AERO Magazine
Busca

Próxima parada, o front

Com dois rotores em tandem e capacidade tanto para içar toneladas de carga como transportar dezenas de soldados, o helicóptero Boeing CH-47 Chinook se mantém ativo depois de mais de meio século de operações


Criado pela Vertol, a partir de um requerimento do exército norte-americano de 1956 para um helicóptero de transporte médio, o CH-47 Chinook nasceu maior e com alcance e capacidade de carga superiores aos do Vertol série H-46 Sea Knight, modelo derivado do mesmo pedido que seria empregado pela Marinha e pelo Corpo de Fuzileiros Navais. A Vertol era também fabricante do antecessor de ambos, o desajeitado H-21 Workhorse/Shawnee.

Baseada nas experiências americana e francesa nos conflitos da Coreia e da Argélia, respectivamente, esta aeronave formaria o núcleo do aerotransporte de tropas ocidentais em campos de batalha - junto com o Bell Iroquois "Huey" e o Aérospatiale/ Westland Puma. Um conceito militar que segue válido mais de meio século depois e que tem nas gerações modernizadas do Chinook um de seus pilares. Testado em combate desde o Vietnã até a intervenção no Afeganistão, este birrotor biturbina segue em ação sem data definitiva para saída de serviço.

Em 1960, a Boeing adquiriu a Vertol, assumindo o controle do projeto, colocando em produção o Chinook e seu irmão menor, o Sea Knight. O modelo de pré-produção decolou pela primeira vez em 21 de setembro de 1961, sob a designação do exército de YHC-1B. Em agosto de 1962 o modelo se transforma no CH-47A de série, o helicóptero médio padrão do exército americano às vésperas da ampliação da presença militar no Vietnã. Como é tradição nos helicópteros dos EUA, o CH-47 foi batizado com o nome de uma tribo indígena, Chinook, a exemplo dos Bell Kiowa, Iroquois e Sioux, Hughes Cayuse e Apache e o cancelado Boeing-Sikorsky Comanche.

A exemplo do Workhorse/ Shawnee e do Sea Knight, o Chinook ganhou rotores duplos instalados em "torres" ao longo da fuselagem girando em sentidos opostos para anular o torque. As "torres" foram "interligadas" por uma ampla cabine desobstruída de 9,2 metros de comprimento, 1,98 metro de altura e 2,29 metros de largura média. Na prática, um grande ônibus voador capaz de levar 44 soldados que podem desembarcar ou saltar de paraquedas em segundos através de uma porta-rampa na traseira. Acessível por uma porta lateral à direita, a cabine ganhou controles duplos e um terceiro assento extra. A tripulação usual é de três ocupantes (piloto, copiloto e operador de carga), mas as novas versões podem contar quatro ou até cinco integrantes. O piso estanque foi construído para suportar eventuais pousos na água, o que se mostrou útil em um momento crucial (leia mais em veja também).

De início, o empuxo vinha de duas turbinas Avco-Lycoming T55-L-5 com 2.200 hp cada. Na versão mais recente, as turbinas Honeywell 55-GA-714 A do CH-47F atingem 4.733 shp cada. Um sistema de engrenagens permite que só um motor cuide do acionamento sincronizado de ambos os rotores. Para manter a compartimento de carga desimpedido, o combustível foi colocado em tanques nas laterais externas da fuselagem. O Chinook recebeu um gancho para cargas externas capaz de içar até nove toneladas por curtas distâncias. Essa capacidade foi ampliada ao longo dos anos.

HERÓI SOBREVIVENTE

Bravo November recebeu quatro medalhas em três guerras

São raras as aeronaves de série que adquirem fama individual. A mais famosa é o Enola Gay, o bombardeiro B-29 Superfortress que lançou a bomba atômica em Hiroshima. Longe de ser tão conhecida, a história do Chinook britânico de matrícula ZA718 merece ser contada. Conhecido como Bravo November, em 35 anos de vida operacional este CH-47 esteve em três guerras: Falklands/Malvinas (1982), Iraque (2003) e Afeganistão (2006-2010), além de desdobramentos operacionais no Líbano, Alemanha, Irlanda do Norte e Curdistão. Submetido a fogo inimigo, em quatro ocasiões seus pilotos receberam a Distinguished Flying Cross (DFC), prestigiosa condecoração da RAF, a Real Força Aérea britânica. Feitos que renderam ao hoje lendário aparelho um lugar de honra no Museu da RAF, em Londres. Para os militares, este Chinook se tornou The Survivor, já o jornal Daily Mail o apelidou de Herocopter.

