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Learjet, sinônimo de jato executivo

O puro-sangue da Bombardier completa 50 anos de operações em 2013 sem perder a vitalidade de um avião nascido para ser rápido e voar alto



 fotos Divulgação

Lustroso, elegante e anos à frente de seu tempo, o jato acelerou na decolagem mais rápido do que qualquer avião civil ou militar que os pilotos daquele teste um dia voaram. Tudo funcionou impecavelmente e, durante o primeiro pouso do N801L, dezenas de pessoas correram para apreciá-lo, e saudá-lo. Naquela tarde de 7 de outubro de 1963, quando o protótipo número 1 do Learjet decolou do aeroporto municipal de Wichita, Kansas, para seu voo inaugural, o norte-americano William Powell Lear, piloto desde 1922, viu realizado o sonho de criar um avião mais adequado ao mercado executivo do que os demais usados na época. "Bill", como era chamado, tinha 61 anos de idade quando desenvolveu aquele que seria um dos mais famosos jatos executivos de todos os tempos. Era o seu primeiro projeto. Engenheiro eletrônico autodidata, ele fundou a Lear Developments, companhia especializada em instrumentos aeronáuticos e eletrônicos, e desenvolveu os primeiros ADF (automatic direction finder), pilotos automáticos e rádios portáteis para aviação.

As aeronaves executivas da década de 1950 eram principalmente aviões militares adaptados. Para Bill Lear, não passavam de barcaças grandes, lentas e caras. Ele queria velocidade comparável à de um avião a jato de companhia aérea. Foi quando conheceu por meio de seu filho o P-16, um bombardeiro suíço que nunca entrou em produção. O que mais lhe chamou a atenção naquela aeronave militar foi o projeto de asa. Incontinente, Bill mudou- se para a Suíça em 1955, criou a empresa Swiss American Aviation Corporation (Saac), contratou Hans-Luzius Studer, designer do P-16, e seu time, e integrou- os a uma equipe de engenheiros americanos. Na época, ninguém acreditava que houvesse um mercado considerável para jatos executivos - nem mesmo o conselho do fabricante de aviônicos Lear, Inc., se mostrou interessado em financiar o protótipo. Bill, então, renunciou como presidente, vendeu sua participação na empresa e decidiu investir sozinho.

PORTA E PARA-BRISA
Na Suíça, o desenho foi lentamente tomando forma e o avião já tinha até nome, Saac 23 Execujet. No entanto, os estilos de trabalho de americanos e suíços entraram em conflito, agravado por barreiras linguísticas. Descontente, Lear anunciou que estava voltando com o projeto para os Estados Unidos, tendo encontrado em Wichita o local ideal para a nova sede. Em 1962, mudou o nome da companhia para Lear Jet Corporation e pôs mãos à obra. Ao contrário do que foi muito repetido, inclusive pelo próprio Bill, o Learjet não era um P-16 com fuselagem para passageiros. Apesar da similiaridades entre as asas dos dois aviões, não há componentes em comum entre ambos, mas o Learjet beneficiou-se muito das pesquisas feitas para o desenho básico do P-16.

O pai do Learjet era particularmente orgulhoso de dois recursos de design inovadores: a porta, muito leve e que se abria em duas partes, sendo que a metade superior tornava-se uma proteção contra chuva e sol e a inferior transformava-se em degrau, o que logo caiu no gosto dos passageiros (e integra cada Learjet construído até hoje); e o para-brisas, constituído de duas peças em acrílico, com ângulo de visão de 270 graus, que, segundo os críticos, não suportaria as forças em voo. Para provar que estava certo, Lear levou um de seus para-brisas para o escritório e começou a pular em cima dele. Também havia no Learjet simplicidade no painel de instrumentos e assentos confortáveis tanto para os pilotos como para os passageiros. A única grande mudança no design nas fases finais do desenvolvimento ocorreu na cauda, que deixou de ser cruciforme (em forma de cruz), como no P-16, para ganhar desenho em T. Em 15 de setembro de 1963, o Learjet 001 rolou para fora do hangar. Após o primeiro voo, em outubro, os Learjet 002 e 003 foram concluídos e o programa de testes avançou.

