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Iata agm 2012

Impactos econômicos na aviação

Crise na Europa ameaça lucro global das companhias aéreas, mas as previsões para a América latina são otimistas; estudo da Oxford Economics demonstra que transporte aéreo regular representa 1,3% do PIB do Brasil


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Dirigir uma companhia aérea seria como tocar um acordeão. Gerir as variáveis que interferem na administração de voos regulares corresponderia à habilidade de coordenar o movimento do fole com os botões e o teclado do popular instrumento de palheta. O paralelo traçado pelo chairman da Avianca, German Efromovich, ainda no saguão da área de conferência do China World Hotel, logo após o encerramento da 68ª edição da Assembleia Geral e Reunião de Cúpula da Associação Internacional de Transporte Aéreo, a Iata, realizado em junho último, em Pequim, ajuda a dimensionar os atuais desafios das companhias aéreas mundo afora, boa parte delas preocupadas com as incertezas na Zona do Euro. Na comparação estabelecida pelo executivo brasileiro-colombiano, que integrou o Conselho de Líderes do encontro deste ano, quando as mãos e os braços do músico atuam de modo sincronizado, a composição soa exuberante, mas acertar o tom pode ser uma tarefa inglória, a exemplo do que acontece nas mesas de decisões de empresas que voam dezenas de aviões em complexas malhas aeroviárias.

A receita da família Efromovich para "tocar com ritmo" sua companhia, a Avianca, é operar com rentabilidade, o que significa se preocupar mais com a ocupação dos voos do que com a participação de mercado. "A única saída para uma companhia aérea é crescer de modo sustentável", acredita German. Mas nem sempre os bons resultados dependem apenas de gestão, como ressaltou o diretor-geral da Iata, Tony Tyler, logo na abertura da conferência organizada pela entidade em Pequim, que contou com cerca de 700 representantes do mundo todo. "A situação da indústria do transporte aéreo é muito frágil. O lucro do setor está no fio da navalha", alertou Tyler, chamando a atenção não só para a complexidade de se administrar uma empresa diante de problemas como o preço do petróleo e as variações do câmbio como também para os abusos tributários, o excesso de regulação e a falta de investimentos em infraestrutura, além da própria redução da atividade econômica. O lucro global das empresas aéreas, que foi de US$ 7,9 bilhões em 2011, deve cair para US$ 3 bilhões este ano, segundo a Iata. "Mas se a crise na Europa evoluir para um processo recessivo mais agudo e houver uma redução de 1% da receita prevista, esse lucro vira prejuízo", afirma Tyler.

A receita global das companhias aéreas prevista pela Iata para 2012 é de US$ 631 bilhões, o que significa uma margem de lucro de apenas 0,5% em um ambiente de baixo crescimento econômico e riscos políticos incontroláveis. O gasto com combustível deve superar os US$ 200 bilhões - quase 35% dos custos totais das companhias -, considerando uma média de US$ 110 o barril durante o ano, previsão revisada para baixo justamente por conta das incertezas no sistema financeiro mundial. Contudo, conforme o próprio diretor-geral da Iata ressalvou em Pequim, existem diferenças regionais em relação ao desempenho da indústria do transporte aéreo, "e essas diferenças são grandes". Quer dizer, existem companhias aéreas ganhando dinheiro:

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"EMPRESAS AÉREAS DEVEM BUSCAR RENTABILIDADE PARA VIABILIZAR SEU NEGÓCIO"


German Efromovich, chairman da Avianca

"Na Ásia-Pacífico os lucros chegarão a US$ 2 bilhões, os norte-americanos ganharão mais ou menos US$ 1,4 bilhão e as empresas do Oriente Médio e da América Latina terão balanço positivo em US$ 400 milhões cada". Paralelamente, diz Tony Tyler, as companhias africanas vão perder cerca de US$ 100 milhões enquanto as europeias, que estão em situação delicada, devem amargar prejuízo de US$ 1,1 bilhão.

