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Um país de oportunidades

Apesar da instabilidade, principais fabricantes consideram o mercado brasileiro estratégico para impulsionar seus negócios nos próximos anos


O ano de 2015 começa com incertezas econômicas e instabilidade política. Uma combinação de cenários que há muito não se via no Brasil. Ainda que a economia caminhe para um processo de estagnação – agravado por altas de inflação, juros e dólar, além de queda de preço das ­commodities –, poucos acreditam que a crise se assemelhe à da sombria década de 1980. No caso do mercado de asas rotativas, as perspectivas seguem cautelosas, e ainda otimistas. Isso porque o empresário sabe que depende de novos negócios para reagir às adversidades e o helicóptero tem um papel decisivo nesse processo. “Não devemos manter o crescimento registrado nos últimos anos, mas esperamos fechar 2015 com o mesmo volume de negócios do ano passado. Isso é positivo”, diz um empresário e operador de helicópteros que preferiu manter-se anônimo.

Atualmente, o Brasil possui a segunda maior frota global de helicópteros, perdendo apenas para os Estados Unidos, e São Paulo é a cidade com mais aeronaves de asas rotativas do mundo. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Aviação Geral 2014, editado pela ABAG (Associação Brasileira de Aviação Geral), a frota brasileira de helicópteros supera as 2.060 unidades, com valor superior aos US$ 4 bilhões – os dados atualizados ainda não estão consolidados. Apenas na região Sudeste entraram 95 novos helicópteros em 2013, o que de forma isolada representa um crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Destaque para o número de registros nos estados de São Paulo (35), Rio de Janeiro (34) e Minas Gerais (26). Embora a idade média da frota atualmente seja de 12 anos, considerada uma das mais novas do mundo, 64% das aeronaves dessa frota possuem até 15 anos, o que demonstra a tendência de uma renovação para os próximos anos.

AW169 no Brasil

É esse potencial que dá aos fabricantes a perspectivas de garimpar boas oportunidades de negócios no país, apesar das dificuldades. Muitos consideram o cenário atual melhor do que o de 2008, quando a crise era global e impactava diretamente as maiores economias do mundo, comprometendo os negócios e o acesso ao crédito. A confiança no Brasil continua e os principais fabricantes apontam uma série de novidades para 2015, como a AgustaWestland, que deve iniciar as entregas do novo AW169 ainda este ano. A empresa aguarda apenas a certificação do AW169 no Brasil, prevista para ocorrer em breve, para iniciar as primeiras entregas no país.

AW139
O AW139 teve incremento do MTOW em 300 kg


a agustawestland espera inicar nos próximos meses as primeiras entregas do AW169

O mais novo biturbina da AgustaWestland foi recentemente certificado nos EUA e Europa. Na ocasião, o fabricante destacou seu incremento na segurança em relação a modelos similares. Foram comercializadas mais de 20 unidades no Brasil, o que torna o país o maior mercado do AW169, representando 17% das vendas globais até o momento, confirmando a tendência seguida por muitos operadores nacionais de substituir aeronaves monoturbinas por modelos biturbinas leves e médios. “Hoje muitos executivos buscam a maior segurança do biturbina, que se destaca especialmente no cenário urbano onde existem poucas opções para pouso num caso de emergência”, analisa Caio Ferreira, comandante de helicópteros. “Como a maior parte dos helipontos é homologada para categorias de até 5 toneladas, o incremento do peso não é mais um impedimento a essas aeronaves”.

Nesse contexto a ­AgustaWestland espera manter sua vantagem, com o reforço do AW169, que possui MTOW (maximum takeoff weight) de 4,5 toneladas. Equipado com dois motores Pratt & Whitney Canada PW210A, de 1.000 shp cada, o modelo opera em condições “hot and high” e possui capacidade para até 10 passageiros. Ele também incorpora uma série de tecnologias, como o emprego de novas pontas nas pás do rotor principal, que teve seu perfil afilado e levemente defletido para baixo, permitindo uma considerável redução no arrasto induzido e uma melhora na eficiência do conjunto. O novo perfil também contribui para redução do ruído, tornando manobras de decolagem e pouso mais silenciosas. Visando maior segurança, o rotor de cauda tripá foi instalado no topo do tailfin, mantendo uma distância de 2,16 metros de altura em relação ao solo quando em funcionamento, o que reduz consideravelmente o risco de alguma pessoa inadvertidamente atingir o rotor de cauda em operações de solo.

Outro destaque é a nova suíte de aviônicos, totalmente integrada ao NVG e com controle touch screen. A plataforma de arquitetura aberta foi desenvolvida sobre o hardware da Rockwell Collins, permitindo, assim, acrescentar novas funcionalidades ao sistema sem a necessidade de uma grande atualização de hardware ou software. O piloto automático de quatro eixos é integrado ao FMS (Flight Management System) reduzindo drasticamente a carga de trabalho dos pilotos.

