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Helicóptero envolvido em acidente em São Paulo não tinha registro de táxi-aéreo

Segundo o RAB, o monomotor Robinson R44 II pertencia à categoria das aeronaves usadas para transporte aéreo privado


O helicóptero Robinson R44 Raven II, matrícula PR-TUN, envolvido no acidente fatal que vitimou quatro pessoas neste fim de semana, em São Paulo, está cadastrado na categoria “serviços aéreos privados”, segundo o Registro Aeronáutico Brasileiro feito pela Anac. A aeronave, portanto, mesmos tendo como proprietária e operadora a empresa Helicop. Chart. Serv. Brasil Taxi Aer. Ltda. ME., não poderia ser usada para prestação de serviço de táxi-aéreo, afirmam especialistas ouvidos por AERO Magazine. Ou seja, de acordo com os dados do RAB, há caracterização do que as autoridades chamam de táxi-aéreo clandestino (TACA), popularmente chamado de táxi-aéreo pirata. 

Em contato com a reportagem de AERO Magazine, o dono do buffet Recanto Beija-Flor, para onde a aeronave se dirigia antes do acidente, confirma que a empresa responsável pelo translado da noiva já havia sido “contratada” outras duas vezes este ano para casamentos, sempre pelos noivos. Carlos Eduardo Baptista acreditava tratar-se de um táxi-aéreo devidamente homologado para tal. “Foi um sonho interrompido, o helicóptero desceria no nosso campo de futebol, seria uma surpresa para o noivo”, relatou Baptista a caminho do velório. “Eu mesmo só fiquei sabendo no dia. Precisava saber o horário exato do voo para organizar a entrada dos padrinhos. Seria um voo de 17 minutos”. Segundo ele, havia a bordo uma câmera de vídeo ligada, gravando tudo, "o que talvez possa ajudar na elucidação do acidente caso o material seja recuperado pela perícia". As causas do desastre estão sendo investigadas. 

Como fretar um táxi-aéreo   

Fretar aeronaves significa comodidade e produtividade para indivíduos e corporações. Uma ferramenta indispensável para muitos justamente por “encurtar” distâncias ao reduzir tempos de deslocamento, o que vale para circular dentro de uma metrópole durante uma viagem de negócios, atingir rapidamente destinos não atendidos por uma malha regular ou, ainda, fugir dos congestionamentos para destinos concorridos em feriados, entre outros serviços. Fora dos grandes centros, porém, fretar aeronaves também significa enfrentar dificuldades para encontrar empresas homologadas para realização de transporte aéreo. Por isso, conhecer essa realidade se revela mais que oportuno na hora de planejar o fretamento de seu próximo voo.

O Brasil conta atualmente com pouco mais de 150 táxis-aéreos homologados, mas grande parte dos centros urbanos não é atendida por empresas autorizadas pelas autoridades aeronáuticas a cobrar pelo transporte aéreo. Fazendo uma comparação desleal, nos Estados Unidos são 11.200 operadores homologados, segundo o FAR Part 135.

A necessidade de regulamentar a indústria aeronáutica representa um consenso na comunidade internacional. A Convenção de Chicago, realizada em 1944, com o mundo ainda em guerra, é um dos exemplos disso. Naquele encontro, do qual o Brasil fez parte, surgiu o que é a base da regulamentação aeronáutica mundial. A criação da OACI (Organização de Aviação Civil Internacional, ICAO na sigla em inglês), vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), e a estrutura recomendada aos países signatários do acordo, constante dos anexos à convenção (os Anexos da ICAO), representam o início do processo de organização da atividade aérea civil.

O objetivo dos regulamentos aeronáuticos é estabelecer critérios mínimos a serem seguidos por diferentes áreas de atuação dessa indústria, incluindo investigação de acidentes, segurança operacional, certificação de produtos aeronáuticos e operações aéreas, formação e certificação de pessoal, entre outros aspectos da indústria abordados pela ICAO. Aqui vale o reforço: a regulamentação estabelece os requisitos “mínimos” (sim, mínimos) a serem seguidos pelos operadores comerciais, o que significa que um transporte clandestino não oferece nenhuma garantia de que tais padrões mínimos estão sendo seguidos.