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foto: Coleção Bill Lear Jr
O Learjet beneficiou-se das pesquisas feitas para o desenho básico do bombardeiro P-16

POR SORTE, UM ACIDENTE
Tudo transcorria bem no programa, até que, em uma manhã de junho de 1964, ao final da pista do aeroporto de Wichita, o Learjet 001 fez um pouso forçado em um milharal após o piloto de testes da Federal Aviation Administration (FAA) e também o piloto da Lear Jet Corporation terem se esquecido de recolher os spoilers do avião para a decolagem. Apesar da perda do trem de pouso, o avião estava praticamente intacto. Mas, tão logo os pilotos deixaram a cabine, sem ferimentos graves, irrompeu um incêndio no 001 e o protótipo transformou-se em um monte de cinzas. A reação de Bill Lear surpreendeu a todos. Ele ficou alegre e, não, desesperado, como se poderia supor. É que faltava dinheiro para a certificação do avião e a indenização do seguro do 001 poderia pagar a certificação dos dois Learjet remanecentes. Bill não perdeu tempo: já na manhã seguinte ao acidente, embarcou no 002 e voou até o Reading Airshow, na Pensilvânia, a mais importante exposição aérea industrial norte-americana, onde fez uma palestra de improviso explicando as razões do acidente e narrou uma exibição de 25 minutos sobre o avião que ele havia usado para vir ao evento. A repercussão foi excelente.

Apenas 10 meses após o primeiro voo, em 31 de julho de 1964, a FAA concedeu o certificado de tipo ao Learjet, um recorde. Com prazo de quatro anos e investimento de US$ 12 milhões, a equipe havia construído um avião que, segundo especialistas da indústria, Bill levaria 10 anos e precisaria de US$ 100 milhões para concluir. O modelo, designado Learjet 23, alcançava velocidade máxima de Mach 0.82, atingia 45.000 pés de teto operacional e voava a até 1.500 milhas náuticas. O peso máximo de decolagem era de 12.500 libras, com capacidade para até sete passageiros. O preço também era convidativo: US$ 595 mil, todo equipado. Logo, o Learjet se tornou sinônimo de jato executivo.

FRANK SINATRA A BORDO
Voando mais rápido e mais alto do que qualquer concorrente, o Learjet 23 tornou-se uma ferramenta de produtividade para grandes corporações, mas clientes-celebridades, como os artistas Frank Sinatra e Danny Kaye e o jornalista Peter Jennings, ajudaram a promover sua imagem como a última palavra em avião para o jet set. Já em 1965, a linhagem Learjet começou a bater recordes oficiais de desempenho. Em maio daquele ano, um Learjet 23 foi o primeiro avião civil a voar os Estados Unidos de costa a costa, entre Los Angeles e Nova York, do nascer ao pôr do sol do mesmo dia. Foi o primeiro de muitos recordes ao longo de 50 anos de operação.

Muitos pilotos, contudo, foram pegos de surpresa diante da performance do Learjet. Implacável diante de erros de pilotagem, 23 Learjet cairiam em três anos, quatro deles com resultados fatais. Bill reconheceu o problema e introduziu um novo modelo, o 24, com melhor qualidade de manobrabilidade em baixa velocidade. Mas o Learjet só seria domando totalmente nos modelos futuros graças a programas como o Century III, que aumentou a espessura do bordo de ataque da asa, recurso implantado na série 30. Depois, viriam ainda o programa Softlite, que acrescentou stall strip e wing fences, dispositivos aerodinâmicos fixos instalados nas asas para direcionar e separar o fluxo de ar, e o Softlite I, acrescentando pequenos triângulos de metal na parte externa do bordo de ataque das asas.

O segundo semestre de 1966 veio acompanhado de uma grave recessão, forçando os clientes executivos a trocarem os jatinhos pelos aviões de carreira. Diante desse cenário, Bill Lear vendeu o controle acionário da empresa em 1967 para o grupo Gates Rubber Company, cujo chairman Charles Gates era apaixonado por aviação. O fabricante foi renomeado Gates Learjet, tornando-se uma divisão da Gates Rubber. Bill Lear permaneceu como presidente do conselho por mais dois anos. O primeiro modelo a ser certificado sob a nova direção foi o Learjet 25, maior, com peso máximo de decolagem de 15 mil libras e as grandes janelas de passageiros trocadas por outras menores, semelhantes às de aeronaves comerciais.

foto: Solange Galante
Porta do Lear se abre em duas partes: a metade superior torna-se uma proteção contra chuva e sol e a inferior transforma- se em degrau

LEAR 35 E 55
Quando o Learjet 35 fez seu primeiro voo, em 1973, trazia nas asas o mérito de ser o primeiro modelo a usar o conceito turbofan, ideia de remotorização que vinha desde 1968. O maior desafio era encontrar o motor. A Garrett, especializada em motores a jato pequenos, teve que construir um específico, o TFE731-2, com 3.500 libras de empuxo. Só que o novo motor não passou no teste de vulnerabilidade às colisões com pássaros. Readequar o motor tornou-o muito pesado para o modelo 25, obrigando o avião a se ser adaptado a ele, resultando no Learjet 35, muito mais eficiente e com cabine mais confortável. Em plena crise de energia dos anos 1970, o modelo 35 foi o jato certo na hora certa e, ainda antes do primeiro voo, recebeu 60 encomendas. Ele foi certificado em 1974, juntamente com o modelo de longo alcance Learjet 36. Já a série 20 continuou em produção e teve progressos técnicos significativos com os modelos 24E, 24F, 25D e 25F, recebendo certificações para voar a até 51 mil pés - até então, somente o supersônico Concorde estava autorizado como avião civil para aquela altitude.

