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O futuro da carreira de piloto

Demissões em massa, fusões, remanejamentos de linhas, mudanças na regulamentação... Diante da nova realidade, quais as opções de quem busca recolocação ou almeja um dia comandar uma aeronave?


Ninguém sabe exatamente de onde surgem, mas os boatos, assim como as lendas urbanas, criam expectativa ou desconforto sempre que aparecem. Será que vão faltar pilotos no Brasil? Dizem que esse questionamento teve origem dentro de algum grupo interessado em trazer pilotos estrangeiros, mas o fato é que a imprensa noticiou largamente essa tendência e escolas e aeroclubes ficaram lotados de aspirantes a aviadores atraídos pela possibilidade de receberem um bom salário depois de formados. Os sindicatos, e o mercado em geral, também contribuíram para esse quadro ao pressionarem os empregadores por remunerações mais altas diante da alardeada escassez de pilotos. A verdadeira situação não é bem essa e o recente fechamento de uma empresa aérea traz à luz uma realidade que muitos preferiam que não fosse essa.

Embora alguns funcionários garantissem que já havia sinais de que algo ruim aconteceria em breve, a notícia de que a Webjet teve suas atividades encerradas repentinamente pegou muita gente de surpresa. A extinção de uma companhia aérea nunca é um bom sinal, seja para avaliar a economia do país e a forma responsável ou não como são geridas a saúde e a própria sobrevivência de suas empresas, seja para avaliar o mercado da aviação em si.

RUMO AO ORIENTE
Conversei com o comandante Mauro Hart. Ele é um dos que estava percebendo que o clima na empresa não parecia muito saudável e, menos de uma semana depois do encerramento das operações da Webjet, embarcou para o Oriente Médio e Ásia para tentar a sorte em alguma empresa de lá. As companhias aéreas asiáticas, em plena expansão, estão atraindo profissionais de mercados como o europeu e o brasileiro. Sim, brasileiro. Com as recentes demissões, estima-se que haja pelo menos 500 comandantes e copilotos que estiveram empregados numa empresa aérea e agora estão atrás de uma recolocação. Dificilmente você irá ouvir que alguém perdeu seu posto de trabalho na hora certa, mas parece que o momento de encerramento das operações da Webjet não poderia ser pior.

Hart, que passa pela segunda vez pela mesma experiência, já que também voou na Varig, estima que, dificilmente, aparecerá alguma oportunidade, no curto ou no médio prazo, para se recolocar no Brasil. Por esse motivo, desde o meio do ano, está fazendo seus contatos para buscar alguma oportunidade no exterior. Ele avalia que um piloto vai levar alguns meses até conseguir passar por uma seleção e finalmente voltar a voar, mas ainda há alguns obstáculos. Um candidato a uma vaga no cockpit de uma empresa asiática deverá ter boa fluência na língua inglesa, habilitação da aeronave válida e idade normalmente inferior aos 50 anos. Dificilmente será contratado um piloto cuja experiência de voo seja inferior a 3.000 horas na aeronave que pretenda voar. No final, vai ter de concorrer com pilotos do mundo todo pela vaga. Não é uma situação de fácil gerenciamento, especialmente se levarmos em conta que esse piloto vai passar longos períodos longe de casa. O salário? Claro, compensa! Especialmente se o piloto estiver sem emprego e uma boa quantidade de contas para pagar. Os salários na Ásia – mesmo aceitando pilotos estrangeiros, é preciso registrar – costumam girar em torno de 50% acima do que as empresas pagam por aqui.

BOA FORMAÇÃO
Há cerca de um ano, AERO Magazine publicou uma matéria em que explicávamos que o problema do Brasil não era a falta de pilotos, mas, sim, a falta de pilotos bem formados. Sempre tivemos um bom número de pilotos sendo formados. A situação se deteriorou um pouco. Atualmente, não basta ser piloto bem formado com larga experiência. Simplesmente não há vagas para tantos candidatos. Com as fusões, remanejamentos e novos planejamentos de linhas, as empresas que estão operando no Brasil dificilmente terão capacidade de absorver todos os profissionais que estão disponíveis no mercado. Mas dentre as regras que ditam a vida dos pessimistas ainda tem uma que diz que nada é tão ruim que não possa ser piorado.

Dois fatores ainda poderão atrapalhar bastante as pretensões dos candidatos a voltar a voar. O primeiro deles é o novo RBAC61, que entrou em vigor em junho de 2012. Esse Regulamento Brasileiro de Aviação Civil determina que o piloto que não revalidar suas habilitações num período de seis meses após o vencimento deverá cumprir os requisitos teóricos, de instrução de voo e proficiência para concessão de habilitação, ou seja, vai começar do zero, como se nunca tivesse voado um avião menor antes. Isso é especialmente desanimador para o caso de um piloto que tenha pretensões, por exemplo, de voltar a voar uma aeronave pequena que tenha operado no início da carreira. Esse piloto, além de desembolsar recursos que podem estar seriamente comprometidos, terá que concorrer com algumas centenas de recém-formados que também estão procurando uma cabine para iniciar a vida profissional como aviador. O segundo fator que pode minar as pretensões a voltar a uma cabine de comando é exatamente o número de novos pilotos habilitados. Conseguir uma vaga no cada vez mais concorrido mercado da aviação está difícil.

NOVAS LICENÇAS
Se houve algum movimento para tentar convencer a sociedade de que havia falta de pilotos no Brasil, certamente a imprensa em geral contribuiu muito e o resultado foi tanto cruel quanto positivo. A tabela acima mostra com bastante clareza a reação do mercado à informação de que faltariam pilotos. Os dados que apresentam um crescimento fora do comum coincidem com o início da divulgação de que a falta de pilotos poderia travar o crescimento do país e da aviação. As informações dizem respeito aos números de licenças de Piloto Comercial expedidas, que é a que permite a entrada do piloto no mercado.

Se não houver algum novo e surpreendente fator que mude o cenário atual, a realidade é que a maioria absoluta dos pilotos que investiu algo que certamente ultrapassa a marca dos 100 mil reais para chegar à tão sonhada licença de Piloto Comercial vai ter que competir com um mercado já saturado de pilotos com bastante experiência. Independente do fim das operações da Webjet, o crescimento do número de novos Pilotos Comerciais já estaria incompatível com o mercado.

O prejuízo de quem apostou na carreira de piloto certamente vai ser bastante considerável e não há retorno previsto num curto espaço de tempo. Quem paga essa conta? O lado positivo é que os melhores sempre terão espaço e, com dedicação e uma formação cada vez mais qualificada, elevarão o nível da aviação no Brasil. Por isso, não se engane, quem quiser seguir a carreira de piloto terá de buscar obstinadamente o nível ótimo de proficiência para disputar um mercado cada vez mais competitivo, aqui e lá fora.

Ruy Flemming
Publicado em 13/12/2012, às 11h53 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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