AERO Magazine
Busca

Especial - Oshkosh 2011

Experimental dos sonhos

O Boeing 787 Dreamliner foi a estrela maior de uma airventure recheada de grandes atrações e pitorescos personagens


Uma flla gigantesca se formou no Wittman Field para conhecer de perto a principal novidade da feira

Em um evento organizado pela EAA (Experimental Aviation Association), o avião de maior sucesso, capaz de monopolizar a atenção de uma audiência de quase meio milhão de pessoas, só poderia ser experimental, certo? E, claro, não poderia ser um experimental qualquer. Teria de ser feito quase inteiramente de material composto, equipado com motores e aviônicos de última geração, além de exibir um desenho inovador. O avião de maior sucesso da AirVenture 2011 reúne todas essas qualidades e uma outra: é um dos maiores experimentais da praça. No espaço compreendido entre apontar na cabeceira sul da pista principal do Wittman Field pouco depois das 9h da sexta-feira, 29 de julho, e levantar voo dessa mesma pista no final do dia, o 787 Dreamliner, da Boeing, ofuscou as demais atrações do maior evento da aviação mundial.

NÚMEROS DO SHOW
541 mil visitantes e mais de
10 mil aeronaves, dentre as quais:

974 eram homebuilts;
899 eram aviões antigos;
367 eram warbirds;
94 eram ultraleves;
92 eram hidroaviões;
36 eram de acrobacia;
30 eram de asas rotativas;
30 não cabiam em nenhuma dessas categorias.

E olha que a AirVenture estava recheada de estrelas. Nunca se viu como nessa edição tantas aeronaves da Marinha juntas, reunidas que foram para comemorar o centenário da aviação naval americana. O evento também poderia ser lembrado pela passagem de um outro gigante: Fifi, único remanescente do maior bombardeiro americano da Segunda Guerra, o B-29 Superfortress. Ou ainda pelo apelo dos anos românticos e heroicos da aviação representado por algumas das primeiras aeronaves que serviram ao Correio Aéreo Americano, que também completa 100 anos. Mas ninguém foi páreo para o Dreamliner.

Quando o 787 desligou os motores depois de taxiar e começou a ser rebocado para uma posição bem no centro da West Ramp, a multidão acompanhou o percurso como numa procissão, seguindo lentamente atrás do jato. Uma fila enorme se formou assim que o Boeing terminou de estacionar. Todo mundo queria conhecer o interior da aeronave, porque ela iria embora dali algumas horas. O primeiro a subir a bordo, numa deferência especial, foi o fundador da EAA, Paul Poberezny. Depois foi a vez de alguns veículos especializados, incluindo a reportagem de AERO.

O interior do 787 é o de um avião em teste. Ele está tomado por aparelhos, o recheio das paredes e do teto fica à vista, e os acessórios da configuração típica de um jato comercial aparecem aos pedaços, como uma sequência de poltronas e de bins. A cabine de passageiros é quase inteiramente ocupada na largura por uma série de decks com computadores e medidores, que imprimem relatórios de dados na forma dos mais variados gráficos. No espaço que seria da primeira classe foram colocados nove tanques cilíndricos. Todos contêm água e servem para medir o comportamento dinâmico da aeronave, além de variáveis como o desempenho dos motores em condições severas.

Dispositivo pendurado no leme vertical do protótipo do Boeing 787 mede parâmetros relacionados à velocidade do ar
#Q#

ELA MANDA, ELES OBEDECEM
O interior do MH-53E Sea Dragon, o maior helicóptero militar americano, é escuro, cheira a combustível e os bancos - se é que podem ser chamados assim - são de um desconforto espartano. E tome cuidado para não encostar-se a nada. É quase certo que você vai sair com a roupa suja de óleo ou de graxa. Não se trata, definitivamente, de um ambiente para mulheres. Mas ali a comandante Sara Santosky (foto) se sente em casa. Mais do que isso: ela manda no pedaço. Em maio do ano que vem, aos 40 anos, Sara vai assumir a direção do 15º Helicopter Mine Countermeasures Squadron, da base de Norfolk, no estado da Virginia (EUA). O 15º é o maior esquadrão operacional da Marinha americana voando o MH-53E.

