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A nova geração de Dirigíveis

Empresa do interior de São Paulo promete recolocar os mais leves que o ar nos céus brasileiros em missões variadas


Durante quase duas décadas, os dirigíveis da Goodyear sobrevoaram os céus brasileiros. Era impossível não olhar para cima ao escutar o zumbido dos silenciosos motores ou notar a presença da enorme aeronave amarela e azul. Em meados da década de 2000, após a despedida do Ventura, o último dirigível daquela família a operar no país, a atividade com os mais leves que o ar ficaram restritas aos voos de balão de ar quente, em propagandas, competições ou passeios. Mas esse cenário promete mudar.

Com hangar recém-inaugurado em São Carlos, no interior de São Paulo, a empresa Airship do Brasil, fundada em 2005, especializada em soluções utilizando aeronaves mais leves que o ar, promete recolocar os dirigíveis na paisagem aérea do país. Com origem na década de 1990, partindo de um projeto que envolveu o exército brasileiro na busca de soluções logísticas para a operação na Amazônia, o programa da ADB logo atraiu a atenção de empresas públicas e privadas interessadas em utilizar os dirigíveis em sua malha de transporte.

Três tipos

Desde então, a Airship atua no desenvolvimento, fabricação e operação de produtos mais leves que o ar, basicamente três tipos. Os aeróstatos são balões fusiformes não tripulados, ancorados a um mastro por meio de um cabo que permite a alimentação elétrica dos equipamentos embarcados, e utilizados em operações de monitoramento e vigilância que demandem longos períodos de permanência em voo. Já os balões guindastes são veículos esféricos cativos e não tripulados, utilizados para içar e mover grandes cargas e equipamentos a distâncias relativamente curtas, como em obras em usinas, refinarias, entre outras. Enfim, há o principal produto da empresa, os dirigíveis, de carga, passageiros e outras aplicações, tripulados e autopropulsados.

Um dos modelos mais promissores entre os dirigíveis da marca é o ADB-3-30. Trata-se de ma aeronave com 135 metros de comprimento, capaz de viajar a velocidade de 80 km/h e carregar até 30 toneladas de carga, e que deve ser utilizado em serviços de construção, manutenção e inspeção de linhas de transmissão elétrica.

A Airship conta com o auxílio de várias instituições de pesquisa, como a Universidade de São Paulo (USP) de São Carlos, a Universidade de Brasília e o Parque Tecnológico de Itaipú, além de vários fornecedores privados. A empresa atua em paralelo com Anac e Decea no sentido de organizar os regulamentos ainda inexistentes no Brasil para certificar a construção e a operação destas aeronaves.

Na Amazônia

O projeto do ADB-3-30 já desperta interesse de empresas de geração e distribuição de energia, principalmente na Amazônia, que devem iniciar a construção das linhas de transmissão das novas usinas hidrelétricas em implantação na região Norte. Segundo a empresa, surgem novas aplicações para a tecnologia do mais leve que o ar a cada conversa. Para seus idealizadores, o dirigível pode ser uma solução economicamente viável e de baixíssimo impacto ambiental na complementação e ampliação da rede viária nacional, nos diversos modais de transporte, além de servir como excelentes plataformas de levantamento de dados para a segurança pública e vigilância de fronteiras, a custos significativamente menores dos que os meios atuais.

Os empreendedores ainda vislumbram possibilidades de uso por entidades de defesa civil em auxílio a comunidades de difícil acesso, ou em caso de socorro a calamidades. Espera-se entregar nos próximos anos cerca de 50 dirigíveis de carga para empresas de transporte e até 100 aeróstatos para utilização pelas Forças Armadas.

A história

Uma aeronave que nasceu antes dos primeiros aviões

Embora tenha sido a primeira aeronave capaz de ser controlada em voo autopropulsado (feito executado em 1884, por Charles Renard e Arthur Constantin Krebs, no dirigível do Exército Francês La France), e utilizado posteriormente como plataforma de observação e veículos dos bombardeiros na Primeira Guerra Mundial, além de se revelar bem-sucedido para publicidade e transporte de passageiros e carga nas primeiras décadas do século 20, o dirigível enfrentou um declínio inevitável a partir do rápido desenvolvimento das aeronaves mais pesadas que o ar, mesmo carregando mais passageiros com mais conforto.

Acidentes trágicos, como o LZ-129 Hindenburg, em maio de 1937, que se incendiou no procedimento de ancoragem, em Lakehurst, New Jersey, EUA, deixando 36 mortos, encerraram a era de ouro dos dirigíveis, iniciada em 1900 com os Zeppelins (a marca que se tornou sinônimo de dirigível até hoje) construídos na Alemanha e também com Santos-Dumont, que antes de se dedicar às pesquisas com aviões, chegou a desenvolver 18 projetos de aeronaves mais leves que o ar. O brasileiro chegou a construir o primeiro dirigível controlável na prática, e seus projetos foram inspiração para muitos outros construtores que vieram depois. No início da década de 1940, a arcaica tecnologia de materiais e propulsão, além do uso de hidrogênio como gás sustentador – altamente inflamável –, não ofereciam a segurança e a rapidez com que já se podia contar em uma aeronave mais pesada que o ar.

Por volta de 1960, com novos materiais e motores, mais leves e potentes, e com a importante substituição do hidrogênio pelo gás hélio – até então restrito nos EUA –, muitos projetos foram retomados, principalmente em ações nas quais a possibilidade de se pairar em uma pequena área por maior tempo era mais importante do que manobrabilidade e velocidade, como turismo, pesquisas e observação aérea. Desde então, várias empresas e órgãos governamentais trabalham em projetos de aeronaves mais leves que o ar, utilizando novas tecnologias em materiais, além de reservatórios internos de gás, infláveis.

O grande avanço nas ferramentas computacionais para modelagem estrutural e aerodinâmica fez com que o projeto se tornasse altamente dimensionado, com consequente redução de peso e aumento da carga paga da aeronave. Sistemas de controle com motores vetorados (nos quais o empuxo é direcionado de acordo com a manobra a ser executada) permitiram que as manobras em voo, na navegação e em missões ganhassem precisão.

O uso do hélio como gás sustentador, mesmo sendo aproximadamente 9% menos eficiente do que o hidrogênio e relativamente escasso (é retirado por fracionamento de gás natural), tornou-se a alternativa mais viável e segura para a sustentação dos dirigíveis, já que não é inflamável nem poluente. Outras oportunidades de utilização dos dirigíveis vêm sendo estudadas a partir de necessidades de transporte de carga e missões aéreas em regiões de difícil acesso por terra, escassas malhas viárias, obstáculos terrestres cuja transposição tenha alto custo e elevado impacto ambiental, incentivando empresas como a Lockheed Martin nos EUA e a Zeppelin NT (New Technology), na Alemanha, fundada em 1993 e que atualmente produz os dirigíveis da Goodyear.

Por Maurício Lanza, de São Carlos
Publicado em 24/04/2015, às 00h00


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