A fama do ZA718 nasceu na Guerra das Falklands/ Malvinas, entre Reino Unido e Argentina. Integrante do primeiro lote de 30 Chinnok adquiridos em 1978, na versão HC1 - similar aos CH-47C norte-americanos -, em abril de 1982, com a identificação Bravo November na fuselagem, foi embarcado para o sul do Atlântico com outros quatro aparelhos no cargueiro porta-contêineres Atlantic Conveyor. Em 25 de maio, quando o navio foi afundado por mísseis Exocet lançados por caças Super Étendard da marinha argentina, o Bravo November estava no ar carregando suprimentos. Realocado para o porta-aviões Hermes, se tornou o único Chinook britânico disponível. Mesmo sem manutenção, até a rendição argentina, em 14 de junho, voou 109 horas, transportando 1.500 soldados, 95 feridos, 650 prisioneiros e 550 toneladas de carga.

Os primeiros tripulantes a ganhar a DFC foram o squadron leader (equivalente a major, na FAB) Dick Langworthy e o flight lieutenant (capitão) Andy Lawless. No voo noturno que transportava os oficiais que negociariam a rendição argentina, uma forte nevasca obrigou uma redução de velocidade e altitude. Um defeito no altímetro fez com que o Bravo November atingisse o mar a 100 nós (185 km/h). Com os motores afetados pela água do mar, Langworthy conseguiu voltar ao ar e completar a missão mesmo com a porta do copiloto arrancada.

O segundo grande momento do Bravo November surge em março de 2003, na segunda Guerra do Golfo. Decolando do porta-aviões Ark Royal, foi a primeira aeronave britânica a desembarcar fuzileiros reais na península Al-Faw para a tomada de instalações petrolíferas. O squadron leader Steve Carr conduziu o aparelho a 30 metros do solo com o sistema de visão noturna prejudicado pelas nuvens de poeira erguidas pelos tanques americanos e sob risco de ser vítima de fogo amigo.

O aparelho volta ao centro da ação na noite de 11 de junho de 2006, na província de Helmand, no Afeganistão. O flight lieutenant Craig Wilson, após completar duas missões arriscadas, voando a 45 metros do solo, se voluntariou para levar reforços ao front e retornar com dois feridos. As 24 horas de ação ininterrupta renderam a Wilson uma condecoração por "coragem excepcional e extraordinária habilidade em voo". A quarta DFC vem em 2010, também no Afeganistão, quando o flight lieutenant Ian Fortune é atingido no capacete por um disparo durante o resgate de uma patrulha emboscada por talibãs. Com a aeronave alvejada diversas vezes, Fortune teve seu óculos de visão noturna e sua viseira inutilizados. Mesmo assim, manteve o controle do aparelho, resgatando seis soldados feridos.

Para quem espera ver o célebre helicóptero no Museu da RAF, vai um alerta: a parte dianteira da fuselagem em exposição é a de um Chinook americano pintado para representar seu congênere britânico. O Bravo November ZA718 continua em serviço.

SUDESTE ASIÁTICO

No Vietnã, o Chinook se transformou rapidamente em uma peça fundamental de logística em um conflito que se desenrolava em selvas densas, com bases isoladas e muitas vezes cercadas por forças hostis. O exército fecha sucessivos contratos com o fabricante. Quando a 1ª Divisão de Cavalaria foi deslocada para o Vietnã, em 1965, levou o Chinook como helicóptero orgânico. No ano seguinte, a produção atinge 161 unidades entregues. Dedicado mais à logística pesada do que ao deslocamento de tropas, entre suas missões estava o transporte e reabastecimento de baterias de artilharia instaladas em montanhas só acessíveis pelo ar. Outras de suas aptidões era a remoção de aeronaves danificadas (avaliadas em U$ 3 bilhões de dólares) e evacuação de feridos. Logo foi descoberto que o limite de carga acima de 2.000 m de altitude era de "apenas" 3,2 toneladas. Sobrava espaço no porão de carga e surgiu a necessidade de versões mais potentes.

