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Tráfego aéreo

Torre remota

Na esteira do sistema ATM, as chamadas RVT poderão controlar virtualmente até três aeroportos ao mesmo tempo


O sistema de controle de tráfego aéreo passou por profundas transformações com a incorporação de procedimentos via satélite, comunicação digital e novos conceitos de gestão das operações de aeronaves. Uma das mais recentes e relevantes mudanças se deu após a adoção do sistema ATM (Air Traffic Management), baseado no emprego integrado de todos os recursos existentes, incluindo o espaço aéreo, os aeródromos, as aeronaves, a infraestrutura tecnológica e os recursos humanos. Como objetivo principalmente de garantir a diminuição das distâncias entre as aeronaves e o cumprimento de voos em rotas cada vez mais curtas, ou eficientes, o processo continua em curso. 

O Brasil participa dessa revolução com o sistema Sirus, que foi desenvolvido justamente para colocar em prática os recursos ATM de forma integrada. Foram criadas novas rotas diretas entre importantes cidades do Brasil, com significativa redução nas distancias voadas. O mais famoso recurso é o conceito PBN (Performance Based Navigation), que emprega modernas soluções tecnológicas disponíveis nos sistemas em terra e a bordo das aeronaves, além de se valer de benefícios da navegação por satélites.

Aeroporto de Dubai
Aeroporto de Dubai, nos Emirados Árabes

Sistema virtual

A maior inovação desse processo está por se estabelecer. São as chamadas RVT (Remote and Virtual Tower), que prestam literalmente um serviço de torre realizado de forma remota. Atualmente, as poucas RVT instaladas no mundo já proporcionam serviços de controle do aeroporto e de solo e emergências. Especialistas acreditam que a gama completa de serviços de tráfego aéreo definido no Documento 4444 da ICAO (International Civil Aviation Organization) poderão futuramente estar totalmente integrados a serviços remotos.

O projeto básico foi apresentado em 2002 pela alemã DLR (Deutsches Zentrum für Luft- und Raumfahrt) descrevendo uma sala de controle de tráfego aéreo virtual com imagens geradas por sensores e exibidas em telas de alta definição, ao contrário do modelo tradicional de um edifício instalado no aeroporto onde os controladores observam o movimento através de amplas janelas. Entre as virtudes do sistema virtual está a possibilidade de gerar imagens de alta definição, que podem detalhar (e ampliar) áreas específicas do aeroporto, permitindo ao controlador visualizar com precisão os movimentos. Tal recurso é especialmente útil no controle de solo, uma vez que dá ao controlador condições de acompanhar os detalhes da operação que considerar importantes.

Vídeo comprimido


Numa torre convencional, além da própria visão humana, o “veterano” binóculo auxilia e torna mais precisa a observação

As RVT possuem sistemas idênticos aos existentes em uma torre convencional, ou seja, comunicação de voz, meteorologia, plano de voo e vigilância. O tipo do serviço a ser prestado determina a configuração dos dispositivos instalados. Dependendo da complexidade do aeroporto, considerando a densidades de tráfego e as condições meteorológicas predominantes, pode-se instalar também sistemas A-SMGCS, com radar movimento de superfície (SMR) e LAM (Local Area Multilateration).

Nas bases já existentes uma rede de dados transfere as imagens de alta definição e os sistemas aeroportuários mais relevantes para a posição de trabalho do controlador. Um conjunto de ferramentas permite ao sistema comprimir o vídeo e transferir as imagens em alta definição com reduzido uso tanto de banda de tráfego de dados quanto de energia.

Um dos maiores incentivadores do conceito RVT é a Sesar (Single European Sky ATM Research), uma parceria público-privada europeia que busca o desenvolvimento de um sistema ATM de alto desempenho capaz de melhorar, até 2020, a eficiência dos controles atuais. Estão entre os objetivos uma redução entre oito e 14 minutos do tempo de voo em zonas de terminal, uma economia de 300 kg a 500 kg de combustível e uma diminuição da emissão de até 1.575 kg de CO2.

Primeira RVT mundial

Além da DLR, diversos outros fabricantes têm investido nessa nova tecnologia, como a LFV, a SeaRidge Technologies e a Saab. No final de 2014, a agência de transportes da Suécia concedeu aprovação operacional à LFV para a Sundsvall Remote Tower Center, a primeira RVT do mundo, que passou a fornecer serviços para o Aeroporto de Örnsköldsvik. Instalada a 100 km de distância do aeroporto, a Sundsvall fornece dados em tempo real para o aeroporto por meio de câmeras de alta definição, sensores meteorológicos, microfones e outros dispositivos. Foram instalados diversos monitores que fornecem uma visão de 360 graus do aeroporto. Aliadas a demais dispositivos de entrada e ferramentas de gerenciamento, as telas garantem ao controlador um grau de consciência situacional superior ao existente numa torre convencional.


Instalação de sensores numa torre remota custa menos do que a construção de um edifício para uma torre padrão

Segundo Ken Kaminiski, gerente geral da Saab Air Traffic Management (ATM), a instalação do conjunto de sensores numa torre remota custa menos do que a construção de um edifício para uma torre padrão, além de permitir que no futuro sejam prestados serviços para demais aeroportos. “Um mesmo controlador teria acesso a até três aeroportos”, diz o executivo. O recurso melhoraria a eficiência em terminais com mais de um aeroporto, como acontece nos Estados Unidos, onde existem diversos aeroportos próximos uns dos outros. Aliada do Brasil no Projeto F-X2, a Saab tem trabalhado no desenvolvimento dessa nova tecnologia por mais de oito anos e, recentemente, tornou-se parceria da LFV para somar forças na popularização do sistema.

