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Voando para o futuro: A Aviação em sua missão de descarbonização e impacto ambiental zero

Empresas aéreas e indústria aeronáutica buscam descarbonização e emissões zero nos próximos anos


Futuro do transporte aéreo passa por mudanças conceituais e emissões zero - NASA
Futuro do transporte aéreo passa por mudanças conceituais e emissões zero - NASA

Na última década, a questão ambiental ganhou uma nova perspectiva no setor aéreo, com a implementação de uma série de novas normas e objetivos. O principal deles é a descarbonização completa de toda a cadeia de atividades até 2050, mas com metas para reduzir consideravelmente as emissões já na década de 2030.

Se a completa descarbonização envolve um processo complexo de revisão quase absoluta de todas as atividades, das mais simples, como a forma pela qual o passageiro emite sua passagem, até o próprio avião, algumas ações mais imediatas estão em andamento há vários anos.

O aspecto notável é que o movimento não está limitado a uma única organização, empresa ou fabricante, mas envolve todo o setor aeroespacial, que, por mais surpreendente que possa parecer, inclui até mesmo o segmento militar.

A Organização das Nações Unidas (ONU), através da Organização Internacional da Aviação Civil (ICAO, na sigla em inglês), estabeleceu algumas estratégias para a descarbonização do setor aéreo e que conta com apoio de organizações como a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA), a Associação Latino-Americana e do Caribe de Transporte Aéreo (ALTA), a Associação Nacional da Aviação Executiva (NBAA), Associação dos Fabricantes da Aviação Geral (GAMA), a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), entre outras.

Essas organizações líderes estabeleceram a meta de reduzir as emissões em 5% até 2030, ou seja, em seis anos. Para atingir esse objetivo, o setor aéreo como um todo adotou medidas visando atender aos objetivos no curto prazo, tanto de maneira efetiva, com o desenvolvimento de novos motores, combustíveis alternativos e otimização de rotas, quanto por meio de soluções temporárias, como a compra de créditos de carbono que financiam projetos compensatórios para as emissões. Essas ações combinadas possibilitam a redefinição do comportamento da aviação em relação à sustentabilidade.

O Brasil, dada a sua relevância econômica e, especialmente, sua importância ambiental, lidera há mais de 30 anos um movimento em busca de soluções para a questão climática. Embora ocasionalmente o país receba críticas internacionais por algumas de suas ações polêmicas, na maioria das vezes, empresários e o setor público apresentam bons exemplos de como enfrentar eficazmente os desafios climáticos.

O exemplo mais marcante foi a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que, em 1992, reuniu no Rio de Janeiro líderes mundiais proeminentes. Os diálogos e compromissos firmados na conhecida Eco-92 foram renovados vinte anos depois, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a chamada Rio+20.

Historicamente, a aviação comercial brasileira sobressai pelo seu compromisso com a segurança e inovação. As principais companhias aéreas estão sempre em busca de manter-se na vanguarda tecnológica, o que resulta em uma das frotas mais modernas do mundo, gestão empresarial eficiente e apoio a novas tecnologias. Com isso, a aviação no Brasil vem se destacando também na esfera ambiental, implementando uma série de ações práticas.

Combustível Renovável

SAF
Desafio do combustível sustentável é sua baixa oferta e elevado custo de produção

A IATA projetava o uso de cerca de 0,2% de combustíveis renováveis na aviação (SAF) mundialmente até 2023, uma meta considerada bastante ousada, dadas as incertezas tecnológicas e logísticas envolvidas. Diversas tecnologias emergem com promessa de curto prazo, tais como HEFA - Hydroprocessed Esters and Fatty Acids, ATJ – Alcohol to Jet, FT – Fischer Tropsch e PTL – Power to Liquid. Para a maioria das pessoas, essas são siglas incompreensíveis ou termos técnicos; por exemplo, o que seriam os ésteres hidroprocessados?

Para os especialistas, esses termos representam a chance de o Brasil se destacar no cenário global como um fornecedor de larga escala de novos combustíveis. “O Brasil possui grandes oportunidades, especialmente em hidrogênio limpo”, afirmou Maya Gomez, diretora de Hidrogênio Verde da Honeywell Sustainable Technology Solutions.

No entanto, a executiva enfatiza que o desenvolvimento dessas novas tecnologias demandará uma colaboração entre o governo e a iniciativa privada, particularmente para endereçar as barreiras de custo. O hidrogênio azul, tido como o mais promissor para a aviação, enfrenta como principal desafio o alto custo de produção, especialmente devido ao consumo significativo de energia elétrica requerido no seu processo.

