ter sido aprovada nas auditorias da Anac – para aeronaves entregues no Brasil, e do FAA – para aeronaves a serem exportadas para os EUA.

Já as aeronaves ALE/LSA importadas prontas, e representadas no Brasil por empresas brasileiras, não estão incluídas na mesma extensão dos fabricantes nacionais e, portanto, são as únicas que já devem comprovar o cumprimento das normas para a certificação aqui no Brasil.

CTLS
Um LSA deve ter peso máximo de decolagem de 600 kg e hélice de passo fixo, como o CTLS desta foto

Qualidade e segurança

O estabelecimento dos prazos surgiu para que as empresas tenham condições de se adequar à regulação vigente, sem o receio de encerrar suas atividades e gerar desemprego, ao contrário. Segundo a Abrafal, as indústrias deverão ser certificadas e possuir um sistema de qualidade eficiente, para assegurar que as aeronaves sejam produzidas de acordo com o projeto e que materiais, procedimentos, ferramentas, registros, tenham rastreabilidade e controle, além de empregar mão de obra qualificada e adequadamente treinada para a atividade de construir aviões.

Na visão tanto das autoridades quanto da indústria, essa transformação se traduzirá em boa qualidade de voo e segurança. “Antigamente, as aeronaves eram projetadas com altos coeficientes de segurança no dimensionamento, pois não havia computadores para auxiliar nos cálculos, além de incertezas quanto aos processos de fabricação, origem de materiais e assim por diante. Isso fazia com que as aeronaves fossem mais pesadas, mais lentas, mas mesmo assim eram (e são) duráveis e muito resistentes”, explica Jonas Lopez, da Abrafal. “Ainda hoje, vemos aeronaves projetadas na década de 1940 voando na atividade de instrução e cumprindo perfeitamente seu papel, como Paulistinha, Piper J3 e PA-18, Aeronca... Estas aeronaves foram certificadas por requisitos que também evoluíram e seria impossível certificá-las com os requisitos existentes atualmente. Além disso, a evolução tecnológica permitiu o desenvolvimento de novos materiais, motores, aviônicos e conceitos aerodinâmicos que permitem a construção de aeronaves muito mais leves e eficientes. Mas nada adianta esse avanço sem a existência de requisitos e normas para orientar o seu uso, daí a importância da categoria LSA”.

A grande variedade de aeronaves produzidas no Brasil e no mundo e o interesse global por essas máquinas, aliados à existência de acordos bilaterais entre Brasil, EUA e países europeus, facilitaram a importação (e exportação) de aeronaves ALE/LSA. Hoje em dia, para um representante nacional de uma aeronave LSA fabricada no exterior (num país com acordo bilateral) poder revendê-los no Brasil, o primeiro exemplar trazido deve ser um S-LSA. A partir daí, deve demonstrar que está em conformidade com as normas, e, assim, tem a permissão de revender aeronaves S-LSA prontas (pois oferece o suporte ao operador) ou, então, trazer kits e montá-los aqui, entregando aeronaves S-LSA ou E-LSA aos seus clientes. Para isso, é necessária a aprovação do fabricante original e também a aprovação da Anac. Esse é o caso da Evektor, com a aeronave Sportstar, representada no Brasil pela Nova Aeronáutica, da qual Jonas Lopez é sócio-diretor.

Cobrança mais dura

Após alguns anos da implantação da categoria LSA, o FAA decidiu, em meados de 2012, reavaliar alguns critérios da legislação nos EUA. Após verificar que grande parte dos fabricantes não conseguiu demonstrar satisfatoriamente que cumpria as normas, um novo modelo de aprovação da certificação vem sendo implantado. Somente confiar no MSoC (Manufacturer Statment of Compliance) emitido pelo fabricante (norte-americano ou estrangeiro) não tem sido adequado, o que levou a FAA a executar auditorias mais severas nos fabricantes antes da aceitação do MSoC. Isso não significa mudanças significativas nas regras, apenas um endurecimento da cobrança na demonstração do cumprimento das normas. No caso de fabricantes de outros países, contará com o auxilio da autoridade aeronáutica local. Foi o que aconteceu com a Edra Aeronáutica, que solicitou nesse período a certificação para o anfíbio Super Petrel LSA, de sua fabricação.