Sara é loira, tem um rosto bonito, sorriso idem, e o corpo é típico de piloto americano: compacto e forte (verdade que aquele macacão verde dos pilotos esconde as curvas femininas). Ela fala rápido, é direta e tem senso de humor. Que tal comandar um monte de homens? "Fiz isso a vida toda", ela responde, abrindo um sorriso maroto. Sara nasceu e viveu até os 17 anos em Wisconsin Rapids, cidade próxima a Oshkosh. A vizinhança com a sede da EAA (Experimental Aviation Association) despertou na menina a paixão pelo voo. Só que em vez dos aviões, ela escolheu os helicópteros. Em 1995, Sara entrou para a Academia Naval de Annapolis. Formou-se oficial e piloto no rastro de uma carreira meteórica. Serviu em cidades como San Diego e Millington, nos Estados Unidos, na Cidade do Panamá, e participou de missões embarcadas no Líbano e no Barhein.

O Sea Dragon era uma das atrações que mais chamava a atenção do público entre as aeronaves que comemoravam os 100 anos da aviação naval americana, tema da AirVenture 2011. Sara e a tripulação do MH-53E atendiam ao público com paciência e atenção na West Ramp, onde o helicóptero estava estacionado, debaixo de um sol de quase 40 graus. Um detalhe se destacava em meio à fuselagem escura da aeronave: um recorte de jornal pregado numa das laterais dava conta da promoção de Sara. A ideia partiu da tripulação como uma homenagem à comandante. Assim, ela se tornou, um tanto a contragosto, uma atração tão concorrida quanto o enorme helicóptero que pilota.

SÓ FALTAVA UM CARRO (QUE VOA)
O anúncio de duas aposentadorias surpreendeu a aviação geral recentemente: a de Jack Pelton, CEO da Cessna, em maio, e, logo depois, a de Burt Rutan (foto). Oficialmente, a saída de Pelton foi tratada como simples aposentadoria. Mas nos corredores de Wichita, sede do fabricante americano, os comentários davam conta de que seu afastamento teve a ver com as perdas sucessivas que a empresa amargou nos últimos anos, a despeito de ter liderado a renovação da linha de monotomores da marca e de ter fincado a bandeira da Cessna na categoria dos LSA com o lançamento do Skycatcher. Burt Rutan deixou o dia a dia da Scaled Composites, em Mojave, na Califórnia, pelo cargo honorífico de fundador e chairman emérito da empresa. Mas vai ser difícil imaginar aquele senhor de imensas costeletas e sempre metido em camisas jeans longe do batente. Afinal, no fio de uma carreira de 46 anos como criador de aviões, ele assinou nada menos do que 60 projetos em praticamente todas as categorias de aeronaves: ultraleves avançados, monomotores, aviões comerciais, balões, caças, foguetes e aeronaves espaciais.

Por isso, Burt Rutan sempre foi tratado como mito na Air Venture e ganhou uma homenagem pelos serviços prestados à aviação geral. Algumas de suas criações foram reunidas na West Ramp, o palco principal do Wittman Field: o VariViggen, seu primeiro avião, os protótipos do VariEze, o Williams V Jet II, o Boomerang, um de seus preferidos, o raro Catbird, entre muitos outros. Ali, lado a lado, esses aviões mostravam que a marca registrada de Rutan sempre foi a inovação, fruto, entre outras coisas, de um espírito inquieto A prova de que ele não para, mesmo anunciando a aposentadoria, foram as imagens que exibiu de seu mais novo projeto, o BiPod, avião de fuselagem dupla que promete se transformar em carro. Segundo Rutan, basta o piloto desembarcar do avião, remover as asas e colocá-las num compartimento na fuselagem. "Operação que poderá ser feita por uma única pessoa em cerca de 10 minutos", garante. Como se trata de Burt Rutan, é bom não duvidar.

A cabine de comando é funcional. Piloto e copiloto têm à frente um head-up display duplo e aviônicos do tipo touch screen, que reúnem as informações de voo e os parâmetros de funcionamento da aeronave. O que os americanos chamam de dual eletronic flight bag elimina a papelada na cabine e torna a vida dos pilotos menos trabalhosa antes, durante e depois do voo. E, diferentemente da Airbus, que optou pelo joystick, a Boeing manteve o tradicional manche.