“É necessário contar uma matriz energética verde. Não adianta usar hidrogênio e queimar carvão [natural] para produzir energia elétrica”, explica Silvana Silva, engenheria de produção.

"Em 2023, a Comissão Especial de Transição Energética e Hidrogênio da Câmara dos Deputados apresentou o projeto para estabelecer o Marco Legal do Hidrogênio de Baixo Carbono no Brasil. A proposta visa impulsionar o desenvolvimento e a viabilização do uso do combustível no país.

Azul abastecimento
Brasil se destaca em oportunidades para combustível renovável de aviação (SAF) e Congresso avalia projetos de incentivo

Neste contexto, o Brasil se sobressai. Possui uma matriz energética relativamente sustentável, majoritariamente composta por fontes hídricas e eólicas, e acumula meio século de expertise tecnológica e logística na produção de etanol. A despeito da vasta extensão de terras cultiváveis, as tecnologias modernas permitem alta produtividade por hectare plantado. Adicionalmente, o SAF derivado do etanol pode ser produzido utilizando-se subprodutos agrícolas à base de celulose.

Em entrevista a agência epbr, Diogo Bertoldi Youssef, gerente de Engenharia e Despacho da Azul, afirmou que a empresa acredita no potencial do etanol na aviação, sobretudo pela larga produção brasileira, “gente tem todas as condições de torná-lo pronto e soberano na produção e utilização do SAF a partir do álcool”.

"A produção de SAF no mundo ainda é incipiente, o que influencia principalmente o preço por litro, mas as principais companhias aéreas estão se adaptando a essa realidade. No Brasil, a Gol Linhas Aéreas divulgou, em agosto de 2023, que daria início a um programa piloto de compensação de SAF através do sistema Book & Claim. Esse sistema permite que uma empresa reivindique os créditos de carbono gerados por outra que já emprega energia renovável, mediante um pagamento. A operação ocorre em parceria com a VIBRA, por intermédio da plataforma RSB. Embora não seja o modelo perfeito, é considerado o mais viável a curto prazo, tendo em vista que ainda não existe uma cadeia produtiva estabelecida para o combustível renovável na aviação.

“Para chegarmos à meta de descarbonização do setor em 2050, temos de começar agora”, afirmou Eduardo Calderon, diretor do Centro de Controle Operacional (CCO) e Engenharia da Gol.

O Grupo Latam adota uma estratégia que confia no potencial de curto prazo do SAF. Em alinhamento com essa visão, em 2023, a Latam Brasil incorporou à sua frota o primeiro avião novo diretamente da fábrica abastecido parcialmente com SAF. Na ocasião, um A320neo decolou de Toulouse, na França, rumo a Fortaleza, utilizando uma mistura contendo 30% de SAF produzido a partir de óleo de cozinha reciclado, combinado ao querosene de aviação tradicional.

"No ano passado, anunciamos nosso interesse de alcançar 5% de uso de SAF até 2030, privilegiando a produção na América do Sul. Esta decisão está baseada na nossa convicção de que os combustíveis sustentáveis de aviação serão importantes para a descarbonização de toda a nossa indústria", disse na ocasião Ramiro Alfonsín, vice-presidente de Finanças da Latam.

A Latam ainda realizou em março de 2023 seu primeiro voo internacional com SAF, ao decolar de Zaragoza, na Espanha, com destino a América do Norte, com um cargueiro abastecido com 30 mil litros de combustível renovável. A empresa espera até a próxima década ter um maior uso de SAF em suas operações regulares. Essa abordagem está alinhada à estratégia da Gol, que estabeleceu o uso de SAF como responsável por 64% de suas iniciativas para alcançar o balanço líquido zero de emissões de carbono.

“É um passo fundamental na substituição de combustíveis fósseis por matérias-primas renováveis nas refinarias. O coprocessamento tem um papel fundamental no aumento da produção de SAF de forma mais econômica e eficiente", comenta Andreea Moyes, diretora global de Sustentabilidade da Air BP.

Novos aviões

Gol 737 MAX
A Gol promove sustentabilidade em pintura aplicada em um Boeing 737 MAX

Além dos combustíveis, as companhias aéreas e fabricantes buscam aeronaves mais eficientes. A principal iniciativa da última década foi o lançamento de aeronaves remotorizadas, focadas na maior economia de combustível e, consequentemente, na menor emissão de poluentes. A Azul, Gol e Latam saíram na frente de vários rivais mundiais, assinando grandes acordos com Airbus, Boeing e Embraer para a troca completa de suas frotas no médio prazo.