MOVIMENTO TRIPLICADO
A América Latina, embora seja vulnerável à instabilidade global, segue caminho contrário ao da Europa. De acordo com um estudo da Oxford Economics encomendado pela Iata, a região terá em 20 anos o triplo de pessoas voando de avião, o que significa quase 440 milhões de passageiros em 2030. Pelos dados da Iata, 145,9 milhões de passageiros viajaram por companhias aéreas em 2010, quase metade deles só no Brasil, o equivalente a 6% do tráfego aéreo mundial. Esse estudo, que apresenta dados sobre o impacto da aviação na economia, é uma ferramenta que servirá à indústria do transporte aéreo para alertar governos sobre os riscos de se taxar demasiadamente a aviação regular.

A Iata também encomendou um estudo específico sobre o Brasil à Oxford Economics. A conclusão mostra que o impacto da aviação na economia do país é significativo. Segundo o trabalho, o setor responde por 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e suporta 0,7% da força de trabalho nacional, o correspondente a 684 mil empregos. Incluindo dados do setor de turismo, a participação no PIB sobre para 1,3% e o número de postos de trabalho chega a 938 mil, ou 1% dos empregos. E são postos de alta produtividade, com valor anual agregado em torno de quase R$ 150 mil, quatro vezes mais do que a média brasileira, que é de R$ 35 mil. Ainda de acordo com o trabalho, as receitas fiscais provenientes da aviação são substanciais, já que as empresas baseadas no Brasil pagam R$ 4 bilhões em impostos diretos mais a seguridade social. Já os passageiros pagam R$ 1,3 bilhão em taxas de embarque. Adicionalmente, estima-se que R$ 4,4 bilhões de receita do governo advenham da cadeia de abastecimento da aviação e mais R$ 2,8 bilhões sejam pagos por meio de tributação trabalhista.

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"SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA DO TRANSPORTE AÉREO É MUITO FRÁGIL. O LUCRO DO SETOR ESTÁ NO FIO DA NAVALHA"

Tony Tyler, diretor-geral da Iata

"A conectividade aérea proporciona benefícios que vão além da indústria de aviação. A existência de linhas regulares entre aeroportos de duas ou mais cidades impacta nas economias locais de uma forma geral, o que inclui o turismo, o comércio, os serviços, a indústria e assim por diante", sustenta Carlos Ebner, diretor da Iata no Brasil. "A velocidade, a conveniência e a acessibilidade do transporte aéreo ampliaram as possibilidades de viagens pelo mundo para os turistas e os homens de negócio". No Brasil, a contribuição da aviação para o turismo é latente: pelo estudo, os visitantes estrangeiros gastam mais de R$ 11 bilhões na economia brasileira a cada ano e 70% deles chegam por linha aérea, deixando no país cerca de R$ 7,9 bilhões.

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RISCOS DA PRIVATIZAÇÃO
A participação de representantes brasileiros no encontro anual da Iata foi restrita nesta edição de 2012, em Pequim. Isso porque, na semana em que o evento aconteceu, Lan e TAM acertavam os últimos detalhes para a conclusão da fusão entre ambas as companhias enquanto a Gol articulava a saída de seu principal executivo, Constantino Oliveira Jr. (leia mais na matéria da p. 48). Mas o Brasil foi citado algumas vezes em diferentes situações durante o meeting. Na principal delas, mais uma vez, Tony Tyler criticou o processo de privatização do país, alegando que os problemas de infraestrutura tendem a ser resolvidos, mas com elevação de tarifas para passageiros e companhias aéreas, motivada pela necessidade de remunerar os altos investimentos iniciais. "Há o risco de acontecer o mesmo que na África do Sul e na Índia, que têm aeroportos modernos, mas com as maiores taxas do mundo", alerta Tyler. Além das tarifas aeroportuárias, os novos gestores também podem elevar os custos mexendo em preços de áreas operacionais, como balcões, áreas de apoio, catering, entre outros.

