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Ensaio em voo

Fácil pilotagem com visão panorâmica

Inspirado no projeto do avião tcheco Sport Cruiser, o Paradise Eagle chega ao mercado para disputar a categoria dos LSA com asa baixa e canopi bolha


Fotos Maurício LanzaA missão é avaliar o mais novo avião fabricado pela empresa Paradise. Desta vez, além de voar a máquina, vamos conhecer de perto os processos de fabricação.

A empresa fica situada no aeroporto de Feria de Santana, no interior da Bahia, para onde viajamos. Ao chegar lá, sou recebido por Bruno de Oliveira, sócio da empresa e neto do seu fundador, o senhor Noé de Oliveira. Desde jovem, Bruno esteve presente nos negócios da companhia de seu avô e hoje, aos 27 anos, formado em administração, é o chefe dos negócios e piloto de ensaios. Ele me apresenta o Seu Noé, como é mais conhecido. Aos 71 anos, esse industrial conta que, desde menino, desejava construir aviões, mas que, apenas nos anos 1990, passou a se dedicar em obter conhecimentos aeronáuticos para, em algum momento, realizar seu sonho. Fez várias viagens aos Estados Unidos e, no fim daquela década, conheceu o engenheiro Harry Riblett, já aposentado, que havia trabalhado para a Nasa. Assíduos frequentadores da feira de aviação esportiva de Sebring, na Flórida, conversaram com ajuda de intérpretes. Noé pediu ao novo amigo que desenvolvesse um perfil especial de asa capaz de atender aos requisitos aerodinâmicos que pretendia para o seu primeiro projeto de aeronave. Alguns meses depois, recebeu pelo correio um grande canudo vindo dos EUA. Ao abrir, qual não foi sua surpresa ao ver todo o projeto delineado. Assim, em 1999, começa a produzir ultraleves. Os voos iniciais foram realizados em Feira de Santana, local de origem de sua família, mas, tão logo ficou clara a viabilidade da produção em escala, deixou sua antiga empresa metalúrgica para um filho e rumou para Itaparica, com a pretensão de fabricar pelo menos duas aeronaves por ano. Instalado no aeroclube local, sentia-se no “paraíso” e, em 2001, criou a empresa Paradise Indústria Aeronáutica. Mas o paraíso se mostrou problemático nas questões de logística, recursos humanos e limites físicos das instalações. Finalmente, em 2007, voltou para Feira de Santana onde adquiriu um terreno de 63.000 m² e construiu as instalações atuais, com uma área coberta de 7.000 m².

Fotos Maurício Lanza
Pintura do PU-EGM lembra a dos aviões da Esquadrilha da Fumaça

PADRÕES ASTM
Ao começar o passeio pela fábrica, observo a amplidão das instalações. Pelo hangar há em construção inúmeras aeronaves, de modelos diversos. Segundo Bruno, hoje a Paradise fabrica cerca de 50 unidades por ano, além de revisar aeronaves de clientes. A empresa mantém uma política de recompra de aviões Paradise na encomenda de unidades novas. As usadas sofrem, então, uma revisão geral, com asas e fuselagem abertas, motores recondicionados, além da atualização do projeto. Em Feira de Santana, a Paradise conta com recursos humanos egressos dos cursos do SENAI e do Centro de Educação Tecnológica do Estado da Bahia - CETEB. “A empresa também recebe mecânicos de automóveis que demonstrem gosto pela produção de aeronaves. São cerca de 60 funcionários, em sua maioria nascidos na região”, complementa Bruno.

Noé não esconde seu orgulho de nordestino. “Ninguém dava muito por nós, mas conseguimos mostrar que os baianos podem fabricar aviões”, ele diz. Com pouca instrução, precisou de perseverança e astúcia para chegar onde está. Até o fim de 2012, o mercado brasileiro já absorveu 239 de suas aeronaves. Em 2007, a empresa conseguiu junto à FAA norte-americana a aprovação do seu projeto P1, como LSA (Light Sport Aircraft). Até agora, vendeu 19 aeronaves nos Estados Unidos e Austrália, uma delas adaptada para deficiente físico. Em 2009, foi premiada pelo “Highlands County Economic Development Commission” da cidade de Hightland, nos EUA, com o “Start-up Business of The Year”, melhor empresa iniciante de 2009. E, adicionalmente, recebeu do senador norte-americano Bill Nelson uma carta, parabenizando pelo prêmio. Também é certificada como fabricante de LSA pela África do Sul.

A empresa vem se adaptando aos padrões ASTM (American Society for Testing and Materials) para fabricação de toda a linha de aeronaves. Mais do que uma opção, os fabricantes de aeronaves leves devem se adequar a esses padrões por força da regulamentação que ampara a produção da nova categoria de aeronave leve ALE. A empresa também obteve junto à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) o CAFC (Certificado de Autorização para Fabricação de Conjuntos), que lhe dá o direito de fabricar os kits de suas aeronaves.