Devido à boa aceitação do mercado, a AgustaWestland trabalha para instalar uma segunda linha de montagem final do AW169 na Filadélfia, EUA, enquanto a planta Yeovil, no Reino Unido, está dedicada à produção das pás de rotor e do sistema de transmissão do rotor de cauda. Em paralelo ao início da produção, o fabricante está perto de concluir o primeiro centro de treinamento do modelo, que será instalado em Sesto Calende, na Itália, incluindo um simulador de voo completo nível D e um treinador de manutenção. O fabricante também anunciou recentemente o aumento do MTOW do AW139 em 300 kg, chegando as 7 toneladas, o que melhorou sua performance em missões offshore. O upgrade é opcional para aeronaves novas, mas também está sendo oferecido na forma de retrofit para helicópteros já em serviço.

Ainda no segmento offshore, a AgustaWestland acredita que, no futuro, o AW609 poderá ser utilizado no Brasil. A despeito das polêmicas envolvendo a Petrobras, é inegável que o potencial do mercado de óleo e gás no país é um dos maiores do mundo, em especial com relação ao pré-sal. Tanto que a estatal já estuda o uso de tiltrotors pelas empresas contratadas para prestar serviço, em especial em missões de busca e salvamento. Sabe-se que a AgustaWestland teve algumas conversas para o emprego do AW609 em missões SAR no pré-sal. Como as plataformas oceânicas estão mais distantes, um helicóptero levaria um tempo maior para chegar ao local de um eventual o acidente do que o AW609, que mantém uma velocidade próxima da de aviões, mas podendo decolar e pousar como helicóptero.

O AW609 está em fase final de um longo processo de maturação, que começou no final da década de 1990, e deverá iniciar as operações em meados de 2017. No Brasil, ainda falta uma regulamentação específica para o emprego de aeronaves tiltrotor, mas o país deverá seguir o modelo adotado pela FAA para esse tipo de equipamento. “Assim que a FAA homologar o uso civil do tiltrotor, a tendência é que a ANAC siga o manual americano”, acredita Samuel Sami, consultor aeronáutico [para Petrobras].

Bell Jet Ranger X
Dois protótipos do  Bell Jet Ranger X já estão em voo

Bell 429 e Jet Ranger

Quem também aposta no mercado biturbina do Brasil é a Bell Helicopters, que realizou a venda da unidade número 200 do Bell 429 a um cliente brasileiro. Atualmente, o país conta com mais de 30 aeronaves desse modelo em operação, com expectativa de novas vendas este ano. “O 429 recolocou a Bell no cenário de biturbinas, sendo hoje um dos modelos de maior aceitação no mercado”, diz João Velloso, da Helipark, que presta serviço de manutenção para aeronaves Bell.

O Bell 429 é equipado com dois motores Pratt & Whitney PW207D1, de 1.100 shp de potência contínua, o que permite à aeronave operar sem qualquer limitação de potência ou de transmissão. Uma das novidades é a opção do trem de pouso retrátil de funcionamento elétrico. Uma das vantagens é o menor arrasto e consequente melhora da performance geral, permitindo um aumento de 4 kt de velocidade e um ganho de até 19 nm no alcance. Porém, o sistema acrescenta mais de 110 kg de peso, o que, para algumas operações, especialmente urbanas, pode ser desnecessário. Segundo a Bell, o sistema elétrico de trem retrátil, além de mais leve do que o hidráulico, possui manutenção simplificada.

Outro destaque são os rotores. Ambos, tanto o principal quanto o de cauda, possuem quatro pás e foram desenvolvidos com novas tecnologias e aerodinâmica refinada, visando produzir menos ruído. Destaca-se a disposição das pás, em especial as do rotor de cauda em “X”, similar à adotada em algumas aeronaves militares, como o Boeing AH-64 Apache. A solução permite alguns ganhos no desempenho e atenua o ruído externo. O modelo também foi o primeiro do mundo certificado para WAAS, um sistema de aproximação de pouso vertical em piloto automático.

Mais uma novidade que deve chegar em breve ao Brasil é o Bell 505 Jet Ranger X, a evolução da consagrada família Jet Ranger. O voo inaugural ocorreu nas instalações da empresa em Mirabel, Québec, em novembro do ano passado, menos de seis meses depois do anúncio de seu lançamento durante a Heli-Expo 2014. O modelo conta com mais de 300 cartas de intenção ao redor do mundo e tem atraído o interesse do mercado brasileiro.

O Jet Ranger X manteve as características básicas da família, sendo um monoturbina de cinco lugares, mas obteve algumas melhorias, como velocidade de cruzeiro de 125 kt, com autonomia superior a 360 nm e carga útil de 1.500 kg. Um dos destaques é a nova área envidraçada, que toma praticamente toda a frente da aeronave. Projetado como um multimissão, o Jet Ranger X possui piso totalmente plano e conta com aumento do volume de cabine e portas clam shell, o que permite flexibilidade na configuração e emprego. O motor Turbomeca Arrius 2R possui controle digital (FADEC) e inclui um sistema de rotor de alta inércia que melhora consideravelmente a capacidade de autorrotação. O modelo ainda dispõe de uma suíte Garmin 1000H.