O diretor-geral da Iata também voltou a citar o processo de criação da Latam como um avanço no processo de globalização do setor aéreo. Aliás, o representante da Lan Airlines presente no encontro, o CEO Internacional da empresa, Damian Scokin, acenou com a possibilidade de a Latam operar o Boeing 787 no Brasil, fazendo escala em São Paulo. "Ainda não sabemos. Vamos ter que dar uma olhada na malha geral da Latam e ver como vamos alocar os aviões a partir de agora. Teremos essa resposta definitiva no fim do ano. A decisão não será política, mas econômica", disse Scokin. Em relação às marcas TAM e Lan, ele foi taxativo: "Estamos longe de decidir qualquer coisa".

Também durante o evento da Iata na China, que antecedeu a conferência ambiental das Nações Unidas no Rio, repercutiu o cancelamento e o remanejamento de voos no Galeão para pousos não regulares, principalmente de comitivas governamentais. O episódio mostrou que o país ainda não está preparado para receber um volume grande de jatos executivos sem prejuízos para a aviação doméstica. E o problema levanta a dúvida: "Quem deve arcar com o ônus do cancelamento de um voo cujas passagens já estavam compradas havia semanas?".

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"A GOL É O MELHOR EXEMPLO DE APROVEITAMENTO DE UMA LOW COST EM NOSSA REDE DE ALIANÇA"


Michael Wisbrun, CEO da SkyTeam

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Para o vice-presidente de Assuntos Governamentais da Gol, Alberto Fajerman, que participou do evento da Iata, os problemas de infraestrutura do Brasil, aos poucos, serão solucionados. Mas ele diz que o principal desafio da companhia hoje é readequar sua oferta à atual demanda do mercado. Também chamou a atenção para um aspecto importante em relação ao preço do combustível: "Ele caiu no mercado internacional, mas, como tivemos uma desvalorização do real frente ao dólar, continuamos com os custos quase inalterados". Sobre a parceria com a Delta, Fajerman reiterou que não existem negociações diferentes daquelas que já preveem a parceria entre ambas. "Vamos continuar sendo uma operadora de voos domésticos nacionais, com alianças internacionais, como a que temos com a Delta e a Air France-KLM, e também regionais, como a que temos com a Passaredo".

O CEO da SkyTeam, Michael Wisbrun, citou a Gol como referência de parceria para distribuição doméstica de passageiros. "É o melhor exemplo de aproveitamento de uma empresa de low cost em nossa rede de aliança", acredita o executivo. A SkyTeam está terminando de estruturar sua cobertura mundial na Índia e no Brasil. "A Latam vai se consolidar e fazer sua escolha, e a Delta, que é um de nossos membros, já investiu na Gol para desenvolver sua malha doméstica", diz Wisbrun. Mais um assunto que circulou nas rodas da Iata é o futuro do Grupo TAP, que deve ser privatizado. O presidente executivo da TAP, Fernando Pinto, estava em Pequim, mas preferiu desconversar: "Teremos uma definição em breve". Líder no tráfego entre Brasil e Europa, a companhia aérea portuguesa é peça estratégica no cenário de consolidações da aviação. Outro tema discutido durante a conferência da Iata em Pequim foram os novos modelos de distribuição de bilhetes. "Hoje, temos um modelo obsoleto. Precisamos modernizá- lo, principalmente usando as redes virtuais", defende Carlos Ebner, diretor da Iata no Brasil.

Direto: produção e emprego associados ao setor da aviação.
Indireto: produção e emprego apoiado por empresas de aviação sediadas no Brasil por meio de suas cadeias de suprimentos.
Induzido:
emprego e produção suportados pelos gastos de pessoas direta ou indiretamente empregadas no setor da aviação.
Catalisador: benefícios colaterais associados ao setor da aviação. Incluem a atividade apoiada pelos gastos dos visitantes estrangeiros que viajam ao Brasil por via aérea, e o nível de negócios diretamente ativado pelo transporte de mercadorias.

