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Aviação experimental

Transição em curso

Abrafal esclarece as dúvidas sobre a recém-criada categoria ale, derivada da LSA norte-americana, que promete impulsionar os negócios da indústria de aeronaves leves no Brasil


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Evektor EuroStar SLW
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Foxbat A-22 LS

A indústria brasileira de aeronaves leves experimenta um momento tão pujante quanto confuso. É que desde o primeiro dia de dezembro do ano passado o setor se vê às voltas com as discussões acerca da Light Sport Aircraft, ou LSA, categoria americana aqui adaptada como ALE (Aeronave Leve Esportiva). Pela regulamentação, os brasileiros terão até 2016 para se ajustar, mas, passado mais de meio ano, as dúvidas se multiplicam enquanto fabricantes e montadores se adéquam às novas normas. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) mantém o processo de regulamentação em andamento, só que em caráter experimental. Os novos RBAC (Regulamentos Brasileiros de Aviação Civil), aos poucos, são publicados, no entanto, muitas normas estão por ser formuladas e modificações ainda precisam entrar em vigor, o que tem gerado expectativa e alguma instabilidade.

"A instabilidade é um processo natural quando se tem mudanças profundas como essas pelas quais a aviação leve está passando", considera Hermano Paes Viana, presidente da Abrafal (Associação Brasileira de Fabricantes de Aeronaves Leves). Segundo ele, a nova regulamentação permite ao Brasil equiparar o padrão de suas aeronaves ao de modelos de fora, o que aumenta a competitividade dos produtos desenvolvidos no país no mercado internacional. "Não vínhamos acompanhando os avanços de tecnologia embarcada e de construção da indústria mundial. Com padrão de construção e procedimentos provenientes da LSA (ou ALE), a expectativa é que o país produza aparelhos mais avançados e com maior segurança de voo".

PADRONIZAÇÃO SEM MISTÉRIOS
A aeronave leve esportiva é, por definição, simples de operar e fácil de voar. São essas propriedades que as novas medidas reforçam, sobretudo no que tange ao desempenho e à configuração. De acordo com a Abrafal, os aparelhos de asa fixa da categoria ALE devem ter peso máximo de decolagem limitado a 600 quilos, velocidade máxima de cruzeiro menor ou igual a 120 nós, velocidade de estol menor ou igual a 45 nós, trem de pouso fixo, apenas um motor (que é alternativo), hélice de passo fixo ou ajustável em solo, cabine não pressurizada com no máximo dois assentos, incluindo o do piloto, e estar em conformidade com as normas técnicas de construção e fabricação do órgão norte-americano ASTM International (American Society for Testing and Materials), que definem o projeto, a produção e a aeronavegabilidade.

Hermano Paes Viana explica que a aeronave leve esportiva se enquadra em duas formas: especial ou experimental. Segundo ele, a ALE-Especial é a que cumpre as normas da ASTM, ou seja, é fabricada e entregue pronta para ser utilizada. A aeronave classificada como ALE-Experimental, continua o presidente da Abrafal, é aquela que já foi certificada anteriormente como leve esportiva. Assim, pode ser montada a partir de um kit, sem precisar obedecer à regra da porção maior para construção amadora, que requer pelo menos 51% das tarefas feitas pelo construtor. Também se qualifica como ALE-Experimental o aparelho que é construído a partir de desenhos e instruções.

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CTLS, da Flight DesignDynamic WT-9
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Syncro F
Rodrigo Cozzato
FK9, da FK LightplanesConquest 180 Light Sport

Quando é registrada, a aeronave ALE-Especial recebe o CA Especial (Certificado de Aeronavegabilidade) na categoria leve esportiva. Além de voo esportivo, ou mesmo de lazer, o avião está apto para ser usado em atividades comerciais, como aluguel ou instrução de voo. Já a aeronave ALE-Experimental recebe o CAVE (Certificado de Autorização de Voo Experimental) na categoria leve esportiva e pode apenas realizar voos esportivos e de lazer. É permitida a utilização do aparelho em voo de instrução, mas restrito ao proprietário, pois é proibida a utilização de aviões enquadrados nessa categoria em práticas remuneradas.

#Q#

"Essas mudanças (nova padronização LSA), somadas à falta de informações, fizeram a aviação leve passar por uma 'inundação' de boatos e 'teses', que em sua grande maioria são infundados e acabam por gerar mais confusão", divulgou Hermano Paes Viana, presidente da Abrafal, em comunicado recente. O documento foi produzido com o objetivo de "esclarecer a atual situação da aviação leve no Brasil". A entidade, que congrega 21 empresas e atua em parceria com órgãos governamentais, pretende fazer ponte entre a Anac e o mercado para esclarecimento das informações. AERO Magazine conversou com Viana, que é major-brigadeiro-do-ar, com extensos 45 anos de atividades na FAB (Força Aérea Brasileira), e também vice-presidente do CEU (Clube Esportivo de Ultraleves). Aos 77 anos de idade, ele está no comando da Abrafal há 12 anos e antevê a seguir os rumos da LSA no Brasil:
AERO MAGAZINE - Como a implantação da LSA influencia na indústria brasileira de aeronaves leves?
HERMANO PAES VIANA - A adoção das regras contidas na LSA americana, criando aqui a categoria ALE, irá permitir que alarguemos nossos horizontes no que diz respeito à competição internacional em igualdade de condições, além de permitir que atinjamos novos nichos de mercado no Brasil. Por exemplo, produzindo aeronaves para que a atividade da instrução ministrada em diversas escolas e aeroclubes possa ser feita com aparelhos de custo mais baixo em substituição às antigas homologadas, que são atualmente utilizadas.