Recentemente, o segundo protótipo iniciou a campanha de ensaios em voo, devendo realizar validações de performance, autorrotação, entre outros. Na ocasião, a aeronave realizou uma série de voos de baixa velocidade, com resultados considerados positivos. “A aeronave demonstrou incrivelmente bem um padrão de tráfego de baixa velocidade voando a 60 kt”, comentou na ocasião David Smith, diretor do programa de Bell 505 Jet Ranger X. A expectativa é que o Jet Ranger X conquiste parte do mercado brasileiro de monoturbinas, com potencial de vendas também no segmento parapúblico.

Designação H

A Airbus Helicopters completou sua nova identidade com total integração ao Airbus Group ao apresentar três novos helicópteros, o EC175, da categoria de sete toneladas, e as versões EC145 T2 e EC135 T3/P3, de porte médio. O grupo progrediu significativamente com o plano de melhoria no suporte e serviço ao cliente, e no desenvolvimento de novos produtos. A mais recente conquista foi a apresentação do X4 durante a Heli-Expo 2015, batizado oficialmente como H160. O modelo marca não apenas a entrada de um novo produto na linha do fabricante, mas também uma nova denominação de toda a linha, incluindo os modelos produzidos no Brasil pela Helibras, que passam a contar com a designação “H”, substituindo os nomes AS e EC, correspondentes a Aérospatiale e Eurocopter, respectivamente.

H175
H175 deverá chegar ao Brasil antes do fim do ano


a tendência atual no brasil tem sido a popularização dos biturbinas

Para o mercado brasileiro, a Helibras traz ao país o EC145 T2 (agora H145) que conta com uma série de inovações em relação à primeira geração (leia matéria da p. 26). Recentemente, Minas Gerais adquiriu um EC145 exclusivamente para o transporte aeromédico para ser operado por meio de uma parceria entre o corpo de bombeiros e o SAMU (Serviço de Atendimento Médico de Urgência). Já o EC145 da Segurança Pública da Bahia pode ser empregado tanto como aeronave policial quanto como aeromédico, com a possibilidade de transportar tropas com até nove policiais equipados. A empresa ainda acredita no futuro emprego militar do modelo, na sua versão armada, o EC645, como a utilizada pelo exército dos EUA e batizado de UH-72 Lakota. “É uma aeronave altamente versátil e atende a muitos requisitos que podem servir, futuramente, até aos segmentos mais complexos, como o militar”, diz o vice-presidente Comercial e de Marketing da Helibras, François Arnaud. A Helibras também acredita na popularização dos biturbinas no país, seguindo a tendência dos demais fabricantes. “O uso de helicópteros leves de duas turbinas é um caminho sem volta que já havíamos observado em outros países do mundo, e que só tende a crescer no Brasil”, frisa Arnaud.

Outra novidade que deverá chegar ao país este ano é o EC175 (atual H175), destinado a missões offshore. O modelo recém-certificado é equipado com dois motores Pratt & Whitney PT6C, de 1.776 shp cada. Uma das novidades do EC175 é o rotor principal, de cinco pás, e o rotor de cauda, de três pás, com perfil das pás de nova geração. O novo desenho oferece maior redução de vibração e ruído como também maior sustentação e velocidade. Porém, o maior destaque é a cabeça do rotor sem rolamentos e com design Spheriflex, tolerante a danos, aliado à nova caixa de transmissão principal, que conta com um projeto totalmente reformulado, com duas caixas de acessórios para redundância e capaz de voar 30 minutos após a perda total de óleo.

Parceria com ITA

A Sikorsky Aircraft que se destaca no segmento de óleo e gás mantém suas perspectivas para o Brasil, incluindo o mercado militar. Em fevereiro último, a empresa assinou em parceria com o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica) um documento de colaboração para inovação em asas rotativas visando acelerar o desenvolvimento de tecnólogos especializados em helicópteros no Brasil. A iniciativa pretende aumentar a exposição dos estudantes ainda não formados aos princípios de helicópteros como parte de uma educação simétrica em engenharia aeroespacial.

O ITA contará com recursos da Sikorsky para ampliar seu programa de engenharia aeroespacial, fornecendo uma nova opção de currículo relacionado a aeronaves de asas rotativas. A expectativa é que a nova grade curricular esteja disponível a partir do próximo semestre. O laboratório patrocinado pela Sikorsky deverá ser concluído até o final do ano e terá um simulador de voo, sem movimento, e outros equipamentos para auxiliar o ensino e pesquisa. A Sikorsky também fornecerá orientadores para apoiar algumas aulas e pesquisas associadas.

O fabricante registrou algumas conquistas no mercado militar, como a escolha do Seahawk pela Marinha do Brasil, além dos Black Hawk já em uso pelo Exército e pela Força Aérea. “A demanda por ativos em asa rotativa no país continua a crescer com a entrega de novos sistemas avançados de helicópteros para as forças armadas brasileiras”, disse Antonio Pugas, vice-presidente da Sikorsky para a América Latina. Em dezembro de 2014, o primeiro Seahawk da Marinha (designado como MH-16) realizou com sucesso o lançamento de um míssil antinavio Penguin.

Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 25/03/2015, às 00h00


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