Fontes: IATA, ACI, Oxford Economics

FRMS EM DISCUSSÃO
GERENCIAMENTO DE RISCO DE FADIGA HUMANA É TEMA TANTO DE CONFERÊNCIA DA IATA EM PEQUIM COMO DE SEMINÁRIO DA OACI NO PERU

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A segurança de voo foi tema de conferência durante o encontro da Iata em Pequim. O vice-presidente sênior de Segurança, Operações e Infraestrutura da entidade, Günter Matschinigg, destacou a discussão em torno do FRMS (Gerenciamento de Risco de Fadiga Humana). "O sistema de gerenciamento do risco de fadiga não se presta a prolongar as horas de trabalho do piloto ou mudar tudo que foi feito nessa área até hoje. A ideia é sair das limitações de tempo de voo que algumas vezes é prejudicial. Por isso defendemos que o governo brasileiro mude seus regulamentos, e seja mais flexível", diz Matschinig. Segundo ele, Qantas e Fedex, que operam longas distâncias, já implantaram o FRMS com resultados excelentes. "A Qantas tem recorde de tempo sem acidentes fatais".

O FRMS voltou a ser assunto durante um seminário promovido pela Organização de Aviação Civil Internacional (Oaci), em parceira com a Iata e a Ifalpa, em Lima, no Peru. Lá ficou claro que gerenciar o risco da fadiga humana é fundamental para o futuro da aviação, que conta hoje com aeronaves de maior autonomia e executa voos mais longos, além de experimentar um aumento da demanda por viagens aéreas de curtas distâncias. O desafio é encontrar o equilíbrio entre as possibilidades técnicas e humanas.

Durante o encontro, a Gol apresentou estudos segundo os quais as jornadas com madrugadas seguidas e tempo de solo entre etapas são os maiores fatores que causam fadiga e afetam o estado de alerta de seus tripulantes. A empresa mostrou uma análise baseada em resultados de entrevistas, preenchimento de questionários específicos e uso de um modelo biomatemático (software projetado para mensurar o desempenho humano levando em conta a hora do dia, o tempo acordado e o débito de sono). Pelo trabalho, o fator contribuinte fadiga nos erros dos pilotos foi contabilizado em 79% dos eventos FOQA classe III.

As empresas aéreas Lan e Copa vêm trabalhando na construção dos processos e demonstraram em Lima como as práticas do FRMS estão sendo implementadas em suas operações. A TAM declarou que está fazendo o trabalho de base com seu time de escaladores, explicando o que é a fadiga e a importância de seus trabalhos na confecção das escalas dos tripulantes - hoje feitas de maneira aleatória sem observar as limitações humanas, o que pode afetar a segurança de voo.

A Avianca-Taca focou sua apresentação em custos, mostrando que os custos diretos e indiretos podem chegar aproximadamente a US$ 640 milhões em caso de acidente com uma aeronave comercial e que os prejuízos causados pela fadiga se traduzem em mais de US$ 18 milhões a cada ano nos Estados Unidos por quebra de produtividade diante de faltas ao trabalho. Ao final do encontro, a Oaci recomendou que as autoridades se unam para enfrentar esse desafio. Para as empresas aéreas, a recomendação é a troca de informações principalmente no que tange ao tempo e à qualidade de sono de seus tripulantes. Sem perder de vista que tempo de descanso não é oportunidade de sono e que os seres humanos têm limitações, principalmente para trabalhos que requerem um alto estado de alerta e atenção, como o de pilotar aeronaves.

Paulo Rogério Licatti e Giuliano Agmont

Giuliano Agmont, De Pequim/ Fotos: Divulgação
Publicado em 11/07/2012, às 12h53 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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