Como o interior do 787 não está configurado como um típico avião comercial, é difícil avaliar se ele será mais confortável para os passageiros como a Boeing alardeia. O que se pode afirmar é que a cabine parece, de fato, mais larga e mais espaçosa que a do Airbus A330, com quem o Dreamliner vai concorrer. Este repórter, com 1m77 de altura, ficou parado no ponto da cabine em que a distância entre o chão e o teto é maior, esticou os braços para cima e as pontas dos dedos ficaram longe do teto. As janelas também são maiores do que a de outros aviões, como garante a Boeing.

Do lado de fora, o que mais chama a atenção são as asas. A construção em material composto permitiu moldar uma superfície fina e elegantemente curvada, além de dotá-las de uma empenagem acentuada. Muita gente também ficou curiosa para saber a finalidade de um pequeno cone pendurado no leme vertical. Trata-se de um dispositivo de teste para medir parâmetros relacionados à velocidade do ar, como arrasto e turbulência. Quem olhasse para o trem de pouso e para as rodas veria ali enroscada uma série de fios de um laranja chamativo. Esses fios também estavam por toda a cabine. Eles abastecem de dados os computadores e gravadores embarcados e sua cor é uma indicação para a equipe envolvida no projeto de que eles não devem permanecer nos aviões a serem entregues.

CONSTRUÇÃO EM MATERIAL COMPOSTO PERMITIU MOLDAR SUPERFÍCIES FINAS E CURVADAS NO DREAMLINER

O protótipo visto em Oshkosh começou a ser construído em 2006, fez seu primeiro voo em dezembro de 2009 e se encontra em fase final dos testes de certificação com os novos motores Rolls-Royce Trent 1000. A parte de trás das naceles dessas turbinas traz um desenho dentado, cuja finalidade é torná-las mais silenciosas. A Boeing garante que o 787 consumirá cerca de 20% menos combustível que os concorrentes. Isso poderá ser respondido pelos seus futuros operadores. Quanto ao ruído, não há dúvida de que o novo modelo é silencioso. No final da sexta-feira, ele acelerou suave e foi embora do Wittman Field fazendo menos alarde do que a multidão que parou para vê-lo decolar. O 787 voa silenciosamente - e bonito.

#Q#

VOLTA TRIUNFAL DE Fifi O novo jato da Boeing era o maior experimental da AirVenture e o B-29 Fifi era o maior warbird. Foi uma volta triunfal depois de 16 anos de ausência - o veterano bombardeiro estivera em Oshkosh pela última vez em 1995. Fifi voltou rejuvenescida. Foram quatro anos de trabalho nos quatro motores Wright R-3350. O exemplar faz parte da frota da Comemorative Air Force, entidade civil americana que detém uma das maiores coleções privadas de aviões militares, com mais de 150 modelos. Fifi é o único B-29 voando no mundo. Foi resgatado do deserto de Mojave nos anos 1960, pouco antes de se tornar alvo para testes de armas da Marinha.

Helicópteros da Marinha participaram em grande número da comemoração dos 100 anos da aviação naval americana

O B-29 foi o maior bombardeiro da Segunda Guerra. Entrou em operação em 1944 e revelou-se decisivo para o desfecho do conflito. A bomba atômica lançada sobre Hiroshima, no Japão, por exemplo, partiu de um B-29. Na sexta- -feira, quando voou ao lado de outros exemplares da guerra no show que simulava um bombardeio, Fifi deu uma ideia de como devia levar pânico às linhas inimigas. Mesmo depois de tanto tempo, o ronco dos seus motores permanece poderoso e assustador.

ESPECIALISTA EM RONCO
"Esse eu conheço pelo barulho: Sean Tucker", disse Bob Hoover (foto), fazendo graça depois de interromper mais uma vez a conversa com os jornalistas por causa do barulho dos aviões. Mesmo numa sala fechada do centro de imprensa, a quase 500 metros da pista do Wittman Field, o ronco dos aviões encobria a voz do velho piloto. Pela variação da aceleração do motor, Hoover é capaz de adivinhar a manobra em execução e de identificar quem vai ao manche.

