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Big Data, a próxima fronteira

O desafio da indústria da aviação regular nas próximas décadas será usar de modo inteligente os dados brutos coletados de seus sistemas de comunicação e informação, integrados e conectados, em solo e em voo


A principal obra no agora chamado GRU Airport poucos poderão ver. Ela acaba de ser inaugurada sem grande alarde e promete garantir inteligência ao maior aeroporto da América Latina. Trata-se da central de dados, responsável pelo processamento de todo o sistema de informação de Guarulhos. “É o coração do aeroporto, dimensionado não só para suportar o aumento do tráfego de dados eletrônicos nas próximas décadas como também funcionar ininterruptamente”, garante Luiz Eduardo Ritzmann, CIO do GRU Airport. “É um bunker, com paredes capazes de suportar até tiros de bazuca e redundâncias nos sistemas de refrigeração e fornecimento de energia, além de alta capacidade para rodar tanto o sistema de gerenciamento de identificação e acesso dos terminais como toda a arquitetura de integração de softwares do aeroporto”. Uma das principais funções dessa fortaleza tecnológica é justamente o armazenamento de dados. Essa missão será particularmente importante para que o aeroporto esteja pronto para participar do que muitos acreditam ser o principal desafio gerencial deste século, o Big Data.

“Teremos, ainda nesta década, uma dos 20 melhores aeroportos do mundo. Vamos começar a operar o A380 em outubro e precisaremos em 2017 de uma terceira pista”

Luiz Eduardo Ritzmann, CIO do GRU Airport

O Big Data é um conceito bastante difundido entre os especialistas da área de TI. Como o próprio nome sugere, a expressão se refere ao emaranhado de informações eletrônicas que um sistema processa, e armazena. Ou seja, é uma “mina de ouro” praticamente inexplorada. Segundo se espera a partir do aumento da velocidade dos processadores, a interpretação e o uso racional dessa base bruta de dados dará às organizações a oportunidade de conhecer e interagir melhor com as pessoas envolvidas em seus processos, sobretudo diante da consolidação da convergência digital e da conectividade multiplataforma. No ambiente aeronáutico, esse trabalho de “transformar dado em informação” cria uma infinidade de possibilidades, envolvendo companhias aéreas, passageiros, gestores de aeroportos, controladores de tráfego aéreo, empresas de catering, autoridades policiais, alfandegárias e sanitárias, lojas de terminais, entre outros agentes. Na prática, isso significa “personalizar” as relações.

Aeroporto inteligente

O Big Data e os investimentos no GRU Airport foram tema do Air Transport It Summit 2013, realizado em Bruxelas, na Bélgica, no fim do último semestre. O evento, promovido pela Sita, empresa criada por companhias aéreas nos anos 1940 e que hoje provê soluções nas áreas de TI e comunicações para o transporte aéreo, contou com especialistas de diferentes empresas e discutiu o futuro da aviação, como se viu na palestra do professor e engenheiro aeroespacial John-Paul Clarke, diretor do laboratório de Transporte Aéreo do Georgia Institute of Technology. Ele acredita que os aeroportos tem no que ele chama de “predictive analytics” uma poderosa ferramenta para tomar decisões proativas, tornando a operação mais eficiente ao analisar estatísticas para prever tendências e padrões de comportamento. “Em aviação, esse processo já garante o sucesso na seleção, recrutamento e treinamento de pilotos, na manutenção preventiva de aeronaves, na redução de overbooked e no reconhecimento de passageiros frequentes”, constata o professor. “É preciso usar essa expertise agora na operação dos aeroportos, que são os nós do transporte aéreo e geram insatisfação dos usuários com congestionamentos e atrasos causados por ineficiência e incapacidade de dar vazão à circulação em rampas, alfândegas, imigração e demais obstáculos”. Para o professor, o desafio é compartilhado por diferentes agentes, que precisam fazer as perguntas corretas ao analisar os dados. “Hoje, as análises são retrospectivas. Os gestores precisam usar os dados para prever onde e quando congestionamentos e atrasos vão acontecer para poder, então, atuar de forma preventiva”.

Em sua apresentação sobre o GRU Airport, Luiz Eduardo Ritzmann detalhou algumas novas características do novo terminal 3, que deverá ficar pronto antes da Copa de 2014 . “Teremos, ainda nesta década, uma dos 20 melhores aeroportos do mundo, incorporando o máximo possível de processos eletrônicos e automáticos e facilitando o trânsito dos passageiros”, assegura Ritzmann. O GRU Airport pretende se enquadrar no conceito de aeroporto inteligente. Uma das inovações é justamente a incorporação de um sistema de gerenciamento da Sita, o AMS, que estará totalmente operacional já em outubro próximo. Além de cerca de 1.000 novos displays eletrônicos espalhados pelos terminais com informações em tempo real sobre portões de embarque, esteiras de bagagem e outras orientações importantes para os passageiros, o aeroporto ganhará uma central de controle integrado de fluxo. “A ideia é monitorarmos tudo dali, para identificar e solucionar rapidamente quaisquer problemas de circulação. Estamos trabalhando para termos representantes de todos os envolvidos na operação do aeroporto, incluindo os responsáveis por imigração, alfândega, controle de tráfego aéreo, embarque e desembarque, check-in, despacho e retirada de bagagem, segurança, manutenção e limpeza, abastecimento de combustível e quem mais estiver envolvido”, explica o executivo. “Onde houver um congestionamento ou anormalidade vamos atuar para resolver a situação mais rapidamente do que fazemos hoje. Também vamos ter condições de nos organizar de forma mais ágil diante de imprevistos, como atrasos na chegada de um voo ou mudanças na plataforma de embarque ou desembarque, gerindo de forma mais eficiente o trabalho de equipes de suporte de solo, como, por exemplo, o apoio a passageiros com necessidades especiais para locomoção”.