Tripulação de um moderno CH-47F treina a arriscada manobra do pináculo, quando apenas as rodas traseiras tocam o solo, deixando a porção dianteira estável sobre um abismo para que tropas possam desembarcar em área de pouso impossível

Em maio de 1967 foram entregues os primeiros CH-47B, com melhorias nos motores e nas pás dos rotores. Em outubro, voou o CH-47C, a primeira versão "definitiva" do Chinook, capaz de erguer 6,8 toneladas nos ganchos externos a 55 km de distância, 1.200 m de altitude em temperaturas acima de 30oC. A última entrega dessa série ocorre em meados dos anos 80. A importância do Chinook era tamanha que, em 1972, quando começou a retirada das tropas norte-americanas do Vietnã, 550 dos 684 aparelhos construídos estavam no Sudeste Asiático. Entre 170 e 200 foram perdidos no conflito. Na evacuação de Saigon, um recorde. Em um único voo foram transportados 147 refugiados até um porta-aviões norte-americano. Ao final, alguns exemplares usados pelos sul-vietnamitas acabaram incorporados ao Vietnã comunista reunificado.

SÉCULO 21

O CH-47D entrou em operação em 1979. Essa versão, então considerada definitiva, é capaz de erguer até 12 toneladas, o que permite carregar externamente tratores, caminhões e contêineres. Quase todos os modelos A, B e C em operação nos EUA foram convertidos (total de 472) para essa versão, que ao longo dos anos ganhou nova aviônica e GPS. O último D foi entregue em 2002. A terceira versão "definitiva" é o CH-47F, que voou pela primeira vez em 23 de outubro de 2006 e deve se manter em operação no exército dos EUA e seus aliados até depois de 2030. Com motores de 4.868 shp e capaz de desenvolver 282 km/h com uma carga interna de 9,5 toneladas, o novo Chinook tem a cabine equipada com CAAS (Common Avionics Architecture System), da Rockwell, e DAFCS (Digital Advanced Flight Control System), da BAE Systems. Para as forças especiais da USAF foi desenvolvido o MH-47D, no início da década de 1980, com capacidade de reabastecimento em voo e sistema de rapel fast-rope. A experiência é bem-sucedida, o que gerou o MH-47E, também para as forças especiais. Esse modelo, que teve seu protótipo concluído em 1991, é uma conversão a partir do modelo E, que conta com as melhorias do MH-47D, além de um radar de acompanhamento de terreno. O MH-47G é uma atualização para forças especiais de todas as versões com prefixo M, contando com aviônica ainda mais sofisticada e glass cockpit. Se o cronograma for cumprido, todos os MH-47D e F devem ser convertidos para o padrão G até 2015 e entregues para o Comando de Operações Especiais.


Um CH-47 da Guarda National de Nevada demonstra sua capacidade carregando um F-15A entre as bases de Nellis e Creech, em uma viagem de 45 minutos a 70 milhas por hora

EXPORTAÇÕES

Com um histórico operacional de sucesso, o interesse de outras forças pelo Chinook surgiu logo de início. O primeiro comprador foi a Austrália, que em 1973 adquiriu 12 aparelhos para operar nas selvas montanhosas da Papua Nova-Guiné. No mesmo ano, a Espanha também adquiriu seus primeiros seis aparelhos, seguida por Itália (26) e Irã (20), estes últimos construídos pela Elicotteri Meridionalli e SIAI-Marchetti. Em seguida vieram Canadá, Reino Unido (HC2, uma versão do CH-47D, e depois HC3, versão "baixo custo" para forças especiais do MH-47E), Japão (CH-47J, similar ao CH-47D), Espanha e Holanda (que ficaram com os modelos D), além de uma série de outros países, quase todos com especificações próprias. A Argentina encomendou 35 adaptados para operações na Antártida (só três foram entregues). Com quase 1.200 exemplares construídos, o Chinook também encontrou usuários civis. Lançado em novembro de 1978, o 234LR foi adquirido pela British Airways para operações de transporte de passageiros e cargas em operações offshore. Outras versões foram adquiridas por operadores civis nos EUA e China.