Não causa surpresa que seja capaz de tal façanha. Ele praticamente inventou a moderna acrobacia americana e inspirou uma legião de pilotos que se apresentam todos os anos em Oshkosh, como Sean Tucker. Hoover se tornou uma lenda por fazer manobras que pareciam impossíveis em aviões como o Shrike e o P-51. Antes disso, lutou na Segunda Guerra, foi abatido no sul da França, feito prisioneiro dos alemães, e conseguiu escapar ao roubar um FW-190 do inimigo e pilotá-lo até as linhas aliadas, na Holanda, no final do conflito. Hoover também lutou uma outra batalha. Essa particular, e muitos anos depois da Segunda Guerra, quando já tinha se consagrado como o maior piloto americano de acrobacia. Ele queria continuar com suas manobras mesmo numa idade em que isso parecia impossível aos burocratas da FAA, o órgão regulatório da aviação americana. Essa ele perdeu e teve a licença de piloto revogada por motivos médicos no início dos anos 1990.

Hoje, aos 89 anos, Hoover parece cansado. Sofreu um acidente de carro no ano passado, que acabou limitando o movimento dos braços. Continua magro e longilíneo, mas está um tanto encurvado. Perguntei se sentia falta dos aviões. "Tive o suficiente. Fui feliz. Agora prefiro assim: ouvir de longe o ronco deles".

DURO É ESPERAR PRA VOAR O BICHINHO
A AirVenture é como uma Disneylândia para os amantes da aviação. Nenhum outro evento do gênero reúne tantas aeronaves de todos os tipos, ou exibe tamanha oferta de equipamentos para voo: de aviônicos a headsets, de equipamentos de GPS a hélices. Os mais de 200 brasileiros que estiveram ali este ano foram para ver as aeronaves e comprar uma coisa ou outra. Foi assim também para Luiz Violato (foto). Desde 2002, ele não perde uma edição da AirVenture em razão dos aviões, shows aéreos e também por causa de algumas ofertas. Este ano, por exemplo, ele comprou um Cessna Skycatcher. A reserva ficou em US$ 5 mil, que serão abatidos do preço final do avião quando ele for entregue em 2014: US$ 125.250, corrigidos até lá pela inflação americana.

O Skycatcher é o segundo avião que ele compra em Oshkosh. No ano passado, Violato adquiriu um Cessna 206 Stationair. "Uso os aviões para trabalho. É que de carro na fazenda você não anda", explica, com a fala tranquila da gente do interior. Violato é paranaense, mas está há anos em Cacoal, a quarta maior cidade de Rondônia. Tem um posto de gasolina e imóveis na cidade, e uma fazenda de gado de corte, que soma cerca de 20 quilômetros de extensão. É por isso que ele usa aviões e não um carro para percorrer a propriedade. Sobre rodas, ele levaria um dia inteiro. "De avião é mais fácil. Eu sobrevoo a terra, vejo se tem alguma coisa errada e depois converso com o encarregado". Violato emprega um piloto, mas é comum ver ele ou o filho, Rafael, que também pilota e acompanha o pai nas viagens a Oshkosh, ao manche do 206.

O Skycatcher será usado mais por Rafael. "Dureza é esperar até 2014 pra voar o bichinho, confessa o jovem, que ajudou Violato a escolher o modelo no estande da Cessna. Numa região como a Amazônia, em que o avião costuma ser o único meio de transporte, Violato vislumbra um novo empreendimento: um táxi aéreo. E talvez, no ano que vem, ele e Rafael estejam em Oshkosh atrás de um novo avião.

#Q#

Ao lado de Fifi foi exibida uma coleção de warbirds poucas vezes vista em Oshkosh. A reunião de tantos modelos teve a ver com a comemoração dos 100 anos da aviação naval americana, que vitaminou o Wittman Field de raridades. Só para citar alguns deles: o Fairey Swordfish, usado como torpedeiro e bombardeiro pela Marinha britânica; o bombardeiro Curtiss Helldiver, o torpedeiro TBM-3 Avenger, e o bombardeiro de mergulho SBD Dauntlees, todos usado pela Marinha americana no teatro do Pacífico; um raro Mitsubishi Zero; e um ícone da Guerra do Vietnã, o helicóptero UH-1B Huey. O exemplar foi primorosamente restaurado por uma empresa do Texas e traz no nariz o emblema da unidade a que serviu, a Hal-3 dos Seawolves.