“Os gestores precisam usar os dados para prever onde e quando congestionamentos e atrasos vão acontecer para poder, então, atuar de forma preventiva”

John-Paul Clarke, diretor do laboratório de Transporte Aéreo do Georgia Institute of Technology

Para o passageiro, a experiência em um aeroporto inteligente significa demorar, em um dia sem anormalidades, 15 minutos entre a calçada do terminal e a porta do avião sem precisar ter contato com ninguém, se assim desejar. Tudo se dá automaticamente. O check-in é feito via smartphone e a confirmação acontece com a aproximação do aparelho ao sensor de um quiosque de autoatendimento. A bagagem também pode ser etiquetada e despachada pelo próprio passageiro em uma rede integrada de esteiras capaz de direcioná-la para o avião correto. Em seguida, há o chamado e-gate. Nele o usuário apresenta seu código de embarque pelo celular ou cartão com código de barras, pode ser reconhecido via biometria, por face, íris ou tato, passa por uma inspeção por raios X monitorada a distância e tem as informações do chip do passaporte reconhecidas também automaticamente. Finalmente, está liberado para usar gratuitamente o wi-fi da área de embarque mediante um cadastramento e confirmar com o celular o pagamento das compras nos estabelecimentos comerciais. Nesse ambiente, o aeroporto pode interagir com o passageiro das mais variadas formas. Em troca da conectividade gratuita, ele sabe onde cada um está e o que está fazendo. Pode, ainda, informar sobre promoções de lojas que o usuário costuma comprar ou a respeito do voo. A última etapa é o embarque, que também poderá ser validado via celular, código de barras ou biometria. No terminal 3 do GRU Airport, com exceção do monitoramento das máquinas de raios X, que continuará a ser feito por funcionários no próprio local, tudo isso será uma realidade em breve, garante Ritzmann. “Estamos concentrando toda essa parte operacional ‘inteligente’ na entrada do terminal para, depois, liberar o passageiro para uma área de embarque mais confortável, como acontece nos modernos aeroportos. Os terminais 1 e 2 passarão por um retrofit depois da Copa para também incorporarem essa configuração. Um dos destaques serão os 13 quilômetros de esteira de bagagens, que poderão ser despachadas automaticamente”, ele revela. “É claro que muitos passageiros ainda precisarão de suporte de funcionários, e isso continuará acontecendo”.

Para o piloto, as inovações de Guarulhos preveem ILS Cat 3 e sistema VGDS (Visual Docking Guidance System), este último que permite um estacionamento mais preciso da aeronave, além da comunicação via datalink. No evento da Sita em Bruxelas, Luiz Eduardo Ritzmann adiantou que o A380 começará a operar no GRU Airport em outubro deste ano. Ele não quis revelar as companhias, mas sabe-se que serão a Emirates e a Air France. Segundo o executivo, a largura da pista era o principal obstáculo para o início dos voos regulares do widebody da Airbus, justamente por conta da segurança em aproximações por instrumentos. “A pista terá 60 metros de largura. No primeiro momento, as pontes de embarque serão simples, mas no futuro teremos 4 fingers duplos, para atender tanto o A380 como o Boeing 747-8”. O CIO acredita, ainda, que o aeroporto precisará de uma terceira pista, provavelmente em 2017, que deverá ser construída com 2.600 metros depois da Rodovia Hélio Smidt, onde haverá desapropriação, em posição transversal às demais, o que exigirá um táxi mais longo das aeronaves. “Nosso maior gargalo hoje é pátio, realizamos hoje 58 turnarouds simultâneos enquanto deveríamos fazer pelo menos 75. Até abril de 2014, teremos 130 posições. Também vamos incrementar o pátio para aeronaves executivas, aumentando para 40 vagas e talvez um posto de clearance, para aduana, dedicado aos passageiros dos voos não regulares internacionais do outro lado da pista, próximo da base militar”.