Desembarque de tropas durante em Brassfield- Mora, Iraque, em março de 2006. Nas laterais da fuselagem foram instalados lançadores de flares para despistar mísseis guiados por calor

Nos últimos meses, o modelo esteve nas manchetes em duas ocasiões. Em abril, um CH- 47 atraiu olhares ao içar pelos ares a fuselagem de um Gloster Meteor, jato clássico dos anos 50. A Boeing também divulgou imagens dos primeiros testes de voo dos novos Mk6 (versão do CH-47F) britânicos. Até o final do ano devem ser entregues 14 novos aparelhos para a Real Força Aérea (RAF). Em junho, o US Army e a Boeing anunciaram um novo contrato de US$ 4 bilhões para a aquisição de mais 177 CH-47F. O fabricante não para de investir no Chinook, tentando expandir seu pacote de voo com a instalação do APAS (Active Parallel Actuator Subsystem), da BAE Systems, que dará alguns benefícios de controle fly-by-wire, sem o custo de uma recertificação. Os testes de voo com os novos aviônicos devem começar em 2015 e sua produção, em 2018. Nada mau para um aparelho que acionou seus rotores pela primeira vez há 52 anos.

BOEING CH-47 CHINOOK

Fabricantes: Boeing e, originalmente, Vertol. Sob licença, Elicotteri Meridionalli (hoje AgustaWestland) e Kawasaki
Tipo: helicóptero médio de transporte, biturbina com rotores em tandem
Tripulação: três ou quatro (piloto, copiloto e um ou dois operadores de carga e/ou artilheiros)
Histórico: primeiro voo em 21 de setembro de 1961, YCH-47-A; entrada em serviço, 1962, CH47-A; 14/10/1967, CH-47C; 11/05/1979, CH-47D
Produção: mais de 1.200 exemplares de diferentes séries e modelos
Comprimento: fuselagem 15,54 m (CH-47C); 15,9 m (CH-47F); com rotores girando, 30,18 m (CH-47F)
Largura da fuselagem: 3,78 m (CH-47F)
Altura: 5,68 m (HC2); 5,77m (CH-47F)
Diâmetro do rotor: 18,29 m (HC2 e CH-47F)
Área dos discos dos rotores: total de 260 m² (CH-47F)
Motores: duas turbinas Avco-Lycoming T55-L-5 com 2.200 hp cada ou T-55-L-7 de 2.650 hp cada (CH-47A); duas Avco-Lycoming T55-L-712 com 3.750 hp cada (CH-47D); duas Honeywell 55-GA-714 A com 4.733 shp cada (CH-47F)
Combustível: 3.914 l (CH-47F)
Peso: vazio, 9.351 kg (CH-47D); vazio, 10.814 kg (HC2); vazio, 10.185 kg; bruto máximo, 22.668 kg (CH-47F)
Armamento: usualmente nenhum. Pode receber até duas metralhadoras M134 miniguns (canos giratórios, de 7,65 mm) e uma M60 (7,65 mm)

DESEMPENHO

Capacidade: 35 a 55 soldados equipados ou 24 macas para evacuação médica e três enfermeiros (em todas as versões). Há uma versão para transporte civil offshore
Carga útil: máxima externa, 12.700 kg (HC1); máxima interna, 8.164 kg (HC2), 10.886 kg (CH-47F)
Velocidade: máxima 304 km/h (CH-47D); máxima 295 km/h (HC2); máxima 315 km/h; cruzeiro 240 km/h (CH-47F); cruzeiro 270 km/h (HC2)
Alcance: máximo 741 km; raio de missão 370 km (CH-47F); raio de missão 55 km, com combustível interno, externo, carga de até 20.000 kg incluindo combustível e tripulantes (HC2)
Teto de serviço: 4.570 m (CH-47C); 4.270 m (HC2); 5.640 m (CH-47F)
Razão de subida: inicial 878 m/min (CH-47D); média 473 m/min (CH-47F)
Usuários: Arábia Saudita, Austrália, Canadá, China (uso civil); Coreia do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Estados Unidos (Força Aérea, Exército e Fuzileiros Navais), Grécia, Índia, Itália, Holanda, Japão, Marrocos, Noruega, Omã, Reino Unido, Singapura, Tailândia, Taiwan e Turquia; fora de uso: Argentina e Vietnã; sem informações: Irã, Líbia e Síria.

André Vargas
Publicado em 11/07/2013, às 08h14 - Atualizado em 11/11/2014, às 11h34


Mais História