Ao longo da visita, acompanho parte da produção. O processo começa na máquina que corta as chapas de alumínio a partir da leitura digital da planta de cada peça. Em seguida, os perfis vão para a prensa hidráulica, que lhes dá forma tridimensional. Todas as peças são mergulhadas numa solução anodizante (Alodine), revestimento que as protegerá contra corrosão. O banho assegura que no intervalo das faces que se encontram na montagem não haverá acesso de umidade e consequente corrosão. Em seguida, uma gaiola serve de padrão para a montagem da fuselagem. As partes estruturais são inicialmente conectadas entre si e passam a receber as chapas de alumínio, fixadas provisoriamente com rebites reaproveitáveis. Os rebites definitivos serão aplicados quando todas as partes estiverem perfeitamente encaixadas.

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BOLHA DO CANOPI PERMITE UMA VISIBILIDADE AMPLA PARA FRENTE E PARA OS LADOS

PROJETO TCHECO
O Paradise Eagle surgiu como inspiração do projeto do Sport Cruiser, desenvolvido na República Tcheca. Pouco conhecido no Brasil, vinha sendo apresentado pela empresa norte-americana Piper, que, em 2008, oferecia o modelo como “entry level” de sua linha de aeronaves homologadas. Os norte-americanos pretendiam manter sua fabricação no país de origem e os vender nos EUA, como LSA. Apresentaram o produto em algumas feiras internacionais, mas, algum tempo depois, simplesmente desistiram dele. Alegaram reformulação de sua filosofia.

Fotos Maurício Lanza
Estabilizador horizontal traseiro do Eagle se move por inteiro, com o mesmo conceito dos Tupis e Coriscos

No avião nacional, a bequilha “louca” deu lugar a uma comandável. Isso facilitou o taxiamento para os pilotos novatos. Recuada em relação à do projeto Sport Cruiser, exige do piloto mais atenção com o piso. Afinal, buracos na pista poderiam provocar a colisão da hélice no solo ou mesmo uma pilonagem. Os tanques de combustível têm mais volume. Com 150 litros, permitem autonomia de 7 horas. As longarinas originais receberam reforços inspirados no modelo RV9/9A, também montado pela Paradise. No entanto, o manual do voo, que está sendo desenvolvido, ainda não fornece informações sobre o cálculo de balanceamento ou passeio do CG.

Segundo Noé, um dos maiores desafios do projeto nacional foi o desenvolvimento de um forno que pudesse moldar o canopi. Em formato de bolha, sem emendas ou arcos, a circunferência da semiesfera deve ser precisa e uniforme. Para isso, a técnica é posicionar a chapa de acrílico num aro instalado sobre um aquecedor, ligado a uma bomba de vácuo. No momento em que o acrílico estiver aquecido o suficiente, a sucção criada pelo vácuo moldará a bolha. Assim, a fábrica tornou-se independente de fornecedores externos, porque produz com menores custos e atende a seus clientes com mais agilidade. Quesito que sempre esteve presente no ideário da Paradise. Daí a importância de fabricar os próprios conjuntos.

Outra questão que mobilizou a empresa foi a criação de um sistema de rastreabilidade, previsto nas normas ASTM. Por isso, desenvolveu uma base de dados onde se pode registrar o número de série de cada componente. Se no futuro alguma aeronave apresentar falha estrutural gerada por um lote de matéria prima defeituosa, será possível saber em quais outras aeronaves há peças derivadas desse lote.

Segundo Bruno, o público alvo da empresa é composto de fazendeiros, médicos, advogados e engenheiros que exercem atividades em lugares distantes e precisam de um meio de transporte mais rápido que os já utilizados. Escolas de pilotagem também procuram seus produtos. Já há alguns Paradise Eagle “dando” aulas em Brasília (DF), Feira de Santana (BA) e, mais recentemente, em Atibaia (SP). E é lá que voaremos este asa baixa.

CORES DA ESQUADRILHA
Já em Atibaia, em uma manhã de domingo, Marcos Antônio dos Santos Silva, o comandante Paraíba, me aguarda. A aeronave a ser avaliada é o PU-EGM, pintado com cores que lembram os aviões da Esquadrilha da Fumaça. Como a dos Tucanos, a bolha do canopi permite uma visibilidade ampla para frente e para os lados, mas também produz os efeitos de uma lente de aumento, que converge os raios solares. Isso pode deixar o interior da cabine mais quente, já que, durante o táxi, a capota deve permanecer fechada. Começo a rodear o avião em busca dos detalhes. O primeiro aparece logo nas laterais. Duas entradas de ar permitem ventilação natural depois que o avião decola. E uma pequena cortina no topo do canopi atenua os raios solares. Logo atrás, o bagageiro, com disponibilidade para 20 kg, é de fácil acesso. A fuselagem tem linhas bonitas e esguias, que sugerem que o projeto tenha boa aerodinâmica. Seu estilo está em moda e promete manter-se atual por muito tempo. Porém, os rebites da fuselagem se mostram ligeiramente desalinhados, levantando a suspeita de que talvez fosse o caso de se aprimorar processos construtivos.