“A conectividade está mudando o modelo de negócios das companhias aéreas, que já oferecem aplicativos para tablets aos passageiros durante o voo”

Shashank Nigam, CEO da SimpliFlying

Internet a bordo

Os debates durante o evento da Sita foram além dos limites do aeroporto. Muito se falou a respeito do acesso à internet a bordo, que já é uma realidade e tende a se popularizar. Segundo alguns dos conferencistas, as principais oportunidades de interação e personalização do atendimento aos passageiros estão no momento do voo. De acordo com Jean-Christophe Lalanne, CIO da Air France-KLM, as empresas aéreas passarão a atender cada vez mais as necessidades individuais de seus passageiros. “O Big Data vai permitir uma interação personalizada e em tempo real entre a empresa e os passageiros, que estarão conectados a redes sociais em seus tablets, assim como os tripulantes. É uma oportunidade de atender melhor esse cliente”, antevê o executivo. Em breve, imagina-se que a tela no encosto de banco ceda lugar ao próprio aparelho do usuário, seja smartphone, tablet ou phablet – este um aparelho de tamanho intermediário entre aqueles.

Joshua Marks, CEO da masFlight, acredita que o BigData vai aumentar a rentabilidade da aviação ao dar mais precisão para previsões das empresas. “O desafio para o gerenciamento dos dados será integrar os sistemas, com informações disponíveis virtualmente, na nuvem. Isso vale para horários de partidas e chegadas, informações do voo propriamente dito, meteorologia, registros de radares e rastreamento das aeronaves, informações sobre portões de embarque e desembarque e do aeroporto em geral, dados da frota da empresa aérea e demais informações”, acredita Marks. Na prática, o que ele sugere é que a análise profunda dos dados armazenados de maneira compartilhada diminuirá o número de variáveis no planejamento dos envolvidos no processo, sobretudo o aeroporto.

“As pessoas olham para o celular a cada seis minutos em média e mais de um terço da população mundial lê e-mail, tuita ou atualiza o Facebook antes de sair da cama pela manhã”,

Ian Dawkins, CEO da OnAir

Uma das fontes mais promissoras de dados para o chamado Big Data serão os próprios passageiros. Segundo Ian Dawkins, CEO da OnAir, uma subsidiária da Sita que fornece acesso à internet e telefonia em voo, a conectividade se tornou ferramenta de trabalho e as pessoas esperam estar conectadas onde estiverem, incluindo o avião e o aeroporto. “As estatísticas mostram que as pessoas olham para o celular a cada seis minutos em média e mais de um terço da população mundial lê e-mail, tuita ou atualiza o Facebook antes de sair da cama pela manhã”, informa o executivo. Dawkins diz que, com o telefone móvel, o passageiro faz o check-in, despacha automaticamente a bagagem, recebe o código digital de embarque, tem acesso à área de embarque, à sala VIP ou ao avião, usa a internet em voo, remarca uma conexão perdida e obtém informações atualizadas sobre sua bagagem. “Com a chamada conexão 3.0 em voo, não só os passageiros tem uma viagem melhor, mas também os comissários podem oferecer um serviço mais qualificado ao passageiro e os pilotos prover maior eficiência e segurança ao voo. Além disso, novos serviços se desenvolvem conforme a necessidade das pessoas evolui”.

Reclamação on-line

Na mesma linha, Shashank Nigam, da consultoria SimpliFlying, procurou mostrar como a conectividade está mudando o modelo de negócios das companhias aéreas. Ele citou como exemplos empresas com a Qatar e a Air Baltic e mostrou aplicativos para tablets em que o passageiros têm acesso a games, dicas de viagem e diferentes pratos do cardápio durante o voo, além de filmes, músicas e TV sob demanda. No solo, tais aplicativos também indicam a distância e a pontuação de restaurantes e hotéis. Segundo o especialista, mais da metade das companhias que oferecem acesso à internet pensam em fornecer wi-fi gratuito. Ele cita exemplos que justificam a preocupação com a conectividade facilitada. “Pelo Facebook um passageiro da Turkish solucionou um problema de temperatura da cabine, que estava muito fria. O piloto recebeu o alerta da empresa e mexeu na refrigeração”, conta Nigam, que mostra também outras possibilidades de interatividade, da Malaysia Airlines. “O próprio programa de compra de passagem é capaz de reconhecer um amigo seu de uma rede social no mesmo voo e oferecer a possibilidade de colocá-los juntos na viagem”.

Com 1.700 linhas aéreas, pelo menos 23.000 aviões, cerca de 3.750 aeroportos e mais de 3 bilhões de passageiros por ano, com expectativa de chegar a 3,5 bilhões em 2016,  a indústria do transporte aéreo tem um desafio importante pela frente: eliminar a insatisfação dos passageiros com perda de tempo em filas, expandir a rede de serviços de autoatendimento e interagir cada vez mais por aparelhos móveis, que superarão a marca de 8,5 bilhões de unidades em 2016. Essa é a visão de James Hogan, presidente e CEO da Etihad, que também participou do Air Trasnport IT Summit 2013. “É preciso eliminar as preocupações com os obstáculos durante a jornada do passageiro no aeroporto, garantir um sistema de segurança mais rápido e sofisticado e menos intrusivo, usar ferramentas eletrônicas para validação da documentação de imigração e processar mais rapidamente e de modo inteligente dados já existentes dos clientes. Tudo isso com uma coerência global”, resume o executivo.

Por Giuliano Agmont, de Bruxelas
Publicado em 03/09/2013, às 00h00 - Atualizado às 22h29


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