Os motores aeronáuticos atuais, como o CFM Leap, utilizado nas famílias A320neo e 737 MAX, têm um consumo aproximadamente 15% menor do que a geração anterior, o CFM56. Já a família de motores Pratt & Whitney PW1000G, usada nos Embraer E-Jet E2 e Airbus A220, sendo também uma das opções na família A320neo, pode proporcionar uma redução de consumo que supera os 20%. Uma curiosidade é que a emissão de poluentes não se reduz exatamente na mesma proporção, com alguns gases nocivos tendo reduções superiores a 50%. Entre os motivos estão as melhorias nos motores, que incluem materiais avançados, melhor gerenciamento do uso energético, novos sistemas elétricos e hidráulicos, entre outros.

Além disso, o PW1000G apresenta uma impressionante redução de 75% no ruído gerado, se comparado à já silenciosa geração de motores lançados nos anos 1990. A diminuição do barulho também é uma das prioridades do setor aeronáutico, principalmente pelo impacto na saúde das comunidades que vivem próximas a aeroportos congestionados. Recentemente, a NASA e a Boeing conduziram estudos para avaliar quais componentes dos aviões mais contribuem para o ruído, além dos motores. Por exemplo, descobriu-se que as portas do trem de pouso, quando abertas, contribuem significativamente para o barulho durante a aproximação dos aviões. Um redesenho de certos mecanismos e partes pode ajudar a reduzir o ruído durante decolagens e pousos.

De acordo com estudos da NASA, a aviação comercial atual registra níveis de ruído até 80% menores que dos aviões dos anos 1960, enquanto a emissão de poluentes diminuiu mais de 50% desde então.

Conceito Asa Voadora
Militares dos EUA avaliam viabilidade do conceito de asa voadora em um reabatecedor aéreo

Contudo, pesquisas recentes visam desenvolver aeronaves ainda mais eficientes, que possam até mesmo alterar o design padrão vigente há mais de sessenta anos, caracterizado pela típica fuselagem cilíndrica e asas. Há quase quatro décadas, a NASA e a antiga McDonnell Douglas iniciaram uma discussão sobre a possibilidade de inovar na configuração das aeronaves.

X-66A
A Boeing e a NASA trabalham no projeto X-66A que estuda novos conceitos aerodinâmicos e de construção para a futuros aviões comerciais

Em um encontro promovido pelo centro de pesquisas de Langley, foi questionado ao setor: “Existe um renascimento aerodinâmico para o transporte de longo curso?”, debate que acabou por fomentar a ideia do conceito de blended wing-body. Embora a asa voadora não tenha se mostrado viável para o transporte aéreo regular até o presente, engenheiros agora exploram uma alternativa menos radical, porém com significativo potencial de impacto positivo na sustentabilidade ambiental.

O X-66A, uma aeronave experimental da NASA em colaboração com a Boeing, faz parte da renomada série X-Planes e tem como objetivo avaliar como inovações paradigmáticas podem levar a uma diminuição adicional de até 30% no consumo de combustível e, em certos casos, redução superior a 50% nas emissões de gases nocivos.

O projeto de asa transônica reforçada por treliça, combina novos materiais e aerodinâmica avançada, para permitir no médio prazo avaliar novos design básicos para aviões comerciais, que possam operar sem restrições nos aeroportos atuais, dentro das atuais regras de certificação (ou pontualmente alteradas) e que sejam viáveis do ponto de vista econômico.

O X-66A é um projeto criado especificamente para auxiliar os EUA a atingir a meta de emissões líquidas zero de gases de efeito estufa na aviação. O projeto, de caráter experimental e voltado para pesquisa, planeja usar um MD-90 modificado como base. A Boeing está empenhada no redesign da aeronave, que, além de receber novas asas e melhorias aerodinâmicas, contará com um sofisticado sistema de testes a bordo, facilitando o progresso nos estudos da próxima geração de aviões comerciais.

“A NASA e a Boeing estão levando a tecnologia aeroespacial sustentável a novos patamares, enquanto a humanidade e o meio ambiente veem enormes benefícios”, comentou Bill Nelson, administrador da NASA.

A Airbus está envolvida em estudos experimentais para o desenvolvimento de novas aeronaves, abrangendo desde o conceito de blended wing-body até a aplicação de asas avançadas, materiais inovadores e técnicas de construção com formas orgânicas. As estruturas inspiradas na organização de folhas e plantas podem oferecer abordagens construtivas que diminuem o peso estrutural das aeronaves enquanto incrementam sua resistência mecânica. Uma fuselagem e asas mais finas resultam em menos peso e, consequentemente, menor consumo de combustível.