- O que muda para usuários e fabricantes da aviação leve com a nova regulamentação da categoria?
- A grande mudança ocorre para os fabricantes, pois, para se enquadrarem na categoria de aeronave leve esportiva, eles terão que cumprir as normas ASTM. Essas normas são extensas, complexas e envolvem testes práticos de voo e estáticos do projeto, que devem ser comprovados pela Anac. Assim, todos ganham: os pilotos e proprietários das aeronaves leves esportivas, que têm a garantia de um produto submetido a testes rígidos e eficientes de desempenho e segurança; e a indústria brasileira, que poderá exportar suas aeronaves para outros continentes, pois estarão dentro dos padrões aceitáveis e competitivos pelos órgãos reguladores internacionais.

"COM PADRÃO DE CONSTRUÇÃO E PROCEDIMENTOS PROVENIENTES DA LSA, A EXPECTATIVA É QUE O BRASIL PRODUZA APARELHOS MAIS AVANÇADOS E COM MAIOR SEGURANÇA DE VOO"

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- Como será o processo de enquadramento das aeronaves LSA importadas na regularização nacional?
- As aeronaves LSA importadas não terão o período de isenção de comprovação das normas para cumprir, como as fabricadas no Brasil. Assim, todas as aeronaves importadas já devem ter cumprido as normas ASTM e, logo, enquadradas como Light Sport Aircraft. A maioria das aeronaves importadas com representação no Brasil já cumpre essas normas e está apta a receber a certificação ALE ao comprovar o cumprimento das normas.

- Economicamente, o que a regularização representa ao setor?
- Na prática, essa regularização representa a real possibilidade de desenvolvimento, criando parâmetros e regras para sua instalação, atuação e crescimento. Isso significa a possibilidade de reivindicar apoio governamental bem como investir no desenvolvimento do setor com margens menores de risco. Enfim, regularizar esse segmento significa preparar a aviação brasileira para o futuro que, ao que parece, já chegou.

- A proposta da Anac é moldar as diretrizes da LSA para a realidade brasileira. O que isso significa exatamente?
- A adoção naturalmente precisou de ajustes dentro da nossa capacidade financeira, mercado e expectativa de competição no mercado internacional.

- Em sua opinião, o processo de adequação será concluído e instituído pela Anac de maneira firme?
- Antigamente, na época do DAC (Departamento de Aviação Civil), muitos assuntos eram resolvidos com base no bom senso, deixando-se de lado as regras e leis publicadas. Assim, não havia muita preocupação em mudar essas leis e regras. Agora, a função da Anac é regulatória, ou seja, fazer cumprir essas regras e aí está um grande problema. Temos uma corrida contra o tempo para tentar mudar regras e leis que agora não fazem mais sentido, mas elas estão aí. Essa tem sido uma das grandes lutas da Abrafal. O nosso trabalho está em nos reunirmos com a Anac periodicamente para discutir pontos e partes das regras que afetam a indústria aeronáutica leve brasileira.

- A Abrafal defende a utilização de aeronaves ALE-Especial na formação de pilotos privados. Por quê?
- A formação de pilotos privados é a base para futuros pilotos da aviação comercial e executiva. Hoje as principais aeronaves formadoras são os Aero Boero AB-115 e os Paulistinhas P-56. A condição econômica dos aeroclubes e da maioria das escolas não permite a compra de aeronaves novas e mais modernas, limitando-se a, quando muito, comprar Cessna 152 com média de 7 mil horas de utilização e descartados pelas escolas dos Estados Unidos. A utilização das aeronaves ALE-Especial na formação básica permitirá que os alunos tenham acesso a aeronaves novas, com menor custo, mais seguras, mais econômicas, mais rápidas e com tecnologia embarcada de última geração. Formando pilotos com equipamentos atualizados, a aviação leve ganha em segurança e qualidade de aprendizado e as empresas ganham com mão de obra mais qualificada. Quantas aeronaves existem, hoje, no Brasil atuando na formação de piloto privado e equipadas com TCAS (Traffic Collision Avoidance System), EFIS (Electronic Flight Instrument System), piloto automático e GPS ADAHRS (Air Data Attitude-Heading Reference Systems)? Poucas, ou, para melhor dizer, nenhuma. Com as ALE-Especial essa realidade irá mudar e o Brasil poderá se igualar a outros países na qualidade de instrução prática.

Donna Oliveira/ | Fotos Arquivo E Divulgação
Publicado em 11/07/2012, às 13h48 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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