A Edra Aeronáutica foi a primeira empresa brasileira a receber uma delegação da FAA (e da Anac) para uma auditoria em seu parque fabril. Foram avaliados sistemas de qualidade, produção, sistemas de registros, registros de testes e ensaios da aeronave e todos os outros requisitos necessários para a aprovação e emissão do certificado, o que deve ocorrer ainda no primeiro trimestre de 2014. Foi a terceira empresa fora dos EUA (a segunda foi a Evektor, na República Tcheca) a passar por essa nova metodologia aplicada pelo FAA e que deve se tornar padrão. As empresas que já emitiram o MSoC anteriormente deverão passar gradativamente por tais auditorias para continuar a produzir e entregar aeronaves S-LSA para os EUA (e aqui no Brasil, a partir de dezembro de 2016).

Para a Abrafal, uma das grandes vantagens do LSA no Brasil é a legalização de uma categoria, permitindo aos fabricantes pleitear investimentos na área, com recursos privados ou públicos. “Um investidor privado hoje não direciona recursos para a fabricação de aeronaves por falta de amparo legal, e o investimento público nem se aplica a casos que não estejam amparados por legislação”, lamenta Jonas Lopez.

O brevê para LSA exige menor número de horas de voo e exame médico mais flexível em relação à licença de Piloto Privado

Licenças Sport Pilot e CPL

Na origem da categoria LSA nos EUA estava implícita a criação de uma nova licença para pilotos, a Sport Pilot. Com menor número de horas necessárias para obtenção da carteira, exame médico mais flexível e outras facilidades em relação à Licença de Piloto Privado, a intenção era fazer com que um maior número de operadores se estabelecesse na categoria (lembrando que para se operar um legítimo ultraleve primário, nos EUA, não era necessário nenhum tipo de licença, enquanto a licença de piloto privado era cara e demandava empenho e exames médicos rígidos, muitas vezes desnecessários ao tipo de operação pretendida pelo amador com sua aeronave).

No Brasil, com a aprovação do RBAC 61 (Licenças, Certificados e Habilitações para Pilotos), foi instituído o Certificado de Piloto de Avião Esportivo Leve (CPL), muito semelhante à licença Sport Pilot, e que deve ser implantado num futuro bem próximo, em substituição às atuais licenças CPR e CPD (Certificado de Piloto Recreativo e Certificado de Piloto Desportivo, respectivamente). Espera-se que, com a incorporação das regras do RBHA 103A pelo novo RBAC 91 (Regras Gerais Para a Operação de Aeronaves Civis), o CPL comece a ser oferecido pelas escolas de aviação, em aeronaves ALE-Especial, e, mais ainda, que as horas voadas por um piloto CPL sejam válidas para a obtenção da carteira de Piloto Privado ou Piloto Comercial.

A nova categoria inclui aeronaves utilitárias e de lazer, como o anfíbio Super Petrel
A nova categoria inclui aeronaves utilitárias e de lazer, como o anfíbio Super Petrel

Segundo Rodrigo Scoda, da EDRA Aeronáutica (que além de ser fabricante do Super Petrel LS, é escola de pilotagem), nos EUA, as horas de instrução, voadas em uma escola homologada que opere um LSA, são computadas integralmente para a formação PP ou PC, ou seja, escolas estão adquirindo ALE Especial para formação básica de pilotos, o que impulsiona a indústria, reduzindo custos e tornando a formação de PP e PC mais acessível, além de agregar recursos importantíssimos como telas MFD, PA e outras inovações na instrução básica, que hoje raramente estão disponíveis nas aeronaves de instrução como Paulistinhas, J3 e demais modelos. “Não há aeronaves recém-lançadas nos EUA para instrução, não existem novos projetos em desenvolvimento, então as aeronaves de instrução norte-americanas estão sendo substituídas pelos LSA e as aeronaves homologadas antigas estão vindo para o Brasil (Cessna 152, por exemplo). Os tradicionais fabricantes americanos continuam fabricando e vendendo aeronaves de 4 ou 5 lugares, mas há a carência de aeronaves biplaces homologadas”, afirma o piloto e instrutor Rodrigo Scoda.