Surgiram as winglets da geração Longhorn. O protótipo do modelo 28 foi apresentado com elas na conferência da NBAA (National Business Aircraft Association) de 1977, mas o novo design foi desenvolvido visando o novo Learjet 55. Enquanto isso, a concorrência já se movimentava e anunciava modelos que pudessem oferecer a performance do Learjet, mas com uma cabine mais alta internamente. O 55, primeiro Learjet de categoria médio porte, voou pela primeira vez em 1979 e recebeu a certificação da FAA em 1981.

A cabine havia sido reprojetada com maior espaço interno. Sua linha de produção foi instalada em Tucson, no Arizona. Dele derivaram os modelos 55 ER, 55 LR e, com o maior alcance (2.900 nm), o 55 XLR. Em 1986, a cabine de comando do modelo 55B recebeu instrumentos em tubos de raios catódicos da Collins com EFIS (Electronic Flight Instrument System) e um novo piloto automático. Mas a Gates Learjet havia se desgastado durante a crise de combustíveis dos anos 1970 e as vendas foram caindo na década seguinte. Os concorrentes pertenciam a grandes corporações com recursos financeiros superiores para prover fluxo de dinheiro em tempos de crise - a Gates, não, e a maioria dos membros sênior do Grupo mostrou desinteresse pela empresa, que já não desenvolvia nenhum produto novo. Não fosse a 1968encomenda, em 1983, do Departamento de Defesa norte-americano, que resultou num contrato de leasing e suporte logístico para 80 modelos 35A (designados C- 21A) para o programa de Suporte Operacional da Força Aérea, a Gates Learjet teria falido.

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Coleção Solange Galante
O midsize Learjet 60 foi anunciado pela Bombardier no final de 1990

MISSÕES ESPECIAIS
Os aviões da US Air Force constituíram um excelente marketing para um novo uso dos Learjet: as missões especiais. Alta velocidade, teto operacional elevado, longo alcance e custos operacionais baixos tornaram o Learjet muito atrativo para essas missões. A primeira venda militar foi para as forças armadas do Peru, para mapeamento em elevadas altitudes. A Argentina usou vários Learjet em missões de reconhecimento durante a Guera das Malvinas. Diversos modelos foram usados em todo o mundo para transporte aeromédico, treinamento militar, pesquisas espaciais e defesa. Pilotos de algumas das principais companhias aéreas comerciais também treinaram em Learjet.

Em 1986, a Força Aérea Norte-Americana concordou em comprar aqueles 80 C-21A, mas isso não foi o suficiente para livrar a Gates Learjet dos problemas financeiros e, em abril daquele ano, ela foi colocada à venda. Dedicados, os funcionários não abandonaram a luta e decidiram produzir um upgrade do modelo 55: o modelo 55C foi o primeiro Learjet com delta fins na cauda, recurso que também foi usado no novo Learjet 31, este, o modelo que foi um desafio pessoal dos engenheiros contra Charlie Gates, que não queria gastar mais dinheiro e tempo no desenvolimento de um avião novo. O 31 foi desenvolvido totalmente às escondidas e tanto ele quanto o 55C estavam prestes a voar pela primeira vez quando, em agosto de 1987, a Learjet foi vendida à empresa de investimentos Integrat Resources. Enquanto isso, o Learjet 31, considerado o mais dócil dos modelos do fabricante, tanto que nem stick pusher ou Mach trim eram-lhe exigidos pela FAA para sua certificação, já começou a ganhar as manchetes como o "Learjet domado". A certificação dos dois modelos ocorreu em 1988.

A ERA BOMBARDIER
Apesar da certificação, uma nova ameaça surgiu em 1989: a Integrated Resources pediu falência. Mais uma vez o futuro da Learjet estava em perigo. Mas a empresa havia atraído o interesse da Bombardier e o fabricante canadense assumiu o negócio em junho de 1990, colocando a empresa no caminho certo e anunciando, já em outubro daquele ano, o novo jato médio Learjet 60, equipado com motores P&W PW305A de 4.600 libras de empuxo cada. Pela primeira vez foi usado um software para estudar a dinâmica dos fluidos e o avião foi modelado no centro de pesquisas Ames da Nasa. O alcance de 2.750 nm era verdadeiramente transcontinental. Certificado em janeiro de 1993, ele entrou em serviço como o jato de negócios mais silencioso do mundo - e evoluiria para o Learjet 60 Special Edition de 2004, oferecendo mais de US$ 1 milhão dos melhores equipamentos opcionais como padrão. Também foi anunciado o modelo 31A.