A homologação de empresas de táxi-aéreo é relativamente nova na aviação brasileira. Os RBHA (hoje RBAC) foram escritos em 1986, mas as primeiras IAC (hoje IS) a tratar especificamente da homologação de táxis-aéreos surgiram apenas no final da década de 1990. Naquela época, o então DAC (hoje Anac) dividiu os táxis-aéreos em três grupos, considerando a complexidade da operação e das aeronaves utilizadas por cada operador. Assim, iniciou-se uma grande campanha de homologação de empresas de táxi-aéreo, chegando aos cerca de 150 operadores homologados atualmente, segundo o site da Anac.

Segundo Anac, ao contratar um serviço de táxi-aéreo, usuário deve se certificar de que a empresa tem autorização para prestar esse tipo de serviço 

Os números do Brasil

O processo de homologação de uma empresa de táxi-aéreo está detalhado na IS-119. Embora descrito de forma bastante clara, com “etapas” e portais bem definidos, o processo se desenrola de forma um tanto lenta. O tempo médio para homologação de uma empresa de táxi-aéreo é de 18 meses, dizem os operadores, podendo facilmente durar o dobro disso dependendo da região do país onde a empresa está instalada.

Durante todo o processo de homologação, os investimentos são constantes, o que muitas vezes inviabiliza a empreitada. Além disso, a falta de informação por parte do pessoal da Anac durante as etapas ou os portais do processo acaba tornando a homologação de empresas um terreno fértil para os chamados “consultores”, que tiram proveito da morosidade da agência.

De toda forma, atribuir a existência de tão poucos táxis-aéreos homologados no Brasil simplesmente à morosidade de um processo de certificação de empresa junto à Anac parece ser uma resposta simplista diante de um problema mais complexo. A grande maioria dos 152 táxis-aéreos homologados, segundo a Anac, está localizada na região Sudeste. Dos mais de 5.000 municípios brasileiros, apenas 60 possuem algum táxi-aéreo. Dos municípios com mais de 100 mil habitantes – são 306, segundo o IBGE –, apenas 44 (ou aproximadamente 14%) possuem algum táxi-aéreo.

Contratação de um fretamento

A principal preocupação no momento de fretar uma aeronave deve ser com a segurança. E muitos contratantes utilizam como parâmetro de segurança a idade da aeronave. Ou seja, assume que aviões e helicópteros mais novos são mais seguros do que os mais antigos. Essa premissa se origina do senso comum e da percepção cotidiana de que um equipamento novo, recém-saído da fábrica, tem menos chance de quebrar. De fato, se for levado em consideração que uma aeronave, ao sair da linha de montagem, passa por processos e controles rígidos para garantir que está de acordo com o projeto que foi apresentado às autoridades e obteve a certificação para produção, tal raciocínio parece correto.

Entretanto, mesmo um aparelho eletrônico de uso cotidiano pode sofrer uma falha decorrente da má utilização tão logo deixe a loja. Da mesma forma, utilizar somente a idade da aeronave como parâmetro de segurança despreza o fato de que os fabricantes emitem notas e normas que devem ser seguidas durante a operação para manter a aeronave dentro dos padrões mínimos de segurança estabelecidos na certificação.

Assim, o fato de a aeronave ser nova ou mais antiga acaba por representar uma parcela menos significativa ao se avaliar o risco de um determinado voo. Na realidade, risco maior ou menor depende muito mais de como o operador da aeronave segue estes procedimentos no seu dia a dia. Dessa forma, com poucos meses de operação, a “segurança” da aeronave está muito mais relacionada com a forma como ela vem sendo operada do que com sua idade. Em suma, uma aeronave nova e mal operada não necessariamente é mais segura do que uma aeronave mais velha, que sempre foi operada e mantida corretamente.