O que se nota aqui no Brasil, com algumas exceções, é que, atualmente, os cursos de PP e PC são oferecidos em aviões antigos, a grande maioria com suas inegáveis qualidades de formadores de “pé e mão”, mas tecnologicamente defasados, e já fora de produção, enquanto os cursos de CPD e CPR (e futuramente o CPL) utilizam aeronaves muito superiores (leia mais na reportagem a partir da p. ??). A Abrafal acredita que a saída seja o Brasil se basear na regra americana, que permite que as aeronaves LSA sejam utilizadas para a formação de pilotos. Segundo a entidade, existe espaço para que as indústrias brasileiras possam projetar e construir aeronaves de treinamento modernas, possivelmente até repetindo o sucesso obtido com o Paulistinha, já que, com as aeronaves legalmente certificadas, será possível obter linhas de financiamento do tipo BNDES.

Para Rodrigo Scoda, o LSA/ALE cria um link entre a aviação de lazer e a aviação profissional. “Tirando a paixão por voar, que sempre esteve presente nos dois mundos, eles não podiam ser interligados oficialmente. Aquele entusiasta que vai para uma escola de aviação ou aeroclube aprender a voar, e escolher uma licença de CPL, poderá utilizar esse início de formação para se tornar piloto comercial, caso deseje seguir carreira na aviação”, diz Scoda. “Isso só era possível com quem praticava voo a vela. Quinze horas voadas em planador contam como válidas para obtenção da carteira de PP, já as horas de ultraleve nunca puderam ser utilizadas para isso. Nos últimos 20 anos, a maioria que se formou piloto de ultraleve não seguiu carreira. O LSA/ALE muda tudo isso”.

No modelo atual, as aeronaves primárias de instrução homologadas usam instrumentos e aviônicos analógicos e horas de voo em aeronaves modernas, homologadas, com aviônica atual, e geralmente quadriplaces, que custam muito mais caro. Com as inovações tecnológicas presentes nos LSA/ALE, o futuro piloto poderá ter contato com a tecnologia glass cockpit, a qual já é amplamente utilizada na aviação comercial, diminuindo a diferença entre sua formação básica e sua profissão. Como já se vê, serão aeronaves mais modernas, seguras, que colaborarão com a formação dos futuros comandantes de aeronaves comerciais.

James Waterhouse, da Aeroálcool, também vê vantagens na implantação e no uso de aeronaves LSA na formação de pilotos. Para ele, o ALE/LSA é uma barreira técnica, o que ajuda a separar aeronaves precárias e “baratas” das aeronaves concebidas e produzidas com critérios aeronáuticos. “Para o consumidor, é difícil avaliar qualidade, pois, em geral, são pessoas fora do ramo aeronáutico, e com pouca experiência”, sustenta o empresário, que desenvolveu o avião LSA Quasar. “Veja o nosso caso. A qualidade de voo do Quasar o tornou um excelente avião de instrução, e certamente uma das melhores opções para licenças de PP ou PC, só dependendo no Brasil da validação das horas de LSA como aeronave de instrução pela Anac. Já exportamos vários aviões, ainda na versão inicial, com motor HKS, como LSA experimental, e o mercado americano utilizou nosso modelo como avião de instrução com grande sucesso”.

O LSA, ou ALE, cria um link entre a aviação de lazer e a aviação profissional

Mudanças na manutenção

Para garantir a aeronavegabilidade continuada, as regras para a manutenção das aeronaves ALE/LSA também mudam em relação ao definido pela legislação dos ultraleves. Basicamente, para as aeronaves S-LSA, as grandes inspeções, inspeções anuais e reparos devem ser executados por mecânicos aeronáuticos autônomos com habilitação em célula e motores, ou oficinas homologadas, ou, ainda, mecânicos treinados pelo fabricante da aeronave ou seu representante no Brasil.

No caso dos E-LSA, o proprietário ou construtor pode executar essa tarefa, mesmo não possuindo habilitação específica, mas recomenda-se que as inspeções anuais e reparos sejam feitos por pessoal especializado. Nos EUA, existe uma nova categoria de pessoal de manutenção, o “LSA Repairman”, mas até agora a Anac não se pronunciou se vai adotar medida semelhante no Brasil. A Abrafal estuda meios para que seus associados treinem mecânicos e inspetores especificamente para as aeronaves comercializadas no Brasil, e orientem seus clientes a usufruir dessa facilidade.