Kent Pietsch pousa seu Interstate Cadet sobre um caminhão em movimento

Outro trabalho primoroso foi o realizado pelo ex-piloto naval americano Bob Coolbaugh, com ajuda do amigo Andrew King. Ele construiu uma réplica do primeiro avião a pousar no deck de navio americano, ou seja, o avô dos aviões embarcados. Trata-se do Curtiss Pusher, um modelo de 1911. A cópia saiu tão perfeita que o projeto acabou incorporado às comemorações da Marinha americana. A estrutura em madeira da asa, feita com uma espécie de bambu asiático, lembra a das asas do 14-Bis de Santos-Dumont. Outra curiosidade é o manche, na verdade, um volante de automóvel, como no original. O Curtiss Pusher trazia de volta uma época em que voar exigia um tanto de destreza, outro de pioneirismo e muita coragem. Foi assim que Earle Ovington inaugurou o Correio Aéreo Americano, ao fazer os primeiros voos do gênero em 1911 a bordo de um Bleriot XI, cuja réplica podia ser vista ao lado de outras aeronaves históricas que comemoravam os 100 anos da instituição.

Coragem e ousadia foi o que o mostrou Skip Stewart a bordo de seu Pitts de 330 hp. Novato nos shows aéreos de Oshkosh, Stewart fez um show repleto de adrenalina por causa das manobras vertiginosas e também por voar a poucos centímetros do chão. Antes de cortar uma fita esticada alguns metros acima da pista, ele realizou uma passagem com o Pitts de dorso por debaixo dela, fazendo muita gente prender a respiração e pensar no pior. O show de Kent Pietsch com um Interstate Cadet 1942 foi completamente diferente, mas igualmente imperdível. Ele mostrou destreza e precisão impressionantes. Um de seus números consiste em subir com o Cadet até uma altura de mais ou menos 2.000 metros, desligar o motor e, então, descer realizando movimentos que parecem impossíveis para quem não conta com a força do motor. No outro número, depois de uma série de acrobacias, Pietsch pousa com o Cadet sobre um caminhão em movimento. É de tirar o fôlego, como toda edição da AirVenture.

DE SEATTLE PARA OSHKOSH
Duzentas horas somadas. Essa é a experiência de voo de dois mineiros, de 24 e 22 anos, que saíram de Seattle, na costa do Pacífico dos Estados Unidos, a bordo de um Cessna Skyhawk 1982, atravessaram as Montanhas Rochosas, e no terceiro dia de viagem pousaram no Wittman Field, em Oshkosh, para curtir a AirVenture 2011. Nos EUA, Gustavo Junqueira e Felipe Thomé (foto) estão realizando o desejo de ganhar asas. Lá, depois de uma nevasca em uma estação de esqui, Gustavo conheceu Don Johnson, um aposentado americano de 65 anos, que se comoveu com sua história e resolveu ajudá-lo a voar. "O Don é um ex-alcoólatra de bom coração que escapou do vício e agora vive para ajudar os outros", explica o brasileiro, que resolveu propor um negócio ao seu benfeitor. Com o dinheiro que gastaria pagando o curso de pilotagem para Gustavo, Don poderia comprar um monomotor nos Estados Unidos e depois revendê-lo com lucro no Brasil. E assim foi feito.

De julho a dezembro do ano passado, Gustavo fez suas aulas de pilotagem no Boeing Field, o aeroporto usado pela Boeing em Seattle. Depois de alguma procura, ele encontrou o Skyhawk 1982 à venda em San Diego, na Califórnia. "Apaixonei com ele", diz usando o mineirês para explicar o amor à primeira vista pelo Cessninha matrícula N55473. Fechou negócio e levou o avião para Seattle numa viagem de três dias. Ele tinha então acabado de tirar o brevê com apenas 14 horas de voo. Foi sua primeira aventura.

A segunda começou a tomar forma quando Felipe se juntou a ele em Seattle. Assim como o amigo, Felipe tirou seu brevê nos Estados Unidos. "Saiu mais barato do que no Brasil", compara. Juntos, decidiram conhecer Oshkosh como uma boa parte dos americanos: chegaram ao Wittman Field voando. Estacionaram o Cessna na North 40, roll 561, ao lado de algumas das 10 mil aeronaves que a AirVenture recebeu neste ano. Durante a viagem, eles se revezaram no comando do avião. Levaram três dias e 15 horas de tempo perfeito de Seattle até Oshkosh. "A parte mais tensa foi pousar no Wittman Field, por causa da quantidade de aviões", diz Felipe. O único problema foi a chuva forte que inundou a barraca deles, armada ao lado do avião. Na volta para Seattle, começaria a terceira aventura, o retorno ao Brasil.