Adicionalmente, a autoridade aeronáutica estabelece normas diferentes de operações para diferentes tipos de aeronaves e, principalmente, diferentes tipos de utilizações. Uma empresa aérea regular, que opera uma concessão do governo com aeronaves de grande porte em horários definidos e vende assentos para o público geral, tem exigências operacionais superiores às de um táxi-aéreo, que opera aeronaves menores e em voos “sob demanda”. Os táxis-aéreos, por sua vez, têm exigências operacionais superiores às de uma aeronave particular, cujo proprietário não a utiliza para realizar transporte remunerado de passageiros ou carga.

Porém, a falta de táxis-aéreos homologados na grande maioria das cidades brasileiras acaba por impor um custo adicional ao contratante: o deslocamento de uma aeronave devidamente homologada da sua base de operações até o ponto de saída do fretamento. Na grande maioria das vezes este custo adicional acaba por tornar proibitiva a contratação do fretamento, fazendo com que o contratante recorra a soluções menos ortodoxas ou a sugestões de “brokers” locais, que classificam o processo de homologação apenas como mais uma burocracia da Anac. Tais profissionais não veem problema em vender voos em aeronaves sem a devida certificação.



TACA ou piratas

Nesse contexto, buscando “atender ao cliente”, não raro são oferecidos voos em aeronaves privadas irregularmente utilizadas para fretamento, o táxi-aéreo pirata ou clandestino (TACA), não raro com preços semelhantes aos oferecidos por táxis-aéreos devidamente homologados, mas sem a penalidade do deslocamento da aeronave, ou traslado, até o local de partida desejado pelo cliente.

Nem todos os passageiros sabem que esse tipo de fretamento está sendo conduzido de forma clandestina. Ao solicitarem a cotação do voo para um “broker”, muitas vezes, a aeronave ofertada é um TACA, assim, induzidos por maus profissionais, os clientes acabam se colocando – e também suas famílias e amigos – em risco, uma vez que aquela aeronave e aquele operador não são obrigados a cumprir requisitos mínimos estabelecidos por regulamentação aeronáutica.

Embora seja fácil de verificar – qualquer aeronave em um táxi-aéreo deve possuir a inscrição “táxi-aéreo” pintada ou adesivada sobre a porta – nem todos têm conhecimento dessa obrigação. Além disso, a dificuldade de se encontrar empresas homologadas acaba tornando o TACA um negócio lucrativo.

Uma aeronave privada e sua operação são regulamentadas de forma menos restritiva pela Anac do que uma aeronave utilizada para fins comerciais, que caracteriza transporte público. Por isso, ao fretar irregularmente uma aeronave privada, ou seja, uma aeronave cujo proprietário declarou à autoridade aeronáutica que não seria utilizada para nenhuma atividade econômica, o contratante se expõe a condições de segurança incompatíveis com a missão declarada pelo proprietário do avião.

Para um proprietário de aeronave oferecer de forma segura e em conformidade com a lei os serviços de sua aeronave, e ser corretamente remunerado por isso, é necessário que a aeronave seja registrada na Anac como TPX e conste nas especificações operativas de um táxi-aéreo devidamente homologado.

Portanto, decidir-se por um voo baseado apenas em preço e idade de aeronave representa um grave perigo para o passageiro. Ao associar idade à segurança, o empresário, executivo ou profissional liberal negligencia o principal fator que impacta na segurança de um voo, que é o fiel cumprimento dos procedimentos e normas apropriadas a cada aeronave em cada tipo de operação. Ademais, as apólices de seguro possuem cláusulas específicas que negam cobertura em caso de eventos com aeronaves que caracterizem transporte aéreo clandestino. Ou seja, os passageiros, além de ficarem expostos a um perigo potencialmente maior, não tem garantia nenhuma de cobertura de seguro de vida.

Como resolver?