Aeronaves Elétricas

Embraer Energia
Por ora, aviões comerciais eletrificados é apenas um conceito, mas com potencial no médio prazo

Outro ponto notável, e que conta com o apoio das companhias aéreas, é a transição energética. Além do potencial do SAF, o setor explora a viabilidade de aviões elétricos. Embora atualmente o conceito se depare com o grande peso das baterias, sua baixa eficiência energética e os riscos de explosão, existem alternativas que se mostram mais realistas.

A mais promissora, pelo menos a curto prazo, são os veículos aéreos urbanos elétricos, conhecidos pela sigla em inglês eVTOL. Direcionados ao transporte em centros urbanos ou entre cidades vizinhas, estes podem contribuir para a redução do tráfego terrestre, otimização do tempo, e ainda oferecem emissões zero.

Este conceito foi introduzido em 2009, também por iniciativa da NASA e rapidamente adotado nas campanhas de marketing da Uber. Naquela época, a proposta era de um táxi aéreo asa fixa, que inclusive ajudou a cunhar o termo “carro voador”, prometendo custos competitivos e uma melhor gestão do tempo dos passageiros. O projeto se desenvolveu e, atualmente, companhias aéreas como Gol, Azul, entre outras globalmente, firmaram acordos com diversos fabricantes para explorar um novo modelo de negócios.

Archer
Diversos projetos de eVTOL surgiram nos últimos anos e setor acredita que conceito poderá revolucionar o transporte aéreo

Uma das alternativas consideradas é a de possibilitar que passageiros voem de aeroportos centrais para cidades menores, particularmente aquelas localizadas a no máximo 100 quilômetros de um grande centro, de maneira rápida e eficiente. Tal conceito não apenas permite aumentar as possibilidades de receita, mas também oferece a oportunidade de expandir a rede aérea global.

Da mesma maneira, as companhias aéreas estão colaborando ativamente com fabricantes de aeronaves, motores e indústrias químicas para determinar a alternativa mais eficaz para a eletrificação da aviação convencional. Atualmente, estão sendo consideradas várias opções, como um modelo híbrido análogo aos veículos automotivos, o uso de células de hidrogênio e motores elétricos alimentados por baterias de alto desempenho, dentre outros. Cada tecnologia apresenta seus benefícios e limitações, dependendo ainda de uma série de fatores.

Taxi monomotor

Boeing 787
Diversas empresas aéreas passaram a taxiar monomotor, poupando combustível e reduzindo as emissões de poluentes | Foto: Guilherme Amancio

Atualmente, de forma pragmática, as companhias aéreas, incluindo as brasileiras, implementam ações mais realistas e imediatas. Um dos métodos práticos com eficácia comprovada na redução do consumo de combustível e de emissões é o táxi monomotor. A prática não só economiza centenas de quilos de combustível e, por tanto, de emissões como também preserva o próprio motor, o que, sob uma análise detalhada, revela-se mais sustentável. Cada revisão de motor consome uma quantidade significativa de energia, seja elétrica ou fóssil.

Os créditos de carbono são outro exemplo. Apesar de controversos para os leigos no assunto, essa iniciativa permite que empresas ou organizações confiáveis e auditadas neutralizem as emissões por meio de várias alternativas, incluindo o plantio de árvores e a gestão sustentável de recursos naturais.

Por exemplo, em 2021, a Gol iniciou uma parceria com a startup Moss, localizada no Brasil, possibilitando que seus passageiros comprem créditos de carbono, colaborando, assim, para a neutralização das emissões. A Azul, por sua vez, estabeleceu meses depois uma colaboração semelhante com a CHOOOSE, uma empresa de tecnologia voltada para o clima. Já a Latam, em dezembro de 2023, firmou um acordo para compensar 400 mil toneladas de CO2, com o compromisso da Future Carbon em proteger por uma década uma área de 22.000 hectares nos biomas da Amazônia e do Cerrado.

Ademais, as empresas se comprometem a reduzir as emissões de poluentes em até 50% até a próxima década e a alcançar a neutralidade de carbono até 2050

As companhias aéreas estão navegando por um período de transição significativa, enfrentando o desafio de alinhar a operação e rentabilidade com as demandas crescentes por sustentabilidade. Com o progresso contínuo e colaboração entre os diversos setores da indústria, estabelecerem parcerias estratégicas e investem em tecnologias emergentes, não só demonstrando o compromisso com um futuro mais verde e responsável mas, prometendo revolucionar a maneira como voamos e impactamos o mundo ao nosso redor.

Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 18/04/2024, às 17h15


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