O modelo adotado em Sundsvall inclui câmeras de alta definição fixas e controláveis ​​­(pan-tilt-zoom), sistemas de compressão de vídeo, complexo modelo de criptografia, controle remoto da iluminação da pista, entre outros. De acordo com os envolvidos no projeto, os maiores desafios não foram de ordem técnica, mas, sim, culturais e legais. A garantia de que todos os sistemas pudessem funcionar em qualquer condição meteorológica e sem o risco de ataques de crackers foram relativamente simples diante do conservadorismo natural da aviação. “Os desafios técnicos não eram tão significativos, mas precisamos aguardar algum tempo até que as pessoas aceitassem o conceito”, conta Kaminiski.

Dúvidas no ar

A NATCA (National Air Traffic Controllers Association) ainda se mostra cética quanto ao modelo remoto e levanta algumas dúvidas em relação ao sistema. Uma das maiores preocupações da entidade diz respeito à capacidade do controlador de notar e observar pequenas aeronaves. Numa torre convencional, além da própria visão humana, o “veterano” binóculo auxilia e torna mais precisa a observação do movimento das aeronaves. No modelo remoto, as câmeras com zoom permitem ampliar dezenas de vezes a imagem de uma área, mas demandam segundos importantes entre o acionamento e a efetiva exibição da cena ampliada na tela. Ademais, sua operação requer alguma perícia, já que será necessário apontar e manter o objeto no centro da tela.

Outra preocupação apontada pelos controladores se refere à capacidade de interpretar com eficiência e segurança as referências exibidas no monitor. Uma aeronave vista na tela será apenas um alvo com sua posição exibida numa determinada área, enquanto numa torre o controlador tem a percepção da posição real do “tráfego” em relação ao aeroporto.

Ainda que diante de algumas questões e de certas limitações, os principais envolvidos com as RVT acreditam no futuro do projeto. Alguns países já trabalham na adoção de modelos experimentais, como Noruega, Austrália e Estados Unidos. A previsão é a de que novos sistemas sejam concretizados ainda neste primeiro semestre de 2015, dando continuidade ao conceito que poderá mudar a forma como pilotos e controladores lidam diariamente com o controle de tráfego aéreo.


Programa Sirius promete reduzir o tempo de reação para operações de busca e salvamento

O Brasil e o PBN

No Brasil, o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), ainda analisa a adoção de sistemas remotos. “A tecnologia é muito nova e não existem informações seguras sobre sua real capacidade”, afirma o Decea. “Assim que tivermos dados concretos da segurança da operação e dos benefícios da torre remota, sem dúvida, estudaremos sua aplicação”.

O Decea conduz a implantação do Sirius visando à evolução do sistema ATM Nacional. A aplicação do conceito PBN (Performance Based Navigation) utiliza uma série de recursos em terra, a bordo das aeronaves e via satélites. Embora não seja um projeto inovador olhando para a janela de 20 anos no futuro, o PBN representa a transição entre a aviação atual e a que estará em operação em meados de 2035.

O Brasil é um dos países pioneiros na adoção do PBN, o que tem permitido a criação de novas rotas aéreas entre importantes cidades do Brasil com significativa redução nos percursos voados, tornando as rotas menos tortuosas. Outro benefício é a realização de procedimentos de subidas e descidas contínuas, assim como a utilização de altitudes de voo ideais, o que não só reduz o tempo de voo como garante uma economia significativa de combustível.

O programa Sirius já possui a capacidade de trabalhar em um ambiente com grande volume de informação, fornecendo dados em tempo real, unido a uma gama de recursos automatizados que elevam a capacidade dos provedores de tráfego aéreo e das aeronaves. Ele aumenta a consciência situacional dos controladores de tráfego aéreo e dos pilotos por meio do emprego de sistemas baseados em enlace de dados, como o ADS (Automatic Dependent Surveillance) e da multilateração. O Brasil deverá nos próximos meses ter implantado quase a totalidade das tecnologias ADS-B e ADS-C, além do intercâmbio de dados radar (SSR) com países vizinhos, o que incrementará a capacidade do espaço aéreo e a segurança operacional.

O programa Sirius ainda contempla a implantação de novos serviços de navegação nas regiões das bacias petrolíferas, incluindo Campos, Santos e Espírito Santo. No espaço aéreo da Bacia de Campos está sendo aprimorado o serviço de vigilância ATS pelo uso de ADS-B, o que torna esse projeto um dos pioneiros no mundo.

Outro ponto importante do sistema adotado pelo Decea, e que será um dos primeiros a atender toda a gama de aplicações e serviços relacionados ao ATM estabelecidos pela ICAO, é referente ao Sistema de Busca e Salvamento Aeronáutico. O objetivo é atender aos chamados SAR com o menor tempo possível entre o acionamento do Centro de Coordenação de Salvamento e a decolagem da primeira aeronave de busca. O sistema é composto por órgãos e elos que trabalham conjuntamente, podendo atender de forma quase imediata aos pedidos de socorro, busca e salvamento, no continente ou no mar, e a interceptação e escolta de aeronaves e embarcações em emergência.

Por Edmundo Ubiratan
Publicado em 16/05/2015, às 00h00


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