Engenheiros da Gate desenvolveram o Learjet 31 às escondidas

Durante a NBAA de 1992, a Bombardier anunciou o modelo Learjet 45 -o primeiro jato de negócios concebido inteiramente com tecnologia CAD e quase inteiramente projetado por computador. Já em 2002, os canadenses anunciaram um raro lançamento duplo: o Learjet 40, uma versão menor do 45, e o Learjet 45XR, oferecendo melhor capacidade carga paga-alcance e menor tempo de subida a partir de pistas quentes e altas.

Em 2004, começaram as entregas do Learjet 40, bem como as do 45XR, e em outubro daquele mesmo ano, a Bombardier anunciou o Learjet 40XR. Em novembro de 2005, foi a vez do Learjet 60XR, que entrou em serviço em 2007, mesmo ano em que foi lançado o novo Learjet 85, que será equipado com dois motores Pratt & Whitney Canada PW307B, com potência de 6.100 libras ao nível do mar e alcance de até 3.000 nm. Já em 2012, a canadense anunciou dois novos Learjet, o 70 e o 75, ambos com alcance máximo pouco superior a 2.000 milhas náuticas e que irão destacar o novo Vision Flight Deck, que incorpora a suíte de aviônicos Garmin G5000. Em 2013, entrarão em serviço os três modelos: Learjet 85, 70 e 75.

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fotos Divulgação
O Learjet 75 (acima) será o substituto do 45XR e entrará em serviço em 2013, bem como os Learjet 85 e 70

LEARJET NO BRASIL
"A família de jatos Learjet é a precursora de muito do que vemos e sabemos hoje em termos de jatos executivos, sendo sinônimo de performance e flexibilidade de operação", destaca Silvia Cioletti, diretora de Manutenção de Aeronaves da Líder Aviação, empresa que acaba de ser homologada na base Belo Horizonte para realizar inspeções no Learjet 45. Os Learjet ganharam destaque no Brasil justamente pelas asas da Líder Táxi Aéreo, em 1968, quando o primeiro exemplar da empresa, do modelo 24, foi adquirido. "Cinquenta anos e muitos aperfeiçoamentos depois, os Learjet continuam fieis aos padrões que definiram o jato executivo: tem que ser veloz, voar mais alto e mais distante que outros aviões. Em suas concepções, todos os jatos executivos querem ser um Learjet", avalia José Eduardo Brandão, diretor geral da SynerJet, representante da Bombardier no País.

foto: Coleção Solange Galante
Líder Táxi Aéreo adquiriu seu primeiro Learjet em 1968

Segundo a SynerJet, há registrados hoje no Brasil um total de 122 jatos Learjet dos modelos 24, 24D, 24E, 24F, 25, 25B, 25C, 25D, 31, 31A, 35A, 36, 40, 40XR, 45, 45XR, 55, 55B, 55C, 60 e 60XR. Já as versões militares do Learjet foram e são utilizadas apenas pela Força Aérea Brasileira. Foram adquiridas nove aeronaves em 1987, destinadas ao GTE (Grupo de Transporte Especial), sediado em Brasília e outras três foram para o 1º/6º Grupo de Aviação, sediado em Recife, para missões de aerofotogrametria e reconhecimento/foto. Em 2010, três aparelhos do GTE foram entregues ao 1º/6º GAV e transformados para missões de reconhecimento. Ainda em 2010, um avião foi entregue ao DCTA, em São José dos Campos (SP), para uso executivo. Já em 2012, todos os cinco Learjet ainda no GTE foram entregues para o 6º ETA (Esquadrão de Transporte Aéreo), também de Brasília, para uso VIP. Os Learjet para transporte de autoridades foram designados como VU-35A, o do DCTA, como C-35A, e os de reconhecimento, R-35A.

Os comandantes Roberto e Lara Eliasquevici, pai e filha, têm os registros do Learjet em suas cadernetas de voo. "Ainda está para ser feito um avião como o Learjet, que nos dá o prazer de voar. Ele é como um kart, comparando com automóvel: pequeno, apertado, porém de performance incrível. Os demais aviões são somente ferramentas de trabalho, enquanto um Learjet é voar pelo prazer de voar. Voei vários aviões em minha carreira, desde o DC3 e o Samurai até o Boeing 767 e o MD 11. Destes, só três foram paixão: DC 6, Boeing 727 e o Learjet, que ainda voo com imensa satisfação", afirma o pai. "O Lear é sensacional. Um avião ágil, veloz e que voa realmente nas alturas", completa a filha.

Solange Galante | | Fotos Divulgação
Publicado em 29/01/2013, às 11h29 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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