AERO Magazine
Busca

Risco no ar

Raios laser que ganharam fama nos estádios de futebol agora ameaçam a segurança de voo ao serem usados para alvejar aviões e helicópteros durante o pouso


O laser, abreviação em inglês para "amplificação da luz por emissão estimulada de radiação", foi pensado em estudos científicos no início do século passado, mas foi só nos anos 1950 que começou a tomar forma. No princípio, tinha seu uso destinado a pesquisas em universidades e tornou-se útil em meios industriais e médicos. Nos anos 80, se popularizou, principalmente com os megaespetáculos musicais (e visuais) do tecladista francês Jean Michel Jarre e da banda inglesa Pink Floyd. Nos anos 90, os apontadores lasers viraram febre nas palestras e aulas em faculdades, nas quais se exigia o uso de apresentações de slides em telões. De uns anos para cá, porém, o laser ganhou uma função bem menos nobre, por assim dizer. Virou brincadeira de gosto um tanto duvidoso. Primeiro surgiram os pontos verdes iluminando prédios, casas e placas de trânsito. Depois, vieram as luzes ofuscando a vista principalmente de goleiros nos estádios de futebol. Agora, a moda é, pasmem!, alvejar aviões e helicópteros em voo, sobretudo durante o procedimento para o pouso.

Uma situação tão insólita quanto perigosa. E o que os inconsequentes parecem não se dar conta é que a brincadeira pode ter um desfecho trágico, colocando em risco a segurança do voo e a vida de pessoas a bordo e no solo. "Ser alvejado pelo laser é terrível, desvia nossa atenção do voo. A visão fica ofuscada por alguns segundos, justamente aqueles segundos em que você não pode se desconcentrar", relata Rodrigo Duarte, presidente da Abraphe (Associação Brasileira de Pilotos de Helicópteros). Ele afirma ser alvo quase que diariamente dos raios laser ao sobrevoar a "feira da madrugada", no Brás, bairro tradicional da capital paulista. "Em diversos pontos da Zona Leste de São Paulo e nos municípios de Osasco e Barueri também há inúmeros ataques de lasers".

A luz que sai dos apontadores é uma pequena bomba atômica, de forma concentrada em um único feixe, na definição do oftalmologista Milton Ruiz, professor livre-docente da Universidade de São Paulo. "Se essa luz atinge os olhos de alguém, há risco de destruição de células. A visão pode ficar borrada, deformada, ou com perda da qualidade de contraste", informa o médico. No caso dos pilotos, a situação é ainda mais grave. Segundo o professor da USP, o laser, ao pegá-los de surpresa, pode causar um fenômeno conhecido como deslumbramento. "É como dirigir por uma estrada escura à noite e, de repente, cruzar com um carro com o farol alto trafegando no sentido contrário. Você perde a concentração e a capacidade de focar a pista". O deslumbramento ocorre quando a iluminação que vem de frente é pelo menos três vezes superior àquela do ambiente. E é justamente esse o cenário que pilotos enfrentam nos pousos noturnos: uma penumbra quebrada apenas pela iluminação vinda do painel de instrumentos. Assim, se repentinamente uma luz verde forte invade a cabine, os segundos de desconcentração podem ser fatais.

Adelson Corigliano
Simulação de ataque com luz verde mostra a potência dos apontadores lasers
Crime e castigo

A Infraero, empresa que administra parte dos aeroportos brasileiros, esclarece que a brincadeira é caso de polícia, pois está prevista no artigo 261 do Código Penal, que discorre sobre atos que exponham embarcações ou aeronaves a perigo ou causem dificuldade ou impedimentos à navegação marítima, aérea ou fluvial. A pena de reclusão para os infratores é de dois a cinco anos. Em caso de a brincadeira virar tragédia, a punição vai de quatro a 12 anos. Ainda de acordo com a Infraero, foram 282 ocorrências de lasers em 2010 nos aeroportos administrados por ela (veja o quadro). Esse número só não é maior porque boa parte dos pilotos não relata o ocorrido aos órgãos competentes.

Thiago Sabino, comandante de Embraer E-145 da Passaredo, tem travado uma verdadeira batalha contra a brincadeira de mau gosto em fóruns especializados em aviação, incentivando os colegas a denunciar. "Em Ribeirão Preto (SP), base da Passaredo, os lasers são muito comuns. De tanto relatarmos à torre, o helicóptero Águia, da Polícia Militar, apoiou uma viatura e os policiais conseguiram identificar o infrator, que era menor, e acabou só por tomar uma bronca". Para Sabino, a atitude da polícia deveria ocorrer em todos os aeroportos que contam com helicópteros policiais. "Não só as autoridades aeroportuárias, mas as policiais também deveriam dar atenção a esse assunto, que está se alastrando pelo país". O piloto relata que costuma ser alvejado com frequência também em Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO) e Guarulhos (SP), além de Ribeirão Preto. Já os pilotos de helicópteros, por voarem mais baixos, são alvos mais frequentes. "Num voo entre Ribeirão Preto e São Paulo, contei seis ataques em diversos pontos", denuncia Rodrigo Duarte, da Abraphe.

Nos fóruns de aviação, as discussões são acaloradas, com relatos de casos em aeroportos de todo o país. O levantamento das ocorrências começou a ser feito pela Infraero apenas em 2010. O trabalho tem a meta de mapear os casos para planejar ações e prevenir os ataques, o que inclui notificar autoridades, como o Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), as polícias Federal, Civil e Militar, e governos estaduais e municipais. A Infraero afirma que tem incentivado os órgãos de navegação aérea, locais e regionais, a realizar encontros com autoridades políticas e membros de comunidade para a conscientização da gravidade do problema.

Espadas Jedi

Há uma diversidade enorme de aparelhos de laser à venda na internet. Os apontadores na cor vermelha, usados em apresentações e aulas, são os mais comuns. Mas há fabricantes que produzem versões mais potentes, principalmente na cor verde - a mais utilizada nos ataques a aeronaves. O curioso é que esse tipo de equipamento parece não ter outra utilidade senão o entretenimento. Após uma rápida navegada pelo site de uma empresa norte-americana, é fácil encontrar desde os modelos mais fracos, de 5 mW, até o mais potente, de 1 W. Este modelo, chamado Krypton (em alusão à principal fraqueza de Superman, a kryptonita, um mineral espacial verde), é orgulhosamente apresentado como o laser mais potente do mundo. Segundo o fabricante, ele é oito mil vezes mais brilhante do que o sol e pode ser visto do espaço. O aparelho, aliás, almeja um lugar no Livro dos Recordes. Custa US$ 300,00 nos Estados Unidos e, ao ser ligado, mais se parece um sabre de luz, como os usados pelos Jedi na saga Guerra nas Estrelas. Vem com óculos protetores e avisos de segurança do tipo "não aponte para pessoas e animais", "não aponte para os olhos" e "não aponte para aviões". Parece ironia, mas não é.

Rodrigo Cozzato
Publicado em 13/10/2011, às 13h36 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


Mais Pilotagem