FAZENDEIROS, MÉDICOS, ADVOGADOS E ENGENHEIROS, ALÉM DE ESCOLAS DE PILOTAGEM, COMPÕEM O PÚBLICO ALVO DO NOVO PARADISE

O estabilizador horizontal traseiro é único, daqueles que se movem por inteiro. Com o mesmo conceito dos Tupis e Coriscos. Também utilizado no modelo P1, apresenta-se mais como solução logística do que ganho aerodinâmico, já que pela baixa velocidade de voo, o desempenho será o mesmo. A aeronave é baixa e subir na asa é uma tarefa fácil, mas algumas chapas do extradorso são muito finas, o que exige do piloto certo cuidado em não pisar fora do local demarcado.

Esta aeronave está equipada com o consagrado motor Rotax 912S, presente na grande maioria das aeronaves leves. O modelo de hélice utilizado na aeronave avaliada permite passo variável em voo, comandado por uma unidade eletrônica computadorizada. Nela o piloto escolhe entre os modos de comando manual ou automático para decolagem, subida e cruzeiro. No último modo disponível, o passo é nulo e o disco formado pelo giro da hélice serve como um freio aerodinâmico. Esse recurso, no entanto, exige certa experiência de operação, já que o comportamento aerodinâmico se altera. Por ser ainda uma aeronave experimental, pode estar equipada com passo variável em voo, mas, na futura categoria ALE (Aeronave Leve Esportiva), passos variáveis serão permitidos somente a partir de regulagens no solo.

O Eagle também está equipado com uma tela Dynon Skyview. Esse aviônico substitui os seis instrumentos básicos de voo e incorpora vários recursos interessantes, tais como a visão sintética, em que o relevo do solo é mostrado ao fundo da tela, em substituição à representação do céu e da terra. Também possui um piloto automático e portas lógicas para outros opcionais. No painel está instalado um navegador Garmin 795, último lançamento em termos de navegador portátil, além de um detector de trovoadas Strikefinder.

A quantidade e o modelo dos equipamentos embarcados faz variar o preço. A aeronave avaliada custou US$ 154,280.00. Com configuração básica, sairia por US$ 98,000.00. Por isso, cabe ao comprador avaliar a pertinência dos equipamentos opcionais. Além disso, deve considerar se o excesso de informações no painel pode ajudá-lo ou distraí-lo.

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PILOTAGEM SIMPLES
Taxiamos pela pista em uso e a irregularidade do solo foi pouco sentida dentro da cabine. Os checks na cabeceira são simples e rápidos. A decolagem é curta; por volta de 200 m consumidos. Na subida, o climb marca 700 pés por minuto, com velocidade de 70 nós. O dia está bom para voar e as paisagens da região de Bragança Paulista sempre encantam. Por lá, voamos a 4.000 pés de altitude, 75% de potência e 110 nós de Va. A posição do piloto na cadeira é alta e a visibilidade está ótima. O conforto durante o voo é muito bom. Há uma combinação de vários fatores positivos: baixo nível de ruído e vibração, e bom formato dos assentos que permite uma pessoa de 1,80 m de altura se acomodar muito bem, além da leveza e suavidade dos comandos de voo.

Na medida em que nos aproximamos do aeródromo de Bragança Paulista com a intenção de realizar um toque com arremetida, percebo que a redução da potência do motor não altera a rpm, compensada automaticamente pelo sistema eletrônico de passo. O planeio na perna base e reta final é suave e com boa visibilidade da pista. Arredondamento sem sustos, toque sem tendências de guinada e arremetida com controle manual fácil, sem torque significativo. Uma aeronave simples de pilotar em baixas velocidades. O ajuste do passo da hélice exige uma ação adicional do piloto, mas atende prontamente à rotação que se pretende obter do motor. Rumamos de volta e aos poucos a sensação deixada pelo voo é bastante agradável. Mais um pouso em Atibaia para confirmar a facilidade de operação desse projeto singular.

O surgimento do Paradise Eagle no mercado brasileiro é uma boa novidade. Vem se somar aos demais modelos de ultraleves de asa baixa na oferta de produtos aos amantes desse estilo de aeronave. Também acirra a concorrência, que provavelmente responderá com mais qualidade construtiva, redução de custos de operação e melhor suporte técnico. É visível o crescimento do número de usuários de aeronaves leves, especialmente aqueles que compram seu primeiro avião. Especialmente para eles, possuir uma aeronave deve ser uma experiência agradável. O modelo avaliado tem tudo para isso.

Fotos Maurício Lanza
Tela Dynon Skyview substitui seis instrumentos básicos de voo e incorpora vários recursos como a sintética

Jorge Filipe Almeida Barros | Fotos Maurício Lanza
Publicado em 26/02/2013, às 05h54 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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