#Q#

OS BASTIDORES DA FEIRA
- A crise impactou a AirVenture 2011. Um dos reflexos foi a ausência de figurinhas carimbadas no Wittman Field, como a Nasa. Nos últimos oito anos, a agência espacial americana ocupou um pavilhão inteiro em frente à área dos homebuilts, mas em 2011 não deu as caras. Em contrapartida, a Rotax chegou, em Oshkosh, ao impressionante número de 40 mil motores vendidos da linha 912/914.

- Chegando ao Wittman Field já dava para perceber uma grande diferença dessa para outras edições da AirVenture: em vez do blimp da GoodYear, via-se no céu, majestoso, o dirigível da Farmers (foto), companhia de seguros americana. Trata-se da maior e mais moderna aeronave do gênero no mundo. O charutão, de 75 metros de comprimento - 4,5 metros a mais que um Boeing 747 -, foi construído pela Zeppelin Luftschifftechnik GmbH, em Friedrichshafen, na Alemanha. Sim, a mesma empresa responsável pelos famosos dirigíveis alemães usados para transportar passageiros e também como bombardeiros na Primeira e na Segunda Guerras.

- A AirVenture abrigou em sua programação o segundo Simpósio Mundial de Aeronaves Elétricas, que reuniu empresas e pesquisadores que estão investindo no segmento. Foram exibidas diversas aeronaves que já voam movidas a eletricidade: o ultraleve Lazair, que usa um motor de 13 hp alimentado por baterias de lítio; o Taurus G4, da Pipistrel, um elegante LSA de fuselagem dupla para quatro pessoas, cujo motor chega a 200 hp; o Elektra One, LSA de um lugar da alemã PC-Aero, capaz de cruzar a 160 km/h e oferecer 400 km de autonomia; e o Firefly, projeto da Sikorsky que adaptou um motor elétrico de 190 hp em um Schweizer S-300C. Até o momento, o protótipo é capaz de voar durante 15 minutos usando a energia de baterias de lítio.

- Esse foi o ano dos aviônicos touch screen em Oshkosh. A Garmim exibiu o GTN 750/650, que combina GPS e controles de voo. A Rockwell Collins lançou o seu primeiro sistema com touch screen, o HGS-3500. E a Avidyne colocou à venda o IFD540, que funciona como substituto para o popular GNS530, da Garmim.

- A AirVenture reuniu três astros de primeira grandeza do showbis: os atores Harrison Ford e Gary Sinise, e o diretor George Lucas. Harrison, que é piloto, foi até Wittman Field apresentar um sucesso que estrelou em 1994, Perigo Real e Imediato. George Lucas exibiu em primeira mão o trailer de seu novo filme - Red Tails -, que conta a história de um esquadrão de pilotos americanos, todos negros, que fazia a escolta dos bombardeiros na Segunda Guerra. Sinise voltou pela terceira vez à Oshkosh com sua banda de covers, a Lt. Dan Band.

- Dizem que um raio dificilmente cai no mesmo lugar duas vezes. Isso quase aconteceu em Oshkosh. Na quinta-feira, por volta das 11h, um F-16 da Guarda Nacional varou a pista durante o pouso, quebrou o trem de pouso dianteiro e terminou com o nariz enterrado na grama, logo depois da cabeceira norte da pista principal do Wittman Field. O piloto nada sofreu. Horas mais tarde, por volta das 15h, a pista também acabou para um Fury que desceu em alta velocidade. O velho caça, por sorte, parou a poucos metros do F-16, que continuava na mesma posição: beijando a grama.

- Com 297 pessoas, o Brasil foi o terceiro país com o maior número de integrantes entre os 1.994 visitantes internacionais que estiveram na AirVenture 2011. Como sempre a operadora Candiota engrossou a tradicional Parada Internacional, que acontece às sextas-feiras no Wittman Field. Os mais de 200 clientes da Candiota (foto), devidamente uniformizados com as cores da nossa bandeira, animaram o desfile com a sua ruidosa alegria.

Gerson Sintoni | Fotos Ricardo Beccari
Publicado em 13/09/2011, às 07h02 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


Mais Reportagens