Novo FAR 23

Após a implantação completa do programa do ALE/LSA no Brasil com o fim do período de transição, dois casos especiais de aeronaves que têm sido produzidas seriadamente no Brasil deverão sofrer mudanças significativas. São as aeronaves biplaces com PMD na faixa dos 600 kg a 750 kg, portanto, reguladas ainda pelo RBHA 103A e operadas por pilotos com carteira de CPR/CPD, e as aeronaves com PMD maior que 750 kg, geralmente quadriplaces, que devem ser operadas por pilotos com, no mínimo, licença de piloto privado.

Para as aeronaves do primeiro tipo, com PMD na faixa dos 600 kg a 750 kg, vislumbram-se três soluções possíveis:

  • O fabricante deverá limitar seu PMD a 600 kg e a performance deverá ser reduzida para se tornar elegível e poder obter a certificação na categoria ALE/LSA (com operação por pilotos possuidor de licença CPL);
  • Poderão ser montadas, via construção amadora, a partir de kit, respeitando a regra da maior porção (51%); ou
  • Poderão ser certificadas pelo fabricante com base no RBAC 23, portanto, serão produzidas e comercializadas livremente e serão tratadas como aeronaves homologadas.

Para as aeronaves do segundo tipo, com PMD maior que 750 kg, somente:

  • Poderão ser montadas, via construção amadora, a partir de kit, respeitando a regra da maior porção (51%); ou
  • Certificadas pelo fabricante com base no RBAC 23, portanto, serão produzidas e comercializadas livremente e serão tratadas como aeronaves homologadas, sempre operadas por pilotos com licença de Piloto Privado, no mínimo.

Se, por um lado, as autoridades aeronáuticas (FAA e Anac) estão endurecendo alguns requisitos – os critérios para a definição da maior porção (a regra dos 51%) estão mais rígidos –, uma boa notícia foi dada no fim de 2013: após intensa mobilização da comunidade aeronáutica, o Senado dos EUA aprovou o início dos trabalhos do FAA para a reformulação do FAR 23, o que deve contribuir para o crescimento da indústria aeronáutica leve e aviação geral, inclusive no Brasil, já que o nosso RBAC 23 o segue fielmente.

O FAR 23, desde sua criação, sofreu emendas que resultaram em cerca de 300 requisitos a serem cumpridos (ou, ao menos, ter sua aplicabilidade avaliada) na certificação de uma aeronave, seja ela um biplace monomotor fora das limitações do ALE/LSA, um quadriplace bimotor ou um jato executivo com operação IFR. No seu novo formato, mais generalizado, pretende-se categorizar as aeronaves por PMD, motorização, utilização e outras características, e definir normas consensuais direcionadas a cada uma dessas categorias, nos moldes do que se fez com o ALE/LSA. Portanto, o número de requisitos a realmente serem cumpridos para a certificação de um determinado tipo de aeronave será bem reduzido, além da grande vantagem de uma organização como a ASTM ter muito mais agilidade do que um órgão federal (como o FAA), para executar modificações e adaptações nas normas. Já existem projetos no Brasil de aeronaves cuja certificação será favorecida com o novo regulamento.

Futuro promissor

A comunidade aeronáutica brasileira parece entender que a implantação do LSA é justificável e altamente positiva, pois promoverá a viabilidade econômica de novos projetos, o aumento da segurança de voo e operacional, o acesso a novas tecnologias (embarcadas, de voo e operação) e a legalização da categoria.

Nas palavras de Rodrigo Scoda, pela legislação RBHA 103 A, os ultraleves (inclusive os avançados) podiam ser muito bons ou muito ruins, pois nem todos obedeciam a padrões definidos. “Agora, com a normatização dos requisitos e sistemas de qualidade implantados, todos os LSA serão, no mínimo, bons. Vão existir os bons, os ótimos e os excelentes, mas não haverá mais espaço para o ruim, aquele que não tem boas características de voo, mal projetados e mal construídos, pois estes não conseguirão certificação”.

Informações adicionais: http://www.faa.gov/aircraft/gen_av/light_sport/

Por Maurício Lanza
Publicado em 26/02/2014, às 00h00 - Atualizado em 11/11/2014, às 11h34


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