A dificuldade em se encontrar aeronaves e operadores devidamente homologados no Brasil é um problema complexo e sua solução passa por diversos níveis na indústria. A Anac como órgão certificador e fiscalizador tem participação na solução do problema. Ao tornar o processo de homologação inicial de um táxi-aéreo mais simples e rápido, a agência pode motivar operadores clandestinos a saírem dessa situação. A partir da homologação inicial, a fiscalização recorrente nos operadores elevaria os níveis de segurança da indústria como um todo. Os contratantes de serviços de táxis-aéreos podem contribuir ao se recusar a fretar aeronaves operadas por empresas não homologadas. Os empresários da área têm a responsabilidade de não apoiar “brokers” sabidamente usuários do TACA. Tais profissionais e os proprietários de aeronaves que se utilizam deles devem ser denunciados à autoridade aeronáutica e banidos do mercado.

Em suma, seria fazer o contrário do que se observa no mercado hoje em dia. Pilotos, mecânicos, empresários e usuários acabam por considerar normal a opção do transporte clandestino, sem maiores riscos. Paralelamente, a maneira como a Anac conduz o processo de homologação acaba não ajudando quem quer cumprir com a regulamentação, fazendo com que cada vez menos empresários se interessem em obter a devida homologação.

A ausência de táxis-aéreos homologados acaba sendo mais um incentivo (muitas vezes uma “justificativa”) para os praticantes do voo clandestino, com consequente aumento do número de acidentes e fatalidades na aviação de negócios brasileira, o que não é surpresa. Se os regulamentos estabelecem os mínimos operacionais e se esses mínimos são menores para uma operação privada em relação a uma operação comercial, é de se esperar mais acidentes em operações privadas.

Desse modo, antes de contratar seu próximo fretamento, certifique-se de que está contratando uma aeronave operada por uma empresa homologada. Se o ponto de partida do seu fretamento não é atendido por uma empresa de táxi-aéreo, desconfie de soluções milagrosas.

O que difere um operador privado de um táxi-aéreo?

Além de comprovar que sua aeronave atende a requisitos mínimos de projeto e fabricação, o operador homologado – que passa por um longo processo de certificação junto à autoridade aeronáutica – deve seguir um conjunto claro de instruções, conhecido como “instruções do fabricante para aeronavegabilidade continuada”.

Tais instruções são requisitos de certificação e constituem a espinha dorsal e um guia com as orientações sobre o que deverá ser atendido durante o ciclo de vida da aeronave. Não obstante o fato de a legislação ser abrangente durante projeto e fabricação de uma aeronave, tão logo saia da fábrica com seu novo modelo, o operador fica submetido a um novo conjunto de regras, que estabelece os requisitos mínimos a serem seguidos durante o uso da aeronave.

O RBAC 91 abrange todas as categorias de operação, e estabelece as regras gerais a serem seguidas por todos. Um operador que se declara um “operador privado”, ou seja, que não fará uso comercial de sua aeronave, tem o RBAC 91 como principal regulamento a seguir. Para fazer uso comercial de sua aeronave, o operador deve se submeter tanto ao RBAC 91 como ao RBAC 135 (ou 121 se for uma linha aérea) e, dessa forma, cumprir como táxi-aéreo os requisitos do RBAC 91 “mais” os requisitos do RBAC 135.

Um operador de táxi-aéreo deve ter algumas posições-chave na empresa ocupadas por profissionais capacitados e aprovados pela Anac, dentre as quais diretor de Operações, diretor de Manutenção e SGSO. Deve, ainda, apresentar um programa de treinamento previamente analisado pela autoridade, bem como manter estrito controle sobre jornada de trabalho, manutenção recorrente, treinamento em simuladores e procedimentos operacionais padrão, que foram estabelecidos exatamente com o intuito de prover maior controle e segurança na operação da aeronave.

Ao contratar um TACA, o passageiro, muitas vezes inadvertidamente, abre mão da garantia adicional que todos esses itens proporcionam à operação. Sim, operar um táxi-aéreo é mais caro. Sim, voar e contratar uma aeronave operando de forma legal é mais caro e muitas vezes frustrante face à escassez de empresas homologadas, mas a pergunta final acaba sendo: abrir mão desses requisitos adicionais por uma redução de preço justifica o risco adicional?

Por Giuliano Agmont e Shailon Ian
Publicado em 05/12/2016, às 17h10 - Atualizado em 06/12/2016, às 10h50


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