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Brasil pode ter uma companhia low cost?

Preços das passagens aéreas no país embutem custos de produtos e serviços que deveriam ser opcionais


Algumas das companhias aéreas fundadas no Brasil na última década surgiram com a promessa de, com tarifas baixas, ajudar a democratizar o transporte aéreo. Aliadas ao crescimento da economia, atingiram parcialmente esse objetivo já que, nos últimos anos, milhões de brasileiros entraram no antes luxuoso mercado do transporte aéreo. Mas elas são, de fato, companhias de baixo custo, ou de low cost?

Na Europa, é possível adquirir passagens para voos internacionais por 10 ou 20 euros, sem grande esforço. No Brasil, normalmente falamos em centenas ou milhares de reais. É claro que a falta de concorrência e o mercado aquecido explicam parte da alta dos preços. Mas e se o cenário fosse inverso? E se várias companhias disputassem um passageiro?

Uma companhia aérea, como qualquer empresa, busca o lucro. Assim, suas receitas precisam superar suas despesas. Mesmo em uma situação de crise, com pouca demanda, existe um custo mínimo de cada passagem, para que a companhia não opere no vermelho. É preciso dividir o total de seus custos, entre todos os bilhetes que espera vender, acrescentando sua margem de lucro.

Carga tributária elevada e legislação trabalhista arcaica são as razões pelas quais se diz que tudo no Brasil é caro. E os brasileiros, voltando do exterior, cheios de compras, confirmam essa teoria. Isso já afastaria a possibilidade de uma passagem de 20 reais, ainda que para um voo de curta duração. Mas as companhias aéreas enfrentam um problema adicional: o excesso de regulamentação. Fazendo uma comparação simples com um restaurante, por exemplo, seria como termos leis determinando que eles tenham sites informando o tempo de preparo dos pratos, que o espaço entre as mesas seja publicado, que a comida chegue à mesa em determinada temperatura e, em se tratando de uma pizzaria, que sirva sempre bordas recheadas.

É possível imaginar um benefício, pois estaríamos livres da comida fria, do aperto e de outros problemas. Mas um prato simples, que hoje custa 15 reais, provavelmente custaria 35 reais. Isso não acontece nos restaurantes. E por isso podemos escolher se queremos comer um prato simples, em um restaurante simples, e gastar pouco, ou gastar muito com atendimento e pratos requintados.

Assim funciona o transporte aéreo na Europa. Respeitado o limite óbvio da segurança – como um restaurante respeita os limites da vigilância sanitária – é possível escolher entre um assento para voar pontualmente, já que a infraestrutura aeroportuária possibilita isso, ou voar com conforto extra, pernas esticadas, TV individual a bordo, entre outros luxos.

O consumidor brasileiro se acostumou a não ter escolha. E na aviação a própria lei se encarrega de exterminar essa possibilidade, pois aqui o modelo simples é proibido. As empresas são obrigadas a fornecer, cobrando do passageiro por óbvio, coisas que não interessam a nenhum dos dois. Cada companhia deve ter um equipamento para embarque de passageiros com mobilidade reduzida, em cada aeroporto, pagando por ele uma pequena fortuna, usando-o talvez uma vez ao ano. O aeroporto não poderia ter um ou dois equipamentos para todos?

OS EUROPEUS ESCOLHEM ENTRE PAGAR QUASE NADA E VOAR DE FORMA BASTANTE SIMPLES, MAS SEGURA, OU PAGAR MAIS POR ALGO DIFERENCIADO

Cada passageiro tem, por lei, o direito de despachar uma ou mais malas, dependendo do destino, sem custo adicional. Cada executivo que cruza os céus com sua pasta em mãos, paga por essa mala que não levou. Cada companhia, mesmo uma estrangeira com um voo semanal, deve ter uma central 24 horas, 61e ter estrutura para fornecer refeições e hotéis se um aeroporto arcaico fecha por falta de infraestrutura.

Os europeus escolhem entre pagar quase nada e voar de forma bastante simples, mas segura, ou pagar mais por algo diferenciado. E nós pagamos caro porque falta infraestrutura e concorrência, mas também porque alguém já decidiu por quais serviços devemos pagar, mesmo sem termos sido consultados. Contra o interesse das companhias, que gostariam de gastar menos, e poder cobrar menos, para vender mais, mas principalmente contra o passageiro. A tal “defesa do consumidor”, nesse caso, é um verdadeiro tiro no pé.

*O advogado Guilherme Amaral é especialista em direito aeronáutico e sócio do Aidar SBZ Advogados

Guilherme Amaral*
Publicado em 28/02/2012, às 14h31 - Atualizado em 27/07/2013, às 18h45


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